Introdução:
O Mycoplasma pneumoniae é um microorganismo que causa infeção em humanos, provocando mais frequentemente infeção respiratória superior, sendo a pneumonia menos frequente (3 a 10%).1,2 Contudo é uma das causas mais comuns de pneumonia atípica.1
No geral as infeções são assintomáticas, mas podem manifestar-se na fase inicial por cefaleias, febre baixa e mal estar geral.3
As manifestações extrapulmonares podem ser observadas em 24% dos casos, ocorrendo mais frequentemente ao nível da pele e sistema nervoso central (SNC), sendo as manifestações cardiovasculares, gastrointestinais, renais, musculoesqueléticas e hematológicas menos frequentes. 4,5,6,7
No que diz respeito às manifestações hematológicas, estas incluem anemia hemolítica, trombocitopenia, púrpura trombocitopénica trombótica e hemofagocitose.3,5
De acordo com a literatura, a anemia hemolítica severa por crioaglutininas é rara estando geralmente associada a envolvimento pulmonar marcado. 3,8
O mecanismo pelo qual as complicações extra-pulmonares ocorrem, não é inteiramente conhecido, mas pensa-se que poderá dever-se a reação autoimune ou invasão direta pelo microorganismo. 2,4,6
Na maior parte dos casos a doença é autolimitada, mas casos fulminantes podem ocorrer.5
Caso clínico:
Homem de 46 anos, com antecedentes de poliomielite com parésia do membro inferior direito, hábitos tabágicos (36 unidades maço ano) e alcoólicos marcados (125 g/dia), que refere quadro de tosse com expetoração mucopurulenta, dispneia para pequenos esforços, pieira, febre e hipersudorese associadas a sintomas constitucionais. Previamente medicado com amoxicilina e ácido clavulânico 875/125 mg 1 comprimido de 12/12h, sem melhoria.
Objetivamente, doente calmo, vígil, colaborante, pálido com escleróticas ictéricas, apirético (Temperatura timpânica= 36ºC), hemodinamicamente bem com TA = 120/65 mmHg, sem sinais de má perfusão, polipneico com frequência respiratória de 24 cpm, saturações de oxigénio em ar 89%. Auscultação pulmonar com crepitações ½ inferior do hemitórax esquerdo. Sem outras alterações ao exame objetivo.
Analiticamente: Hemoglobina (Hb): 5g/dL, índice de produção de reticulócitos aumentado, 585000 plaquetas/µL, haptoglobina <10 mg/dL, desidrogenase láctica: 587 U/L, Bilirrubina total/ directa:3,13/1,37 mg/dL, CK:210 U/L, leucócitos: 19730/µL com 74% neutrófilos, proteína C reactiva:16,9 mg/dL; Esfregaço sangue periférico: “Aglutinação eritrocitária. Anisocitose com macrocitose. Anisocromia. Policromatofilia, neutrófilos hipersegmentados”. Teste coombs direto positivo, com presença de eritrócitos sensibilizados com C3d, com presença de aglutininas frias fortemente reativas com grande amplitude térmica. Sedimento urinário: com urobilinogénio. Radiografia tórax: infiltrado no 1/3 médio do hemitórax esquerdo.(Figura 1)
TC tórax: “Parênquima pulmonar com uma área de consolidação parenquimatosa no segmento ápico-posterior do lobo superior esquerdo, limitado pela respetiva cisura com alguns broncogramas aéreos no seu seio e mesmo com uma outra pequena área cavitada podendo ter conotação infecciosa. Observa-se ainda a presença de algumas nodularidades de tipo ´´Tree-in-bud´ em ambos os lobos superiores assim como no lobo inferior esquerdo traduzindo pneumopatia das pequenas vias aéreas. Observa-se ainda uma banda fibroatelectásica no nível do lobo inferior direito. Sem adenopatias ou massas mediastínicas. Sem outras alterações.” (Figura 2)
Foi excluída doença linfoproliferativa. Hemoculturas foram negativas. Bacteriológico e micobacteriológico de expectoração negativos. Serologia VIH 1 e 2, VHB e VHC negativas. Serologia EBV e CMV negativas. Serologia do Mycoplasma pneumoniae imunoglobulina (Ig) M e G positivas.
Iniciou antibioterapia com claritromicina 500 mg de 12/12h que manteve 10 dias.
Durante o internamento por agravamento da anemia (Hb 3,9g/dL) e da hemólise fez uma sessão de plasmaférese, iniciou corticoterapia (hidrocortisona 50 mg e.v. de 6/6h) e aquecimento físico. Posteriormente houve melhoria clínica progressiva, com resolução da hemólise. À data de alta com Hb de 12,6 g/dL.
Foi orientado para consulta de hematologia clínica. Na reavaliação doente assintomático, tendo repetido estudo analitico que revelou Hb: 15,4 g/dL, marcadores de hemólise negativos, crioglobulinas negativas e serologia do Mycoplasma pneumoniae IgM negativa e IgG positiva (154).
Discussão:
Uma vez que a maioria das infeções por Mycoplasma são assintomáticas, este caso é relevante por se inserir na pequena percentagem de doentes com manifestações respiratórias e extra pulmonares, nomeadamente anemia hemolítica com crioaglutininas, sendo esta geralmente transitória. 5,9
A AH autoimune resulta de reação cruzada entre os antigénios (Ag) do Mycoplasma e os Ag humanos promovendo a produção de auto-anticorpos, que geralmente aparece durante a 2ª e 3ª semanas após início da febre. 5 Estes auto-anticorpos são Ac (IgM) contra o Ag I da membrana dos eritrócitos e aparecem durante a infeção por M. pneumoniae produzindo uma aglutinação a frio como resposta. 2,3, 5,10
No que diz respeito ao diagnóstico, a sensibilidade da serologia do Mycoplasma depende da data de aparecimento dos sintomas e da disponibilidade de Ig G seriadas.5
A Ig M geralmente só aparece 7 dias após inico da infeção e atinge o valor máximo 3 a 6 semanas após. Relativamente à Ig G um aumento significativo dos níveis (4x) ocorre 2 a 3 semanas após inicio da infeção e também traduz infeção recente. 5
A presença de falsos positivos para IgM, podem ocorrer em infecções por vírus de Epstein Barr, Citomegalovirus e Coronavirus.5
Também se podem observar valores intermédios de IgG e IgM em casos de Sarampo, Virus respiratorio sincicial, Virus Varicela zoster e Chlamidea pneumoniae.5
Assim, o diagnóstico diferencial faz-se com linfomas, infecções pelo vírus de Epstein Barr, citomegalovirus, Influenza, Varicella, e por bactérias como Legionella e Citrobacter.5,9
A anemia hemolítica associada ao M. pneumoniae é geralmente autolimitada e resolve espontaneamente, contudo o tratamento da infeção subjacente associa-se a uma rápida recuperação da doença hemolítica. 1,2,6,7
Por vezes é necessário suporte transfusional. 1 Nestes casos a transfusão de eritrócitos pode potenciar a hemólise e o seu uso deve ser limitado, contudo é fundamental em situações de anemia severa com compromisso cardiovascular, devendo ser utilizado sangue aquecido a 37ºC e efetuado aquecimento corporal aos doentes. 1,2,5,6
O prognóstico geralmente é benigno e a hemólise reverte ao fim de 4 a 6 semanas.5
Figura I

Legenda: Hipotransparência heterogénea na porção inferior do lobo superior e porção superior do lobo inferior esquerdo
Figura II

Área de consolidação parenquimatosa no segmento ápico-posterior do lobo superior esquerdo, limitado pela respetiva cisura com broncograma aéreo no seu interior e uma outra pequena área cavitada
BIBLIOGRAFIA
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