Introdução
A Síndrome de Tolosa-Hunt foi descrita pela primeira vez em 1954 e é também designada por oftalmoplégia dolorosa. Não se conhece a causa desta doença, que é provocada por uma inflamação granulomatosa não caseosa inespecífica do seio cavernoso e/ou da fissura orbitária superior (geralmente unilateral, mas também pode ser bilateral). Raramente ocorre extensão da inflamação para o nervo ótico podendo originar amaurose, ou para estruturas posteriores ao seio cavernoso, sendo o distúrbio parte de um pseudotumor orbitário idiopático (e com o qual partilha características histológicas). A clínica resulta da inflamação concomitante dos nervos cranianos que atravessam estas estruturas: diplopia e oftalmoparésia (III, IV e VI pares cranianos), parestesias na região frontal e dor peri-orbitária (ramo oftálmico do V par craniano - V1), ptose palpebral (III par cranenano), disfunção pupilar (fibras simpáticas que envolvem V1 ou parassimpáticas que envolvem o III par craniano) ou menos frequentemente Síndrome de Horner (fibras simpáticas que envolvem V1).1,2,3
Tem baixa incidência (1/1000000 individuo/ano ) e afeta ambos os géneros, maioritariamente por volta dos 40-60 anos de idade.1,2,3
Geralmente manifesta-se por uma dor retro-ocular, orbitária ou peri-orbitária aguda e intensa, com o desenvolvimento posterior de diplopia (embora esta possa preceder a dor por várias horas a dias). Objetivamente verifica-se uma oftalmoplegia ou oftalmoparésia dos pares cranianos III, IV e/ou VI, que podem ser acompanhadas por alterações pupilares e por síndrome de Horner.1,2
Pode mimetizar outras patologias, sendo um diagnóstico de exclusão. A realização de biópsia da parede dural do seio cavernoso é tecnicamente difícil, só realizada nos doentes com progressão rápida dos défices neurológicos, sem resposta à corticoterapia ou com anormalidades persistentes nos estudos de neuroimagem, apesar da terapêutica.1
Os critérios de diagnóstico utilizados são os da International Headache Society Criteria for Tolosa-Hunt Syndrome, de 2004, devendo estar todos presentes:4
- Episódio(s) de dor orbitária unilateral, com duração média de 8 semanas, se não for realizada terapêutica;
- Paralisia associada do III, IV e/ou VI pares cranianos, que pode coincidir com o aparecimento do sintoma anterior ou acompanhá-lo por até 2 semanas (antes ou após o seu início) e/ou a observação de granuloma por ressonância magnética nuclear craneo-encefálica (RMN-CE) ou por biópsia;
- Alívio das queixas dolorosas 48-72h após início da corticoterapia;
- Exclusão de outras patologias por neuroimagem e angiografia (não obrigatória).
Remite espontaneamente até cerca de 60% dos casos e tem recaídas de 40%. É tratado com corticosteróides e em casos refratários, com imunossupressores (metotrexato ou azatioprina) ou radioterapia.1,2,3
Caso clínico
Sexo masculino, de 57 anos de idade, caucasiano, com antecedentes pessoais de dislipidemia e consumo de álcool > 100 g/dia. Medicado com estatina.
Recorreu ao Serviço de Urgência (SU) por quadro de diplopia, aquando dos movimentos oculares horizontais, especialmente para a esquerda, com cerca de 24h de evolução, após início súbito de dor retro-ocular e peri-orbitária à esquerda, associada a parestesias na mesma localização. Referia ainda fotofobia. Negava qualquer outro tipo de queixa.
Apresentava anisocoria (pupila direita de maior diâmetro do que a esquerda), diminuição da velocidade de acomodação da pupila esquerda à luz, em relação à contralateral e parésia dos III, IV e VI pares craneanos esquerdos.Sem outras alterações relevantes nomeadamente a presença de artérias temporais dolorosas ou volumosas à palpação. Apresentava-se ainda apirético, normotenso e normocárdico.
Foi inicialmente observado por Oftalmologista, que excluiu alterações intraoculares e posteriormente foi solicitada observação por Medicina Interna. Do estudo realizado no SU salientam-se: tomografia computorizada crâneo-encefálica (TC-CE) sem alterações, hemograma, ionograma, função renal e hepática e coagulação sem alterações.
Foi internado no Serviço de Medicina Interna, para esclarecimento do quadro, medicado com AAS 150mg/dia, rosuvastatina 10mg/dia e esomeprazol 20mg/dia, por suspeita de acidente vascular cerebral isquémico em evolução.
Do estudo realizado durante o internamento salientam-se: ácido fólico e vitamina B12 normais, função tiroideia normal, proteinograma electroforético sem alterações, serologia da sífilis negativa, antigénios e anticorpos dos VHB, VHC e HIV negativos, enzima conversora da angiotensina sem alterações relevantes, velocidade de sedimentação (VS) de 72 (N<14mm/h), líquor sem alterações relevantes, incluindo exame cultural amicrobiano, adenosina deaminase (ADA) normal e ausência de bandas oligoclonais, serologia da Borrelia negativa, anticorpos antinucleares e anticitoplasma dos neutrófilos negativos, prova de Mantoux com anergia e cintigrafia com gálio, RMN-CE e angio-RMN-CE sem alterações. Apresentou discreta melhoria das queixas oculares, com regressão parcial das parésias dos III, IV e VI pares craneanos. Foi colocado penso oclusivo ocular em dias alternados.
Teve alta clinica orientado para consulta de Medicina Interna, com a primeira avaliação 3 meses após a alta. Nessa altura referiu regressão das queixas oculares num espaço de tempo de 4-6 semanas após a alta, mas que teriam reaparecido 15 dias antes da 1ª consulta. Nesta altura apresentava os mesmos défices observados aquando do internamento. Foram solicitados observação urgente por Oftalmologista (que confirmou a não existência de alterações intraoculares) e repetição da RMN-CE (sem alterações). Por suspeita de S. Tolosa-Hunt foi introduzida corticoterapia (dose inicial de 100mg de prednisolona durante 3 dias, com desmame posterior progressivo a partir dos 60mg até à suspensão). Foi de novo colocado penso oclusivo em dias alternados, em cada olho. Apresentou regressão das queixas dolorosas ao final de 3 a 4 dias de corticoterapia com progressiva melhoria dos défices neurológicos. Aquando da última consulta (cerca de 2 meses após a introdução da corticoterapia), encontrava-se assintomático e sem défices neurológicos ao exame físico. Ficou medicado com prednisolona 10mg/dia, em desmame progressivo.
Discussão e conclusão
A clínica do doente foi típica, com sintomas e sinais de envolvimento dos III, V e VI pares cranianos esquerdos e das fibras simpáticas e parassimpáticas responsáveis pela inervação da pupila esquerda, assim como a sua evolução. Inicialmente não foi medicado com corticoterapia, por estudo etiológico incompleto, embora fosse altamente sugestivo de S. Tolosa-Hunt. Seguiu o curso natural da doença, com remissão espontânea ao final de 2-3 meses e posterior recaída como pode ocorrer no final de semanas a meses, especialmente nos doentes não tratados previamente com corticoterapia.3
Esta entidade nosológica é um diagnóstico de exclusão, fazendo diagnóstico diferencial com várias patologias, incluindo doenças metabólicas, como neuropatia diabética; vasculares, como tromboflebite do seio cavernoso, aneurismas, fístulas ou trombose cavernocarotídeas; infeciosas como sífilis, borreliose ou tuberculose; neoplásicas, como meningiomas, linfomas, tumores de células gigantes, tumores da nasofaringe, sarcomas ou lesões metastáticas; neurológicas, como neuropatia desmielinizante recorrente; inflamatórias, como sarcoidose, vasculites (arterite de células gigantes, granulomatose de Wegener) ou lúpus eritematoso sistémico (LES)1,2 Neste caso não se encontraram outras causas que justificassem o quadro e o estudo neuroimagiológico através da RMN-CE foi normal. No entanto a ausência destas alterações imagiológicas pode ser possível e tem levado à discussão acerca da importância da revisão dos critérios da International Headache Society criteria for Tolosa-Hunt syndrome, para inclusão de doentes com exames de neuroimagem normais.5
A resposta à corticoterapia foi também muito típica, com melhoria ao final de cerca de 72h após a sua instituição, o que veio a reforçar esta hipótese diagnóstica.
Apesar de tudo, ainda pouco se sabe acerca desta patologia e poucos conhecimentos têm sido acrescentados nos últimos anos. É importante pensar neste diagnóstico quando se nos apresenta um doente com a clínica referida. É, no entanto, essencial excluir outras etiologias, que podem ser fatais se não forem tratadas, das quais são exemplos certos linfomas que podem cursar com oftalmoparésia dolorosa e regredir com corticoterapia.
BIBLIOGRAFIA
(1) Kline LB. The Tolosa Hunt syndrome. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2001;71:577-582;
(2) Monzillo, Marçal Saab, Guimarães Protti, Rodrigues da costa, Sanvito. Síndrome de Tolosa-Hunt - análise de seis casos. Arq Neuropsiquiatr 2005;63:648-651;
(3) Bulhões CC, Rocha Filho PAS. Síndrome de Tolosa-Hunt. Migrâneas cefaleias 2009;12(4):157-160;
(4) Subcomitê de Classificação das Cefaléias da Sociedade Internacional de Cefaléia. Classificação Internacional das Cefaléias. 2.Ed. Trad. Sociedade Brasileira de Cefaléia. São Paulo: Segmento Farma Editores, 2004:272;
(5) Colnaghi, Versino, Marchioni, et al. ICHD-II diagnostic criteria for Tolosa-Hunt syndrome in idiopathic inflammatory syndromes of the orbit and/or the cavernous sinus. Cephalalgia 2008; 28:577.