INTRODUÇÃO
A Bordetella bronchiseptica, um cocobacilo gram negativo pleomórfico, é um agente frequente de infecções em animais domésticos e selvagens. Habitualmente causa infecções respiratórias, incluindo a traqueobronquite no cão e a rinite atrófica no porco. [1]
A infecção por Bordetella bronchiseptica é rara nos humanos, sobretudo em imunocompetentes. É considerado um agente etiológico de infecção respiratória alta, pneumonia, endocardite, peritonite, meningite, sépsis e bacteremia recorrente em indivíduos com alterações imunológicas. Nos doentes com infecção pelo VIH pode causar pneumonia intersticial e mimetizar a Pneumocistose. [2]
Descrevemos dois casos clínicos de infecção comprovada por este cocobacilo, um num indivíduo com infecção VIH em estadio de SIDA e outro em doente com bronquiectasias e convivente com cães e coelhos. [3]
DESCRIÇÃO DOS CASOS
Caso 1
Homem de 46 anos de idade, com infecção por VIH em estadio C3 do CDC com 10 anos de evolução e sob terapêutica anti retrovírica até 1 ano antes. Ex-fumador e com história de asma intermitente. Foi admitido com quadro de choque séptico com ponto de partida em pneumonia da comunidade (Fig1).
Na gasometria arterial apresentava insuficiência respiratória tipo 1 grave, com ratio PaO2/ FiO2 125. Antigénios urinários de Pneumococcus e Legionella e rastreio do vírus Influenza A H1N1 negativos. Iniciou empiricamente ceftriaxone, azitromicina e oseltamivir.
Apresentou deterioração do estado clínico, com necessidade de admissão em Cuidados Intensivos e ventilação mecânica. A primeira contagem de linfócitos T CD4 foi de 7 cél/mL. Por suspeita de infecção por Pneumocystis jiroveci associou cotrimoxazol à terapêutica em curso.
Ao 7º dia de internamento foi isolada Bordetella bronchiseptica no exame bacteriológico de secreções brônquicas. O teste de susceptibilidade antimicrobiana mostrou sensibilidade ao cotrimoxazol, tendo completado terapêutica durante 21 dias, com melhoria dos parâmetros inflamatórios. Manteve no entanto hipoxemia grave, com difícil ventilação por ARDS grave (ver Fig 2) e necessidade de traqueostomia cirúrgica. Ao 28º dia de internamento, houve crescimento, em 2 hemoculturas, de uma micobactéria não tuberculosis (PCR do BK negativa, exame cultural negativo), cuja identificação não foi possível devido à escassez do inóculo. Perante este achado, iniciou terapêutica com isoniazida, rifampicina, pirazinamida, etambutol e azitromicina, com melhoria clínica, analítica e radiológica. Teve alta ao fim de 49 dias de internamento.
Caso 2
Mulher de 84 anos, autónoma, residente numa propriedade rural onde contacta com cães e coelhos. Antecedentes de hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, insuficiência renal crónica e bronquiectasias sequelares. Admitida com um quadro de insuficiência cardíaca descompensada (ortopneia, edemas generalizados e crepitações inspiratórias nos 2/3 inferiores bilateralmente) e tosse produtiva. Sem registo de febre. Ao exame objectivo apresentava, além do descrito, roncos dispersos bilateralmente. Analiticamente com anemia ligeira de doença inflamatória, neutrofilia relativa e proteína C reactiva elevada. Documentou-se insuficiência respiratória tipo 2 com PaO2 de 42 mmHg e PaCO2 de 47 mmHg em ar ambiente.
A tomografia computorizada torácica mostrou bronquiectasias císticas dispersas e broncocelos, com aspectos sugestivos de infecção (preenchimento) (Fig. 4).
Fez broncofibroscopia com colheita de LBA, onde se isolou Bordetella bronchiseptica sensível a ciprofloxacina.
Apresentou evolução favorável com antibioterapia dirigida. A serologia VIH foi negativa e não foi identificada outra eventual causa de imunodepressão.
DISCUSSÃO
Em humanos, a infecção por Bordetella bronchiseptica é rara e tipicamente ocorre em imunocomprometidos (alcoólicos, diabéticos, indivíduos com doença de Hodgkin, Leucemias Linfocíticas e infecção pelo VIH) [2]. Na literatura médica, encontrámos descritos 63 casos [1-17], dos quais apenas uma minoria em imunocompetentes. Os resultados da nossa revisão bibliográfica são apresentados na Tabela 1.
Em alguns casos há história de contacto com animais infectados, mas a transmissão directa ao Homem nunca foi demonstrada [4].
Pensa-se que a Bordetella bronchiseptica deve ser considerada no diagnóstico diferencial das pneumonias em doentes com infecção VIH [1].
Neste artigo são apresentados dois casos de infecção por Bordetella bronchispetica, um num indivíduo imunocomprometido e outro numa doente com bronquiectasias. Nos indivíduos com infecção pelo VIH parece-nos importante acrescentar este microrganismo à lista de potenciais patogénios respiratórios, nomeadamente podendo mimetizar a pneumocistose. Este “mimetismo” relaciona-se sobretudo com a resposta do hospedeiro, não constituindo uma particularidade do agente infeccioso. Na verdade, em contexto de imunossupressão a pneumonia instersticial é um padrão imagiológico frequente e comum a inúmeros agentes. A presença de doença estrutural pulmonar parece ser um factor predisponente para infecção por este agente em indivíduos imunocompetentes e o contacto próximo com animais como os cães e os coelhos parece ser um dado epidemiológico a considerar.
Dada a raridade das infecções por este agente, não existe um grande volume de evidência científica nem recomendações específicas. A duração da antibioterapia deve depender da resposta clínica. Tendo em conta que os doentes são na sua a maioria imunodeprimidos ou portadores de doença estrutural pulmonar, pode ser razoável optar por esquemas mais prolongados (10 a 14, ou mesmo 21 dias). No entanto, em doentes sem comorbilidades é admissível considerar esquemas convencionais, de 7 a 10 dias.
Figura I

Radiografia de tórax com infiltrado intersticial reticulonodular nas metades inferiores bilateralmente (caso 1)
Figura II

Agravamento radiológico, com ARDS (caso 1)
Figura III

Radiografia de tórax com índice cardiotorácico aumentado e infiltrado heterogéneo hilobasal à direita (caso 2)
Figura IV

Tomografia computorizada torácica a mostrar bronquiectasias císticas dispersas com áreas de preenchimento (caso 2)
Figura V

Casos de infecção por Bordetella bronchiseptica descritos na literatura
BIBLIOGRAFIA
[1] Woolfrey BF, Moody JA. Human infections associated with Bordetella bronchiseptica. Clin Microbiol Rev. 1991 Jul; 4(3):243-255.
[2] Galeziok M, Roberts I, Passalacqua JA. Bordetella bronchiseptica pneumoniae in a man with acquired immunodeficiency syndrome: a case report.J Med Case Reports. 2009 Oct; 3:76. doi: 10.1186/1752-1947-3-76.
[3] Dworkin MS, Sullivan PS. Bordetella Bronchiseptica Infection in HIV- infected persons. Clin Infect Dis. 1999 May; 28(5):1095-9.
[4] Gueirard P, Weber C, Coustumier A, Guiso N. Human Bordetella Bronchiseptica Infection Related to Contact With Infected Animals: Persistence of Bacteria in Host. J Clin Microbiol. 1995 Aug; 33(8):2002-6.
[5] Miguel LG, Quereda C, Martinez M, Dávila P, Cobo J, Guerrero A. Bordetella bronchiseptica cavitary pneumonia in a patient with AIDS. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 1998 Sep;17(9):675-6.
[6] Dworkin MS, Sullivan PS, Buskin SE, Harrington RD, Olliffe J, MacArthur RD, Lopez CE. Bordetella bronchiseptica infection in human immunodeficiency virus-infected patients. Clin Infect Dis. 1999 May; 28(5):1095-9.
[7] David M David M. Berkowitz, MD*; Rabih Bechara, MD; Linda L. Wolfenden, MD. Bordetella Bronchiseptica infection in an immunocompromised patient. CHEST; 2006 Oct; 130(4).
[8] Rath BA, Register KB, Wall J, Sokol DM, Dyke RB. Persistent Bordetella bronchiseptica Pneumonia in an Immunocompetent Infant and Genetic Comparison of Clinical Isolates With Kennel Cough Vacine Strains. Clin Infect Dis. 2008 Mar; 46(6):905-8.
[9] Mazumder SA, Cleveland KO. Bordetella bronchiseptica bacteremia in a patient with AIDS. South Med J. 2010 Sep;103(9):934-5.
[10] Gisel JJ, Brumble LM, Johnson MM. Bordetella bronchiseptica pneumonia in a kidney-pancreas transplant patient after exposure to recently vaccinated dogs. Transpl Infect Dis. 2010 Feb;12(1):73-6.
[11] Patel AK, Prescott-Focht JA, Kunin JR, Essmyer CE, Rosado-de-Christenson ML. Imaging findings in human Bordetella bronchiseptica pneumonia. J Thorac Imaging. 2011 Nov;26(4):W146-9.
[12] Bille E, Lesage F, Guiso N, Quesne G, Berche P, Le Monnier A. Bordetella bronchiseptica-associated acute chest syndrome in a child with sickle cell disease. Arch Pediatr. 2011 Jan;18(1):41-4.
[13] Redelman-Sidi G, Grommes C, Papanicolaou G. Kitten-transmitted Bordetella bronchiseptica infection in a patient receiving temozolomide for glioblastoma. J Neurooncol. 2011 Apr;102(2):335-9.
[14] Wernli D, Emonet S, Schrenzel J, Harbarth S. Evaluation of eight cases of confirmed Bordetella bronchiseptica infection and colonization over a 15-year period. Clin Microbiol Infect. 2011 Feb;17(2):201-3.
[15] Dlamini NR, Bhamjee A, Levick P et al. Spontaneous bacterial peritonitis and pneumonia caused by Bordetella bronchiseptica. J Infect Dev Ctries 2012; 6(7):588-591.
[16] de la Torre MJ,de la Fuente CG,de Alegría CR,Del Molino CP,Agüero J,Martínez-Martínez L.. Recurrent respiratory infection caused by Bordetella bronchiseptica in an immunocompetent infant. Pediatr Infect Dis J. 2012 Sep;31(9):981-3.
[17] Karen B. Register,Neelima Sukumar,Elizabeth L. Palavecino,Bruce K. Rubin andRajendar Deora.. Bordetella bronchiseptica in a Pediatric Cystic Fibrosis Patient: Possible Transmission from a Household Cat. Zoonoses Public Health.2012 June;59(4): 246–250.