INTRODUÇÃO –As neoplasias de células plasmocitárias consistem na proliferação anormal de um clone de plasmócitos que produz imunoglobulina monoclonal. A maior parte dos casos surge como mieloma múltiplo (MM), uma doença disseminada em que há um atingimento medular, várias lesões líticas ósseas, um componente monoclonal de imunoglobulinas no soro e/ou urina e atingimento renal. Em 1905 foi descrita pela primeira vez uma forma rara de neoplasia localizada de plasmócitos, que engloba menos de 5% deste tipo de tumores: os plamocitomas (1,2). Estes designam-se por extra-medulares, quando atingem tecidos moles além da medula óssea, ou ósseos solitários, se atingem um osso. Estes últimos, surgem, como maior frequência na coluna vertebral, sendo a sua localização no crânio rara (3,4). Cerca de 50% dos plasmocitomas ósseos solitários (POS) evoluem para MM em 10 anos.
Surgem com maior frequência (3:1) em indivíduos do sexo masculino e com uma idade média cerca de 10 anos inferior àquela em que surge o mieloma múltiplo. (5).
Habitualmente o diagnóstico é feito por biopsia da lesão óssea com histologia típica, sem que haja evidência radiológica de outras lesões líticas, envolvimento medular ou renal, nomeadamente sem anemia, proteinúria de Bence Jones ou hipercalcémia (1,2).
É importante o dignóstico diferencial com outras entidades clínicas, bem como o seguimento destes doentes pelo risco de evolução para MM, este último com pior prognóstico e abordagem terapêutica distinta. O diagnóstico de POS do crânio é, no entanto, difícil, por um lado por se tratar de uma lesão pouco frequente e, por outro, pela sobreposição de características radiológicas com outros tumores(4).
CASO CLÍNICO – Os autores apresentam o caso de uma doente do sexo feminino, 75 anos, leucodérmica, natural e residente na Lourinhã (Portugal) que referia um quadro de cerca de 6 meses de evolução de perda ponderal não quantificada, sem anorexia ou astenia e diminuição da acuidade auditiva, apresentando nas 2 semanas prévias vertigens e desequilíbrio na marcha. Não havia referência a náuseas ou vómitos, queixas álgicas ou alterações da força muscular ou sensibilidade. Por manutenção dos sintomas recorreu ao Serviço de Urgência (SU). Aqui, ao exame objectivo (EO) apresentava-se vigil, calma, colaborante e orientada, corada, hidratada, hemodinamicamente estável e apirética; auscultação cardio-pulmonar, abdómen e membros sem alterações. Ao exame neurológico apresentava pupilas isocóricas e isorreactivas, movimentos oculares e mímica facial mantidos, força muscular mantida e simétrica, sem alterações da sensibilidade. Apresentava dismetria na prova dedo-nariz à direita, nistagmo horizontal e desvio da marcha homolateral.
Do contexto clínico da doente a referir apenas hipertensão arterial essencial, estando habitualmente medicada com Lisinopril 20mg/Hidroclorotiazida 12,5mg id, Ácido Acetilsalicílico 100mg id, Bisoprolol 5mg id e Beta-histina 16 mg tid. Sem hábitos tabágicos, etanólicos ou toxicofílicos.
Da avaliação analítica efectuada a referir hemograma, função renal, calcémia, função hepática e proteinograma sem alterações. Apresentava uma elevação da velocidade de sedimentação (VS) com uma Proteína C Reactiva apenas ligeiramente acima do valor de referência (Quadro I).
Pelo quadro clínico apresentado a doente realizou inicialmente TC crânio-encefálica (CE) que revelou “Extensa lesão (5x6cm) sub-occipital osteolítica da região mediana e paramediana direita, moldagem dos contornos do cerebelo, sobretudo à direita e edema peri-lesional” tendo-se colocado como hipótese diagnóstica mais provável tratar-se de uma lesão secundária (Figura I). Efectuou ainda RMN CE que confirmou a referida lesão (Figuras II e III).
A doente foi transferida para um Serviço de Neurocirurgia tendo-se efectuado exerese cirúrgica da lesão com remissão dos sintomas descritos.
A avaliação histológica da peça revelou uma neoplasia de células plasmáticas (MM/POS). (Figuras IV, V e VI)
A marcha diagnóstica incluiu radiografia do esqueleto, mielograma, biópsia óssea e electroforeses sérica e urinária que foram normais (Figuras VII e VIII) . Dos resultados obtidos apenas se destaca B2 microglobulina discretamente aumentada, com restante estudo sem alteraçoes (Quadro II). Na RMN pélvica, umeral e femural não foi evidente atingimento extracraneano.
Por se tratar de uma lesão óssea única, com plasmócitos na peça histológica, sem plasmocitose medular ou pico monoclonal na electroforese de proteínas assumiu-se o diagnóstico de POS.
A terapêutica realizada consistiu na Cirurgia e radioterapia, dado tratar-se de neoplasia radiossensivel. Mantém seguimento em consulta de Medicina Interna, com avaliação clínica e analítica seriadas, sem alterações relevantes.
DISCUSSÃO – O diagnóstico de POS requer a presença de uma lesão única óssea, sendo que a análise histopatológica revela infiltração por células plasmocitárias. A radiografia completa do esqueleto deve excluir outras lesões ósseas bem como o exame medular deve excluir a presença de clone de plasmócitos, não deve haver anemia, atingimento renal ou hipercalcémia, o doseamento de imunoglobulinas/proteínas monoclonais séricas e/ou urinárias deve estar ausente ou ser baixo (1,5,6). Ainda que a electroforese de proteínas sérica e urinária seja normal, deve efectuar-se imunofixação sérica e urinária a todos os doentes com POS, uma vez que, em 1/3 dos casos a proteína monoclonal não é detectada naquela avaliação (1,6). A ressonância magnética nuclear (RMN) é um método imagiológico não invasivo mais sensível na detecção de envolvimento medular em doentes com suspeita de POS (1), motivo pelo qual é proposto por Meletios et al em 2000 a realização de RMN pélvica, do úmero, fémur proximal e coluna vertebral (1) no auxílio ao diagnóstico de POS. O caso apresentado apresentava a qual foi realizada no caso apresentado.
O plasmocitoma crânio-cerebral pode ter localização óssea ou ser extramedular e ter origem meníngea ou, mais raramente, cerebral(7,8). Tem, mais frequentemente, origem nos ossos da calote ou base cranianos. O tratamento pode ser cirúrgico, radioterapia ou uma combinação de ambos (3,4,7).
O prognóstico de neoplasias de células plasmocitárias pode ser difícil de estabelecer(9), sabendo-se, no entanto, que o risco de evolução para MM é maior em casos de POS do que de plasmocitoma extra-medular, motivo pelo qual se tem focado atenção na investigação de necessidade de tratamento mais agressivo, nomeadamente com esquemas de quimioterapia(9). Guo et. al sugerem como factores de mau prognóstico para POS a presença de componente monoclonal no soro, a elevação do nível sérico de B2 microglobulina e o tamanho do tumor superior a 5 cm(9).
No caso apresentado, a abordagem cirúrgica demonstrou-se essencial não só ao tratamento mas também ao diagnóstico, uma vez que, tratando-se de um tumor raro localizado no crânio e não tendo características nos exames de imagem patognomónicas, a análises histológica é essencial ao diagnóstico. A doente foi ainda submetida a radioterapia pelo risco de evolução da doença para MM, sendo que, do seguimento efectuado até à data, não há evolução ou recidiva de doença documentadas. É de salientar, no entanto, a presença de factores de mau prognóstico, nomeadamente o tamanho da lesão e o doseamento elevado de B2 microglobulina, pelo que deve ser mantida vigilância apertada.
Dada a raridade do caso clínico, bem como pelo pequeno número de casos de POS craniano descritos na literatura, os autores decidiram a publicação deste caso.
Quadro I
Avaliação analítica inicial
Parâmetro analítico | Resultado |
| |
Hemoglobina | 13,9 g/dl |
Leucócitos | 6400/mm3 |
Plaquetas | 152000/mm3 |
VS/PCR | 75 mm/1ªh / 1 mg/dl |
Cálcio | 9,1 |
Creatinina/Ureia | 0,7mg/dl / 43 mg/dl |
Avaliação analítica realizada à entrada a revelar hemograma, calcémia e função renal normais, com VS elevada.
Quadro II
Avaliação analítica complementar
Parâmetro analítico | Resultado |
| |
Β2-microglobulina | 6,6 mg/l |
IgG | 537 mg/dl |
IgA | 169 mg/dl |
IgM | 95,1 mg/dl |
Cadeias leves κ | 133 mg/dl |
Cadeias leves livres κ | 2,12 mg/dl |
Cadeias leves λ | 85 mg/dl |
Cadeias leves livres λ | 2,03 mg/dl |
Avaliação analítica complementar a revelar ligeira elevação da B2-microglobulina, com doseamentos de imunoglobulinas e cadeias leves normais
Figura I

TC de crânio - Lesão osteolítica sub-occipital da região mediana e paramediana direita
Figura II

RMN de crânio – Lesão nodular irregular em localização sub-occipital mediana e paramediana direita extra-axial, predominantemente epidural e com invasão da calote craniana adjacente (corte axial)
Figura III

RMN de crânio – Lesão nodular irregular em localização sub-occipital mediana e paramediana direita extra-axial, predominantemente epidural e com invasão da calote craniana adjacente (corte coronal)
Figura IV

Imagem histológica - Infiltração por plasmócitos (H&E 50x)
Figura V

Imagem histológica - Infiltração por plasmócitos (H&E 400x)
Figura VI

Imagem histológica - Infiltração por plasmócitos com marcação CD20 (400x)
Figura VII

Electroforese sérica
Figura VIII

Electroforese urinária
BIBLIOGRAFIA
1. Meletios A. Et al, Solitary plasmocytoma of bone and assymptomatic multiple myeloma, Blood 2000, 96:2037-2044
2.Weber D., Solitary bone and extramedullary plasmocytoma, Hematology 2005, 373-376
3.Krumholz A, Solitary intracranial plasmocytoma: two patients with extended follow up. Ann Neurol, 1982; 11: 529-532
4.Moreira L. et al, Plasmocitoma na clivus, Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna 2002, 9, 76-78
5.Knowling MA, et al, Comparison of extramedullary plasmocytomas with solitary ant multiple plasma cell tumors of bone. J Clin Oncol. 1983; 1:255-262
6.Dimoupoulus M.A, et al Solitary bone plamopcytoma and extramedullary plasmocytoma, Curr Treat Options Oncol 2002, 3:255-259
7. Provenzale J. et al, Craniocerebral plasmocytoma: MR features, Am J Neuroradiol 1997, 18, 389-392
8. Cardoso I., Plasmocitoma solitário ósseo. Relato de caso, Rev Bras Clin Med, 2010, 8(2), 183-186
9. Guo S., et al, Prognostic factors associated with solitary plasmocytoma. OncoTargets and Therapy 2013:6 1659-1666