Introdução
A Diabetes Mellitus (DM) constitui um grupo de doenças metabólicas caracterizadas por hiperglicemia, que tem por base uma deficiência absoluta ou relativa da insulina, uma ação ineficaz a nível dos tecidos ou de ambas.1,2 A hiperglicemia crónica associa-se a disfunção a longo prazo de múltiplos órgãos (olhos, rins, nervos, coração e vasos sanguíneos).1,2
Raramente, a DM pode ser secundária a endocrinopatias. Várias hormonas como a somatotrofina (ST), cortisol, glucagon, adrenalina antagonizam a ação da insulina e a sua hiperprodução (respetivamente, acromegalia, síndrome de Cushing, glucagonoma, feocromocitoma) pode causar diabetes.1
A Acromegalia resulta da hipersecreção da ST, com manifestações sistémicas.3 A incidência anual é 6/milhão, sendo a idade média do diagnóstico entre os 40-45 anos.3 O começo desta patologia é insidioso e a sua progressão é, normalmente, muito lenta.3 A média entre o início dos sintomas até ao diagnóstico é de cerca de 12 anos, sendo a determinação do início exato dos sintomas muito difícil.3
Caso Clínico
Mulher, de 49 anos de idade, pós-menopáusica, doméstica, com antecedentes de DM diagnosticada há 2 anos. Sob terapêutica tripla, com metformina+vildagliptina 1000+50 mg 2id, metformina 1000 mg id e gliclazida 60 mg id. Referenciada à Consulta Externa (CE) por mau controlo metabólico, após a introdução de insulina basal glargina 26 unidades/dia, com pesquisa de glicemias ocasionais >300 mg/dL e hemoglobina glicada (HbA1c) 12,3%.
Na primeira avaliação verificou-se a presença de fácies grosseira (alargamento dos ossos do nariz e da região frontal), prognatismo e alargamento dos dedos das mãos. (Fig I, II e III)
Quando questionada referia queixas de cefaleias holocranianas frequentes, de intensidade moderada-intensa, que não cediam com a analgesia; aumento das extremidades (mãos e pés), com necessidade de alargar os anéis e aumentar o tamanho dos sapatos e antecedentes de cirurgia por síndrome do túnel cárpico (STC). Negava alterações do sono, patologia digestiva ou tiroideia conhecidas.
Do estudo analítico salienta-se: hemograma normal (hemoglobina 13 g/dL, leucócitos 4500/µL, plaquetas 217000/µL), glicose 210 mg/dL, HbA1c 10,8%, função renal, hepática e ionograma sem alterações, colesterol total 223mg/dL, colesterol LDL 133mg/dL, colesterol HDL 73mg/dL, triglicerídeos 84mg/dL e microalbumina urinária 2 mg/L. O estudo endócrino revelou: função tiroideia normal (hormona estimulante da tiróide 0,93 uUI/mL [N:0,34-5,6]; T4 Livre 0,73 ng/dL [N:0,61-1,12]), setor gonadal normal (hormona folículo-estimulante 46 mUI/mL [N:16,7-113,6], hormona luteinizante 21,5 mUI/mL [N:10,9-58,6] e estradiol 25 pg/mL [N:<40]), sector corticosuprarrenal normal (hormona adrenocorticotrofina (ACTH) 18 pg/mL [N:9-52] e cortisol plasmático (às 8h da manhã) 13,8 ug/dL [N:5-23]), com aumento de ST, fator de crescimento semelhante a insulina 1 (IGF-1) e prolactina, com valores de 17,6 ng/mL [N:0,06-10], 732 ng/mL [N:103-310] e 54,4 ng/mL [N:2,7-19,6 pós-menopausa], respetivamente.
Após o doseamento do IGF-1, o teste bioquímico confirmatório da acromegalia é a prova de tolerância oral à glicose (PTGO) com doseamento da ST. No entanto, na presença de uma DM este exame não está indicado. Deste modo, usou-se como critérios o valor do IGF-1, os doseamentos seriados de ST (17,6 ng/mL e 15,2 ng/mL) e a elevada suspeição clínica.
Realizou ressonância magnética (RM) da hipófise que documentou volumosa lesão expansiva selar e supra-selar, com cerca de 24x15,5mm, condicionando alargamento dos limites da sela turca, discretamente lateralizada para a esquerda, desvio-retração para a direita da haste hipofisária, sugestiva de macroadenoma hipofisário. (Fig. IV e V)
Observada por Oftalmologia, cuja campimetria revelou quadrantanópsia do campo visual súpero-lateral direito. Eletrocardiograma e ecocardiograma normais. Colonoscopia sem alterações.
Admitida DM secundária a Acromegalia, cujo valor elevado da prolactina foi interpretado em provável contexto de síndrome da haste hipofisária. Referenciada à consulta de Neurocirurgia noutra instituição, sendo submetida a cirurgia transesfenoidal. O exame histológico da peça operatória mostrava aspetos morfológicos consistentes com adenoma hipofisário e no estudo imunocitoquímico observava-se imunorreatividade (positividade difusa) para prolactina e ST e negatividade para ACTH.
Efetuado controlo analítico e imagiológico 12 semanas após a cirurgia, constatando-se IGF-1 elevado (993 ng/mL) e macroadenoma hipofisário residual.
Após avaliação em Consulta de Grupo noutra instituição, devido ao baixo contexto socioeconómico da doente, previsibilidade de resposta em 30% dos doentes e comodidade posológica, optou-se por prova terapêutica com cabergolina, com resposta bioquímica favorável, motivo pelo qual se manteve a mesma. Atualmente apresenta doença controlada (ST 0,303 ng/mL e IGF-1 257 ng/mL) sob terapêutica com cabergolina 1,25 mg/semana e melhoria substancial do controlo metabólico, com suspensão da insulina. Submetida a PTGO que revelou hiperglicemia intermédia.
Discussão / Conclusão
No momento do diagnóstico, cerca de 75% dos doentes apresenta macroadenomas (tumor com diâmetro ≥10mm), podendo estender-se para as regiões para-selares e supra-selares, causando efeitos expansivos sobre as estruturas adjacentes, nomeadamente o quiasma ótico: cefaleias (60%) e perda da acuidade visual ou dos campos visuais (10%).3,4
Virtualmente todos os pacientes com acromegalia apresentam hipercrescimento do tecido conjuntivo, espessamento cutâneo, aumento das extremidades e fácies grosseira.3,4 As características clínicas da acromegalia são atribuídas à hipersecreção da ST e IGF-1, que produzem efeitos somáticos e metabólicos.3,4
A acromegalia pode atingir uma variedade de órgãos e sistemas (neurológico, osteoarticular, cardiovascular, respiratório, endócrino e intestinal). 64% dos doentes desenvolvem STC por edema do nervo mediano.5 A síndrome de apneia do sono (SAS) ocorre em 70% dos doentes, por obstrução da espessura da laringe e macroglossia.5 Pode ocorrer insulinorresistência, com tolerância diminuída à glicose e DM (15-38%).5,6 Pode desenvolver-se hipertensão (33-46%), cardiomiopatia com disfunção diastólica ou insuficiência sistólica, inicialmente com o esforço e posteriormente em repouso, valvulopatias (insuficiência aórtica e mitral), arritmias (40%) (fibrilação auricular, taquicardia supraventricular e bloqueios de ramo).5,6 Esta patologia associa-se a um aumento do risco neoplásico, particularmente, do cólon (19,3% em doentes <40 anos).5,6 O momento exato para se requisitar uma colonoscopia é controverso, contudo, deve ser realizada aquando do diagnóstico.6 O risco de neoplasia tiroideia justifica vigilância periódica.6
Para rastreio de acromegalia, o melhor exame complementar é o doseamento plasmático do IGF-1.4,7 Se este estiver moderadamente elevado, o diagnóstico pode ser confirmado pelo doseamento da ST após a realização da PTGO.4,7 A impossibilidade de suprimir a ST para níveis <1 ng/mL confirma o diagnóstico.4,7 Nos doentes com suspeita de acromegalia e DM descompensada, a PTGO não é um teste confiável e os níveis de IGF-1 devem ser reavaliados quando houver controlo glicémico.7 Podem ocorrer falsos positivos na PTGO se doentes com DM, doença hepática, doença renal ou anorexia.5 O passo seguinte consiste na realização da RM hipofisária.4,7
O diagnóstico da acromegalia é bioquímico, não sendo necessário a presença de manifestações fenotípicas ou a presença de tumor hipofisário na RM para se estabelecer o diagnóstico.7 Deve considerar-se o doseamento do IGF-1 em doentes sem as características típicas de acromegalia, mas que apresentem várias das patologias associadas: SAS, DM tipo 2, artrite debilitante, STC, hiperidrose e hipertensão.6
Os objetivos terapêuticos consistem no controlo da atividade bioquímica e do tamanho do tumor, prevenção de efeito de massa, redução dos sinais e sintomas da doença, prevenção ou melhoria das comorbilidades médicas e prevenção da mortalidade precoce.5
O tratamento preferencial consiste na cirurgia transesfenoidal, com uma taxa de remissão inicial >85% nos microadenomas e 40-50% nos macroadenomas.6 Na persistência da doença após cirurgia, uma nova cirurgia pode ser útil se o tumor estiver acessível (sem invasão do seio cavernoso).6 No entanto, uma resseção completa nem sempre é viável, sendo necessário terapêutica médica adjuvante.5
A terapêutica médica pode ser considerada como terapêutica de primeira linha em doentes com risco cirúrgico muito elevado, em tumores com envolvimento extrasselar (sem compressão do quiasma ótico), reduzida probabilidade de cura com a cirurgia e doentes que recusam tratamento cirúrgico.5 Em doentes com doença significativa (sinais e sintomas moderados-severos da hipersecreção de ST e sem efeito de massa), os análogos de somatostatina (AS) (octreotido e lanreotido) são a terapêutica de escolha, com normalização bioquímica em 40% dos doentes.6,8 Recentemente, foi aprovado um novo AS – pasireotide, usado em doentes sem indicação cirúrgica ou que não se encontram controlados com os AS de 1ª linha.8,9 Em doentes com modestas elevações do IGF-1, sinais e sintomas leves da hipersecreção de ST, não candidatos a cirurgia ou que recusam injeções mensais de AS, os agonistas dopaminérgicos (cabergolina e bromocriptina) são a terapêutica médica adjuvante de escolha, obtendo-se resposta bioquímica favorável em 30% dos doentes.6,9 A dose inicial de carbegolina deve ser 0,5 mg/semana ou 0,25 mg 2 tomas/semana, podendo ser aumentada para 1 mg/semana, via oral.9 Pode ainda ser utilizado um antagonista do recetor da ST, pegvisomant, que compete com a ST endógena pela ligação do recetor e bloqueia a produção periférica do IGF-1.6 A radioterapia é utilizada quando persiste massa tumoral residual após a cirurgia, se a terapêutica médica não estiver disponível, não for bem sucedida ou não for tolerada.6
A mortalidade e morbilidade associadas à acromegalia resultam da compressão tumoral, hipersecreção de ST e IGF-1 e dos efeitos secundários do tratamento.6 Associa-se a um risco de morte 2-2,5 vezes superior, devido à presença de DM, hipertensão, doença cardiovascular e cerebrovascular, patologia respiratória e neoplasias associadas.5,6
É fundamental um diagnóstico e intervenção terapêutica atempados, de modo a minimizar as devastadoras consequências desta endocrinopatia.
Com este artigo, os autores pretendem alertar para a importância da suspeição clínica e avaliação global do doente, mesmo perante uma patologia tão frequente como a diabetes.
Figura I

Face - fácies grosseira
Figura II

Perfil - fácies grosseira
Figura III

Alargamento acral e edema dos tecidos moles
Figura IV

RM da hipófise em T1 (perfil) - macroadenoma hipofisário
Figura V

RM da hipófise em T1 (face) - macroadenoma hipofisário
BIBLIOGRAFIA
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Conflito de interesses
Os autores não apresentam conflitos de interesses a declarar.