ALTERAÇÃO DA MARCHA COMO PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DE UMA NEUROSARCOIDOSE
Juan Ignacio Ramos-Clemente Romero, Vera Gregorio, Alicia Merlo.
Medicina Interna. Hospital Infanta Elena. Huelva. Espanha
INTRODUÇÃO :
A sarcoidose é uma doença multissistémica de etiologia desconhecida, que tem sido associada a fatores infeciosos, ambientais e genéticos. A sua prevalência é de 40 casos por cada 100.000 habitantes e é mais comum em mulheres entre os 30 e os 40 anos. Os órgãos mais frequentemente afetados são os gânglios linfáticos, pulmões, pele, olhos, fígado e baço; caracteriza-se pela acumulação de linfócitos T CD4 - positivos e monócitos nos tecidos, assim como pela presença de granulomas não caseosos e pela alteração da estrutura normal dos tecidos celulares. A forma de apresentação clínica mais frequente é um achado radiológico casual com imagens de adenopatias hilares bilaterais com ou sem infiltrados pulmonares na radiografia de tórax. As complicações neurológicas ocorrem aproximadamente num 5% dos pacientes. Seguidamente apresentamos o caso clínico de uma paciente cujo primeiro sintoma de sarcoidose foi uma alteração na marcha.
CASO CLÍNICO :
Doente do sexo feminino, com 31 anos de idade, caucasiana, que referia um quadro de astenia associada a anorexia e sensação de instabilidade postural e da marcha sem sensação de giro de objetos ao seu redor, de três semanas de evolução.
Na radiografia de tórax realizada no Serviço de Urgência detetou-se um aumento do tamanho do mediastino (Fig. 1), motivo pelo qual, a paciente foi derivada a Consultas Externas de Medicina Interna. O estudo analítico completo revelou una anemia (Hb 9,8 g/dl) com uma ferropenia importante (ferritina 12) e um aumento do valor da Enzima Conversora de Angiotensina (ECA 158,7 U/L).
O estudo foi ampliado com a realização de uma tomografia axial computadorizada (TAC) de tórax (Figura 2), que permitiu detetar adenopatias pretraqueais de aproximadamente 10 mm de diâmetro menor, paratraqueais direitas até 24 mm de diâmetro menor, pre-vasculares de uns 12 mm de diâmetro menor, carinais até 14,5 mm de diâmetro menor e hiliares bilaterais, sendo até 32mm no hilio direito. As adenopatias são de densidade homogénea, sem áreas de necrose.
Realizou-se também uma ressonância magnética nuclear (RMN) de crânio (Fig. 3), na qual se observam varias lesões nodulares (aproximadamente cinco) em ambos hemisférios cerebrais, distribuídas pela substancia branca periventricular adjacente ao corpo do ventrículo lateral esquerdo, na substância branca justacortical frontal posterior esquerda, na substancia branca subcortical frontoparietal bilateral. As lesões são isointensas em T1 e hiperintensas nas sequências ponderadas em T2. A maior parte delas têm uma morfologia arredondada, contornos relativamente bem definidos e diâmetro máximo de vários milímetros, apresentando a de maior tamanho um diâmetro máximo de aproximadamente 5mm.
Foi realizado um estudo bioquímico do líquido cefalorraquidiano (LCR), onde se identificou uma pleocitose (55 células / mm), com proteinorraquia (82 mg / dl) e baixo teor de glucose (38 mg / dl). O valor de ECA no LCR era elevado (78 U / L).
Realizou-se então uma biópsia transbrônquica por fibroscopia das adenopatias parahiliares obtendo-se no estudo anatomopatológico (Figura 4) a presença de granulomas não caseosos.
Iniciou-se tratamento com prednisona 1 mg/kg/dia e passadas três semanas de tratamento, a paciente refere melhora clínica significativa da sensação de instabilidade.
DISCUSSÃO:
A neurosarcoidose como forma de manifestação clínica de sarcoidose sistémica é rara, e é ainda menos frequente como manifestação única como tal. Geralmente produz afetação do parênquima cerebral (50%), das meninges (10-20%), neuropatias dos nervos cranianos (50-70%), principalmente paralisia do nervo facial (50-75%), convulsões, hidrocefalia com hipertensão intracranial, lesões ocupantes de espaço, lesões hipotálamo-hipófisarias com diabetes insípida e/ou pan-hipopituitarismo, distúrbios psiquiátricos, afetação da medula óssea e polineuropatia periférica (1). Devemos suspeitar a existência de uma neurosarcoidose nos pacientes com sarcoidose conhecida que desenvolvem sinais e sintomatologia neurológica (2).
Um elevado nível da enzima conversora de angiotensina (ECA) no sangue e no líquido cefalorraquidiano pode ser sugestivo, mas não patognomónico de sarcoidose ou neurosarcoidosis. A nível de LCR, a ECA pode elevar-se também em processos tumorais e infeciosos do SNC. Outras possíveis alterações encontradas no LCR são a pleocitose linfocítica, o aumento dos níveis de proteínas e a redução dos níveis de glucose. Todos estes dados estavam presentes na nossa paciente, embora, como referido anteriormente, não são específicos de neurosarcoidose (3).
A forma mais adequada de diagnosticar uma sarcoidose é através da biópsia de uma lesão acessível, geralmente da pele, gânglios linfáticos ou pulmões. Se um paciente diagnosticado de sarcoidose desenvolve uma lesão neurológica, depois de excluída uma causa vascular, infeciosa ou tumoral, pode ser apropriado realizar um ensaio terapêutico com corticosteroides, e somente se o paciente não responde ao tratamento, deverá então ser realizada uma biópsia do cérebro (4).
Normalmente, o tratamento com prednisona a dose de 1 mg / kg de peso corporal por dia, começa a mostrar uma resposta clinica satisfatória em apenas 2-8 semanas (5), como foi o caso da nossa paciente, que a partir da terceira semana de tratamento iniciou uma redução lenta e progressiva ao longo de um mês na dose de corticosteroides, sem apresentar episódios de recaída. Passados três meses de finalizado o tratamento realizou-se uma nova RMN de crânio que era normal. A corticoterapia geralmente provoca uma redução acentuada ou a completa desaparição das lesões. No entanto, às vezes a melhora radiológica não ocorre em simultâneo com a melhora clínica, persistindo ainda as lesões na substancia branca, uma vez que o paciente já se encontra assintomático (6).
Aproximadamente um 30% dos casos manifestam uma resistência ao tratamento corticosteroide, pelo que nestes casos podemos utilizar azatioprina o ciclofosfamida, e em caso de intolerância o não resposta clínica a estes medicamentos, podemos usar metotrexato.
Existem também referências de uma possível eficácia da ciclosporina e hidroxicloroquina no tratamento da neurosarcoidose (7).
Figura I

imagem 1: radiografía de torax
Figura II

imagem 2: TC torax
Figura III

Imagem 3: RMN crânio
Figura IV

imagem 4: estudo anatomopatologico
BIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIA :
1. Gullapalli D, Phillips LH II. Neurological manifestations of sarcoidosis. Neurol Clin 2002; 20:59-83.
2. Nowak DA, Widenka DC. Neurosarcoidosis: a review of its intracranial manifestation. J Neurol 2001; 248:363-372
3. Dale JC, O´Brien JF. Determination of angiotensin-converting enzyme levels in cerebrospinal fluid is not a useful test for the diagnosis of neurosarcoidosis. Mayo Clin Proceed 1999; 74:535.
4. Minagar A, Hardjasudarma M, Kelley RE. Neurosarcoidosis. Neurology 2002; 53:477.
5. Dumas JL, Valeyre D, Chapelon-Abric C, et al. Central nervous system sarcoidosis: follow-up at MR imaging during steroid therapy. Radiology 2000; 214:411-420
6. Christoforidis GA, Spickler EM, et al. Sarcoidosis: correlation of imaging features to clinical symptoms and response to treatment. AJNR. 1999; 20: 655-9
7. Agbogu BN, Stern BJ, Sewell C, Yang G. Therapeutic considerations in patients with refractory neurosarcoidosis. Arch Neurol 1995; 52:875-879