Os autores descrevem o caso de uma mulher de 47 anos, com antecedentes de hipertensão arterial e dislipidemia, medicada e controlada, internada por hemiparesia esquerda, tendo a Tomografia Computorizada Crânio-Encefálica revelado Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquémico occipital à direita. O ecocardiograma revelou massas sésseis, pouco móveis, de densidade homogénea e contornos irregulares apensas ao terço distal, face auricular, dos folhetos da válvula mitral (Fig. 1A e B; Fig. 2C); estudo analítico com anticorpos antinucleares (título 1:320) e anticoagulante lúpico positivo, e anticorpos anticardiolipina e hemoculturas seriadas negativas. A doente não apresentava clínica de endocardite ou de outra doença sistémica, nem elevação dos parâmetros inflamatórios. Admitiu-se o diagnóstico de Endocardite trombótica não bacteriana (ETNB), tendo sido iniciada terapêutica anticoagulante com regressão das vegetações (Fig. 2D) e sem recorrência de eventos tromboembólicos até à data. Na alta a doente não apresentava déficits neurológicos. Às 12 semanas o anticoagulante lúpico foi positivo.
A ETNB é uma entidade incomum e subdiagnosticada que consiste na presença de vegetações estéreis nos aparelhos valvulares cardíacos, e que na maior parte dos casos se associa à presença de neoplasias ou doenças auto‐imunes, nomeadamente lúpus eritematoso sistémico e síndrome antifosfolipídico (SAF), podendo constituir a forma de apresentação inicial destas patologias. Apesar de tipicamente assintomática, as manifestações clínicas mais importantes da ETNB resultam da ocorrência de eventos tromboembólicos, disfunção valvular e risco de sobreinfecção bacteriana. O seu diagnóstico requer um elevado grau de suspeição, e a combinação de marcadores clínicos, laboratoriais e ecocardiográficos. A base do tratamento da ETNB é o uso de terapêutica anticoagulante e de terapêutica dirigida para a patologia subjacente.1-5
Salienta-se a importância do estudo etiológico exaustivo perante a ocorrência de AVC isquémico, particularmente na população jovem, de forma a um diagnóstico atempado, correcta abordagem e tratamento de condições subjacentes infrequentes como a ETNB associada ao SAF.
Figura I

Ecocardiograma transesofágico visualizando-se as massas sésseis, pouco móveis, homogéneas e irregulares, apensas ao terço distal, face auricular, dos folhetos da válvula mitral (A - setas verdes; B - dimensões).
Figura II

Ecocardiograma transtorácico bidimensional corte apical 4 câmaras visualizando-se as massas sésseis, pouco móveis, homogéneas e irregulares, apensas ao terço distal, face auricular, dos folhetos da válvula mitral (C - seta verde), e regressão das mesmas após anticoagulação (D - seta branca).
BIBLIOGRAFIA
1. Ferreira E, Bettencourt PM, Moura LM. Valvular lesions in patients with systemic lupus erythematosus and antiphospholipid syndrome: an old disease but a persistent challenge. Rev Port Cardiol. 2012 Apr;31(4):295-9.
2. Asopa S, Patel A, Khan OA, Sharma R, Ohri SK. Non-bacterial thrombotic endocarditis. Eur J Cardiothorac Surg. 2007 Nov;32(5):696-701.
3. Reisner SA, Brenner B, Haim N, Edoute Y, Markiewicz W. Echocardiography in nonbacterial thrombotic endocarditis: from autopsy to clinical entity. J Am Soc Echocardiogr. 2000 Sep;13(9):876-81.
4. Cervera R. Coronary and valvular syndromes and antiphospholipid antibodies. Thrombosis Research 2004;114:501-‐7.
5. Bauer KA. Nonbacterial thrombotic endocarditis. [consultado julho 2016] Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/nonbacterial-thrombotic-endocarditis