Na abordagem de um doente com febre prolongada 3 grandes grupos etiológicos têm que ser tomados em consideração: infecioso, neoplásico e auto-imune.(1) O enfarte hepático, uma entidade rara, é caracterizado por uma lesão isquémica local, sendo que o lobo direito é o mais frequentemente afetado.(2, 3) A febre isolada poderá ser a sua única forma de apresentação. Outros sintomas possíveis são a dor abdominal, náuseas, vómitos ou icterícia. Apresenta-se o caso de um homem de 68 anos, hipertenso e dislipidémico, medicado com AAS, pravastatina e losartan há >1 ano, que recorreu ao SU por febre (máx. 39ºC), que cedia ao paracetamol, sem padrão definido, com 15 dias de evolução e sem outras queixas associadas. O doente negava contato com animais, viagens recentes e referia beber leite pasteurizado. Ao exame físico apresentava dor à palpação profunda do QSD do abdómen. Apresentava leucocitose, FA 127 UI/L, GGT 90.6 UI/L, ALT 47 UI/L, AST 44 UI/L e PCR 17 mg/dL, VS 14 mm, Reação de wright e weil-Felix negativas. A ecografia abdominal demonstrou heterogenicidade do parênquima na periferia do lobo direito do fígado sugerindo etiologia infeciosa/inflamatória ou outra. Ficou internado cumprindo antibioterapia empírica com Meropenem e Azitromicina, ficando apirético ao 1º dia de internamento. Na TAC-abdominal apresentava lesão triangular periférica, no lobo direito, sugerindo natureza vascular, compatível com enfarte (Fig I). Realizou estudo complementar com autoimunidade, Imunoglobulinas, coagulação (deficiência proteína C, S ou antitrombina e anticoagulante lúpico), marcadores tumorais, serologias víricas e infeciosas, hemoculturas e urocultura negativo. Fez Ecocardiograma TT sem alterações de relevo. Houve melhoria progressiva da clínica sem terapêutica específica, pelo que se optou por uma abordagem conservadora, sendo que a possibilidade de vasculite sistémica seria pouco provável. O doente mantém vigilância apertada em consulta verificando-se resolução completa da lesão na ecografia abdominal de controlo (Fig II). Com este caso clínico pretende-se alertar para a possibilidade de estarmos perante um enfarte hepático aquando do estudo de um doente com Síndrome Febril Indeterminado e da necessidade de excluir causas subjacentes importantes, como sendo estados de hipercoagulabilidade, neoplasias ou mesmo endocardite infeciosa.(4)
Figura I

Tac-abdominal: Área de enfarte hepático, no lobo direito
Figura II

Ecografia abdominal: Fígado de dimensões normais e contornos regulares, com ecoestrutura normal
BIBLIOGRAFIA
1. Galanakis E, Andronikou S, Lapatsanis PD. Fever of unknown origin. Lancet. 1997;350(9088):1401-2. Epub 1997/11/20.
2. Holbert BL, Baron RL, Dodd GD, 3rd. Hepatic infarction caused by arterial insufficiency: spectrum and evolution of CT findings. AJR American journal of roentgenology. 1996;166(4):815-20. Epub 1996/04/01.
3. Adler DD, Glazer GM, Silver TM. Computed tomography of liver infarction. AJR American journal of roentgenology. 1984;142(2):315-8. Epub 1984/02/01.
4. Almouradi T, Co P, Riles W, Attar B. Isolated hepatic artery thrombosis leading to multiple liver infarcts in a non-transplant patient. The American journal of case reports. 2014;15:382-7. Epub 2014/09/15.