Introdução:
O Tromboembolismo venoso (TEV) é a terceira doença cardiovascular mais frequente a nível mundial, com uma incidência anual de 100-200 casos por cada 100.000 habitantes1. Em 20% dos casos é idiopático2 mas, na maioria das situações, são identificados fatores de risco para o evento trombótico. Existem situações patológicas menos frequentes que, por induzirem estados de hipercoaguabilidade, estão associadas à doença tromboembólica, sendo a anamnese e o exame físico mandatórios para o seu diagnóstico, pois podem ter repercussões na terapêutica e prognóstico. Os autores apresentam o caso de uma doente com episódio agudo de TEV, a quem foi detectado um conglomerado adenopático, cujo estudo apontou para uma Tuberculose ganglionar (TG) e que teve implicações nas decisões terapêuticas e na evolução clínica favorável.
Caso clínico:
Mulher de 81 anos, raça caucasiana, casada, ex-operária fabril, com história pessoal de Hipertensão arterial, Dislipidemia, Asma brônquica, Hipotiroidismo e Carcinoma ductal invasor da mama com metastização ganglionar em 2005, submetida a mastectomia direita, radioterapia e quimioterapia. Medicada cronicamente com anti-hipertensores, estatina, broncodilatadores inalados, levotiroxina e tamoxifeno.
Em Janeiro de 2009 foi admitida no Serviço de Urgência por dispneia em repouso e insuficiência respiratória. A angio-tomografia computorizada (TC) torácica mostrou um tromboembolismo pulmonar (TEP) bilateral das artérias lobares, ramos segmentares e subsegmentares, sem alterações pleuroparenquimatosas, mediastínicas ou dos tecidos adjacentes. Iniciou hipocoagulação com heparina de baixo peso molecular (HBPM). Durante o internamento foi detetada uma tumefação supraclavicular esquerda, com 3 cm de maior eixo, dura e não aderente, segundo a doente com cerca de um ano de evolução e sem noção de crescimento recente. A doente negava febre, emagrecimento, sudorese nocturna, sintomas dispépticos ou melenas. Referia tosse frequente com expectoração mucosa escassa e não apresentava outras massas, adenomegalias ou organomegalias palpáveis. Referia ter tido contacto com doente com Tuberculose Pulmonar (TP) há mais de 30 anos, não tendo realizado nenhum tratamento. A terapêutica anti-hormonal e a possibilidade de progressão da doença neoplásica foram considerados os fatores de risco mais prováveis para o TEP. Manteve, por isso, HBPM e foi substituído tamoxifeno por anastrazol, por estar associado a menor risco de trombose3.
Durante a investigação clínica, a ecografia cervical mostrou um conglomerado adenopático supraclavicular com múltiplos gânglios de 5-8mm de maior eixo. Realizou citologia por biópsia aspirativa (CBA) que revelou linfadenite granulomatosa sem necrose, ausência de células neoplásicas, com exame direto, cultural e pesquisa por Polymerase Chain Reaction (PCR) para Mycobacterium tuberculosis negativos. A mamografia, ecografia abdominal, TC torácica e marcadores tumorais não evidenciaram progressão da doença neoplásica. A ecografia da tiróide e a endoscopia digestiva alta não revelaram alterações. A velocidade de sedimentação, hemograma, funções renal e hepática, eletroforese das proteínas plasmáticas, enzima conversora da angiotensina e β2-microglobulina foram normais. Os anticorpos anti-cardiolipina, anti-β2-glicoproteína I, anti-nucleares, anticitoplasma neutrófilo, inibidor lúpico, serologias da sífilis, vírus da imunodeficiência humana (VIH) e hepatites B e C foram negativos. As baciloscopias foram negativas. Realizou prova tuberculínica que se relevou positiva e o teste Interferon GammaAssay (IGRA), também positivo.
Foi considerada a hipótese de Tuberculose ganglionar e iniciou terapêutica antibacilar, que manteve por nove meses. Após cinco meses de tratamento verificou-se regressão completa das adenopatias. Suspendeu anti-coagulação assim que foram excluídos TEP e hipertensão pulmonar crónicos. Manteve vigilância durante quatro anos após o evento trombótico, não apresentando recidiva da tuberculose, da neoplasia ou do TEV.
Discussão:
A Tuberculose (TB) é uma doença infeciosa cuja incidência está em declínio a nível mundial desde 2002. Portugal é o único país da Europa Ocidental com 21 novos casos por cada 100.000 habitantes (2011)4. A Tuberculose ganglionar é a forma extra-pulmonar mais comum, correspondendo a 20 - 40% dos casos5, e a localização cervical a mais frequente6.
As complicações vasculares associadas à TB correspondem a 1,5 - 3,4% dos casos e o TEV é considerado uma complicação rara, com uma incidência de 0,7 - 2,7%7. A TB pode causar trombose através de vários mecanismos, nomeadamente por invasão local, compressão venosa ou por indução de um estado transitório de hipercoaguabilidade por alterações inflamatórias sistémicas e hemostáticas8.
No caso apresentado, o mecanismo de trombose parece estar relacionado com o estado de hipercoaguabilidade, uma vez que não houve evidência de invasão local ou de compressão venosa. Os estudos que relacionam a associação do TEV com o estado de hipercoaguabilidade associado à TB são escassos, mas existem casos descritos7,8. O TEV pode surgir em qualquer fase da doença, sendo mais frequente após o início do tratamento e raramente é a forma de apresentação8.
Habitualmente a TG manifesta-se como linfadenopatia crónica indolor, podendo desenvolver sinais inflamatórios locais, abcessos, fístulas ou invadir as estruturas contíguas9 e estar associada a sintomas sistémicos5,9. Os diagnósticos diferenciais, considerados neste caso, incluem Hiperplasia reativa, Linfoma, Sarcoidose, Neoplasia metastizada, Linfadenopatia generalizada do VIH, Sarcoma de Kaposi e linfadenite por outros microrganismos9.
As alterações analíticas e imagiológicas são, habitualmente, inespecíficas. A CBA é o método preferencialmente utilizado em doentes imunocompetentes, com elevada sensibilidade e especificidade5. A histopatologia de linfadenite tuberculosa é sugerida pela presença de granulomas caseosos com ou sem necrose6, mas o diagnóstico definitivo requer a identificação do Mycobacterium tuberculosis. Contudo, nem sempre é possível6, tal como no caso apresentado, pois as lesões são paucibacilares e a PCR tem elevada variabilidade e baixa sensibilidade (32 - 92%)9.
No caso apresentado, a hipótese de metastização secundária da neoplasia da mama foi colocada, inicialmente, como a causa mais provável subjacente ao TEP. De facto, as adenopatias supraclaviculares estão associadas a um risco de malignidade em 34 - 50%10 e o cancro é um fator reconhecidamente associado a TEV, sendo que 15% dos doentes com cancro têm episódio de TEV11. Após ter sido excluída esta hipótese, estabeleceu-se o diagnóstico provável de TEV associado à TG, com base na apresentação clínica, história de contacto prévio com um doente com TB, exclusão de outros diagnósticos diferenciais, citologia sugestiva e positividade das provas de Mantoux e IGRA, sendo corroborado à posteriori pela resposta favorável à terapêutica antibacilar.
O tratamento da TG tem duração mínima de seis meses12 que, no caso descrito, foi prolongado para nove meses. A taxa de cura é 95 - 99%5, mas a associação com TEV aumenta o risco de mortalidade e é um fator de mau prognóstico associada ao TEV8.
Num episódio de tromboembolismo pulmonar, a investigação de fatores de risco para TEV é fundamental. O leque das doenças associadas à hipercoaguabilidade é vasto e as menos comuns, como a tuberculose, devem ser consideradas. Apesar de ser uma complicação rara, o TEV associado à Tuberculose tem um elevado risco de mortalidade, sendo o seu diagnóstico e tratamento fundamental para o prognóstico do doente.
BIBLIOGRAFIA
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