Introdução
O tumor fibroso solitário da pleura é uma neoplasia rara de origem pleural, que foi durante anos alvo de controvérsia, em termos taxonómicos. Desde que foi identificado por Klemperer e Rabin, em 1931, esta lesão tumoral passou pelas designações de mesotelioma localizado , tumor fibroso localizado, mesotelioma fibroso e fibroma pleural, até que os modernos estudos histoquímicos permitiram determinar a sua origem mesenquimatosa, distinguindo-a claramente do mesotelioma, e fixando definitivamente a nomenclatura atual ( 1, 2 , 3 ,4 ).Apesar de apresentar um comportamento benigno em cerca de 80% dos casos, ( 5 ) estes tumores cursam frequentemente com sintomatologia de tipo paraneoplásico ( 2 ) , que associada à morfologia radiológica,tende a sugerir outro tipo de diagnósticos, nomeadamente doença linfoproliferativa.
Caso clínico
Doente sexo masculino, 32 anos, sem antecedentes patológicos relevantes, enviado à consulta de Medicina por quadro de toracalgia esquerda de tipo pleurítico, sudorese noturna e perda ponderal de 6 Kg nos últimos 3 meses.Negava dispneia,tosse, febre, epigastrialgias, náuseas, vómitos ou alterações do trânsito intestinal.Nos antecedentes pessoais destacava-se hábitos tabágicos de 15 UMA, sem outros dados de relevo.Os antecedentes familiares eram igualmente irrelevantes.Objetivamente apresentava-se emagrecido, eupneico em repouso, apirético, sem cianose.À auscultação pulmonar havia diminuição do murmúrio vesicular e atrito pleural na base do hemotórax esquerdo, sem outras alterações.A auscultação cardíacanão evidenciava sopros , alterações do ritmo ou da frequência cardíaca.Sem organomegálias palpáveis.Sem edemas periféricos.Evidente hipocratismo digital dos dedos das mãos ( Figura 1).Laboratorialmente apresentava Hb 14.5g; Htcto 42.9%; VGM 87fl; Leucocitos 10.9 x10 ³/ µL; 64%N; 20.5% L. Plaquetas 250 x 10 ³/ µL; VS 17mm/1ªh. Glicémia 84 mg/dL; função hepática, renal e ionograma sem alterações . Marcadores tumorais ( CEA, CA19.9, NSE) negativos.A telerradiografia do tórax ( Figura 2) mostrava hipotransparência de limites superiores circunscritos, de dimensão considerável, ocupando o terço inferior do campo pulmonar esquerdo, adjacente ao diafragma, parede torácica e apéx cardíaco, sem derrame pleural associado.A TAC de tórax (Figura 3) identificou volumosa massa no terço inferior do hemitórax esquerdo, heterogénea, medindo cerca de 9 por 14 cm no plano axial, com bordos regulares e vascularização interna , em íntimo contacto com o ventrículo esquerdo adjacente, mas sem sinais sugestivos de invasão.A broncofibroscopia não mostrou alterações relevantes e o estudo da mecânica ventilatória encontrava-se dentro da normalidade. Na histologia de fragmento obtido por punção aspirativa transtorácica ecoguiada constatou-se a presença de neoplasia constituida por células fusiformes curtas, com citoplasma de limites mal definidos, núcleos regulares com cromatina homogénea e sem nucleolos. Observa-se uma figura de mitose atípica. No estudo imunocitoquímico verifica-se marcação difusa com o anticorpo CD34. Estes aspetos mostraram-se compatíveis com o diagnóstico de tumor fibroso solitário da pleura (Figura 4, Figura 5).Perante os dados histológicos , o doente foi proposto para cirurgia torácica, tendo-se abordado a lesão por toracotomia ao nível do 7º espaço intercostal esquerdo. Constatou-se volumosa lesão pleural com aderências inflamatórias ao diafgrama, pericárdio e pulmão, indentificando-se pedículo proveniente do diafragma . Macroscopicamente , a peça operatória, era constituida por um tumor capsulado com 1072 gramas , medindo 16x14x8,5 cm.A histologia identificou uma neoplasia mesenquimatosa moderadamente celular, constituida por células fusiformes sem atipia citológica relevante, com baixo índice mitótico e índice proliferativo (Ki67) de cerca 5-10%. O estudo imunohistoquimico demostrou positividade para CD34 e Bcl-2.Não se evidenciou invasão capsular, e as margens cirúrgicas estavam livres de tecido neoplásico, considerando-se ter havido excisão completa. Admitiu-se o diagnóstico de tumor fibroso solitário benigno da pleura.O pós operatório decorreu sem complicações. No folow-up em consulta de Pneumologia, 9 meses após cirurgia, o doente encontrava-se assintomático, tendo havido recuperação ponderal decerca de 8kg no período pós cirúrgico. A TAC de reavaliação não mostrou recidiva da doença.
Discussão.
O tumor fibroso solitário da pleura representa cercade 5% de todos as lesões tumorais originadas na pleura , com uma incidência estimada de 2.8 casos /100.000 pessoas /ano (6, 7) . Desde a primeira descrição , em 1931, até à atualidade terão sido referenciados na literatura internacional cerca de 1000 casos(6).A incidência por género é equitativa , e a distribuição etária apresenta um pico entre as 6ª e 7ª décadas de vida. Não se conhece correlação etiológica com a exposição a asbestos ou com o tabagismo (7, 8) .Cerca de 80 % destes tumores implantam-se na folheto visceral da pleura, tendo origem na membrana submesotelial (4,5,7). Apresentam-se , em regra, sob a forma de massa arredondada bem individualizada, de média a grande dimensão ,podendo apresentar implantação pediculada . Os tumores pediculados , ao contrário dos sésseis , tendem a assumir um comportamento biológico mais benigno ( 4 ,9) .A sintomatologia está dependente das dimensões do tumor , do seu comportamento biológico, e também da sua capacidade de induzir sintomas de tipo paraneoplásico, mesmo quando histologicamente benigno (9).O crescimento tumoral é habitualmente lento, podendo permanecer assintomático durante um longo períodode tempo, constituindo frequentemente um achado radiológico (4 , 9) . As manifestações clinicas são predominantemente de caratrer mecânico, em relação com a compressão de estruturas adjacentes, e proporcionais às dimensões do tumor que pode atingir 30 cm de diâmetro (7,10). Como queixas mais frequentes regista-se toracalgia, tosse e dispneia, podendo ainda ocasionalmente surgir hemoptise e derrame pleural (2,9) . Sintomatologia sistémica como febre,astenia, emagrecimento e sudação noturna são também frequentemente referidas (2,9).O tumor fibroso solitário da pleura, mesmo na sua expressão benigna, acompanha-se frequentemente de manifestações de tipo paraneoplásico. A osteoartropatia hipertrófica, constatada no caso em análise, ocorre em cerca de 20% dos casos (2, 5, 8), e cerca de 5% dos tumores podem cursar com episódios de hipoglicémia persistente , por produção ectópica do fator de crescimento insulina-like tipo II pelo tecido tumoral ( síndrome de Doege-Potter ). Sinais e sintomas mais raros , como ginecomastia ou galactorreia (2), estão também descritos. Estas manifestações extra tumorais estão mais frequentemente associados a lesões de grande volume (2, 7 ) e tendem para a resolução após excisão do tumor (2 ,7,11).As formas malignas de tumor fibroso solitário da pleura constituem cerca de 20% dos casos. A malignidade está mais frequentemente associada aos tumores sésseis, implantados na pleura parietal, mediastínica ou diafragmática e com dimensões superiores a 10 centímetros (10).Constituem critérios de malignidade a não clara individualização tumoral , a infiltração dos tecidos adjacentes, a elevada atividade mitótica, o pleomorfismo nuclear e a presença de necrose. A negatividade imunohistoquímica para CD34 é também considerada fator preditivo de malignidade ( 3, 6 ,12 ). Contudo, o comportamento biológico destes tumores nem sempre apresenta uma correlação clara com a histologia respetiva (7), podendo alguns casos que se apresentam com cararterísticas morfológicas e histologicas de begnidade evoluir com comportamento invasivo ( 1, 5).A excisão cirúrgica completa , com ampla margem de segurança , constitui a terapêutica eletiva com elevado nível de sucesso nas situações benignas( 1, 7 ) . As recorrências após cirurgia de resseção completa são de baixa incidência nos tumores benignos , e quando ocorrem devem-se a deficiente exérese cirúrgica ou a erro de caraterização inicial ( 12). O prognóstico das apresentações malignas é menos favorável , havendo risco de recorrência, invasão loco-regional ou metastização (5, 12). O papel da terapêutica coadjuvante nestes casos é incerto, não havendo protocolos estandardizados, tanto para quimioterapia como para radioterapia (4, 12) . Vários autores sugerem, contudo , a sua utilização em situações de irressecabilidade ou de metastização (8,9 ) .No caso apresentado, as caraterísticas morfológicas ( tumor pediculado e bem individualizado) , histológicas e imunohistoquímicas, com marcação positiva para CD34, são a favor de uma lesão benigna, apesar do volume tumoral e da sua implantação na pleura diafragmática. Todavia, a idade precoce de diagnóstico e o conhecido comportamento irregular deste tipo de tumores impõem um follow-up apertado no sentido de prevenir eventual evolução desfavorável.
Figura I

Hipocratismo digital
Figura II

Teleradiografia do Torax - hipotransparência de limites superiores circunscritos, ocupando o terço inferior do campo pulmonar esquerdo.
Figura III

TAC tórax - volumosa massa no terço inferior do hemitórax esquerdo, heterogénea, com vascularização interna, medindo cerca de 9 por 14 cm no plano axial.
Figura IV

Coloração Hematoxilina - Eosina - células fusiformes curtas com citoplasma de limites mal definidos, núcleos regulares com cromatina homogénea e sem nucleolos. Observa-se uma figura de mitose atípica.
Figura V

Marcação Imunohistoquimica para CD43
BIBLIOGRAFIA
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