O coma é uma entidade rara no adulto jovem e é um desafio diagnóstico pela multiplicidade de causas que podem estar associados a esta manifestação.
Apresenta-se um caso de uma mulher de 47 anos, autónoma, com antecedentes de alcoolismo crónico, trazida ao serviço de urgência após ter sido encontrada caída. Ao exame objetivo apresentava-se prostrada, sem resposta a estímulos, com espasticidade global, sem deficits neurológicos focais. Analiticamente apresentava leucocitose (14700mm³) sem neutrofilia, PCR 4 mg/L, CK 1630 U/L, sem outras alterações de relevo. Na tomografia computorizada objetivou-se alargamento de sulcos cerebelosos indicando padrão de atrofia não correspondente a grupo etário. Realizou punção lombar que não apresentava alterações.
Foi proposto o diagnóstico de Doença de Marchiafava-Bignami e realizada uma Ressonância Magnética (RM) cerebral. A RM mostrou atrofia cortico-subcortical encefálica difusa associada a atrofia ligeira a moderada do corpo caloso, sem alteração do sinal, e áreas de hipersinal subcorticais e periventriculares inespecíficas (Figura 1 e 2). Tendo em conta a apresentação, características clínicas e os meios auxiliares de diagnóstico (nomeadamente exames de imagem), apesar de não existiram alterações patognomónicas, foi feito o diagnóstico de doença de Marchiafava-Bignami tipo A.1,2 A doente iniciou suplementação de tiamina e medidas de suporte, sem resposta clínica, com agravamento progressivo, tendo vindo a falecer.
A Doença de Marchiafava-Bignami é uma doença rara caracterizada pela desmielinização e atrofia do corpo caloso, mais comum nos doentes com alcoolismo crónico descrita a primeira vez em 1903.3 A sua patogénese não está totalmente esclarecida, mas estará associada ao deficit de vitamina B e toxicidade direta do álcool.4 Os aspetos de atrofia cerebral cortical, apesar de frequentemente presentes, não são específicos desta patologia. O espetro clínico pode variar de quadros de coma ou estupor súbitos, quadros epiletiformes ou instalação crónica de quadros de demência.1 Uma revisão dos casos descritos na literatura mostrou que, em 250 doentes avaliados, 200 faleceram, 30 ficaram acamados ou com demência grave e apenas 20 tiveram prognóstico favorável5 o que reflete a elevada morbilidade e mortalidade desta doença.
Figura I
Ressonância Magnética Cerebral com atrofia do corpo caloso, ligeira a moderada para o grupo etário, sem alteração de sinal.
Figura II
Ressonância Magnética Cerebral com áreas de hipersinal subcorticais e periventriculares inespecíficas.
BIBLIOGRAFIA
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