Introdução:
A hiponatrémia é o distúrbio hidroelectrolítico mais comum nos doentes hospitalizados com uma incidência que atinge os 30% 1e, conhecendo as numerosas complicações que dele advém, compreende-se a importância do seu estudo etiológico e tratamento, ainda que as terapêuticas de primeira linha se mostrem ineficazes. Neste artigo abordamos um caso clínico de síndrome de secreção inadequada de hormona antidiurética (SIADH) que representa uma das causas mais frequentes de hiponatrémia 2. No entanto, face a uma abordagem terapêutica limitada à restrição hídrica, dieta hipersalina e diuréticos de ansa, existe em casos refractários a necessidade de terapêuticas menos convencionais. Este caso vem evidenciar a multiplicidade de etiologias no caso da SIADH e corroborar a eficácia da fenitoína como terapêutica a longo prazo em casos específicos.
Caso Clínico:
Apresenta-se o caso de um homem de 48 anos, raça caucasiana, com antecedentes de etilismo crónico e história de traumatismo crânio-encefálico (TCE) recente, um mês antes da história da doença atual, com fractura do rochedo temporal direito. Aquando do TCE foi admitido num Serviço de Neurocirurgia, tendo sido adoptada terapêutica conservadora, mantendo-se internado durante 5 dias, com alta sem alterações clínicas ou analíticas sequelares. Um mês após o TCE, o doente é encaminhado ao Serviço de Urgência (SU) por crise convulsiva não presenciada e quadro confusional. Ao exame objectivo, o doente apresentava-se prostrado, reativo a estímulos verbais, desorientado e com períodos de agitação, sem sinais de depleção de volume. O restante exame físico e neurológico não revelou alterações relevantes. À admissão, o estudo analítico, revelou níveis séricos de sódio de 120 mEq/l e elevação de CK de 1985 U/L, sem outras alterações nomeadamente ao nível do hemograma, estudo da coagulação, função renal e hepática. Imagiologicamente a tomografia computorizada (TC) crânio-encefálica revelou contusão cerebral frontal esquerda em reabsorção, sem efeito de massa e fractura do rochedo temporal direito, sendo sobreponível a exame anterior, não se individualizando imagens hemorrágicas ou isquémicas agudas. Foram realizados, também em ambiente de SU, face aos antecedentes do doente e quadro à admissão, punção lombar e angio-TC, que não detectaram quaisquer alterações. O doente foi internado por hiponatrémia, síndrome confusional agudo, epilepsia no contexto traumático/etilismo crónico e rabdomiólise. Procedeu-se à abordagem diagnóstica inicial da hiponatrémia, num doente euvolémico de acordo com a Fig. 1 3.
O estudo revelou osmolaridade sérica de 256 mOsm/kg, osmolaridade urinária de 529 mOsm/kg e Na+ urinário de 424 mEq/L. Perante a exclusão de estímulos fisiológicos de secrecção de hormona antidiurética (ADH), hipotiroidismo e insuficiência supra-renal, admitiu-se o diagnóstico de SIADH. Em termos etiológicos assumiu-se, face à ausência de outras causa, uma origem neurológica, com produção eutópica de ADH, como complicação de uma fractura da base do crânio. A abordagem terapêutica inicial consistiu na restrição hídrica e dieta hipersalina, mantendo o doente quadro confusional e hiponatrémia refractários (níveis séricos de sódio de 118 mEq/l, osmolaridade sérica de 237 mOsm/kg, osmolaridade urinária de 512 mOsm/kg e Na+ urinário de 405 mEq/L). Face à etiologia da SIADH e à indisponibilidade de um armamentário farmacológico mais vasto, optou-se por uma abordagem terapêutica menos convencional. Admitindo um potencial papel terapêutico a longo prazo, iniciou-se um esquema terapêutico com fenitoína 300mg/total dia, conseguindo-se uma melhoria progressiva e mantida do quadro confusional e dos testes psicométricos, com atingimento de níveis normonatrémicos (Tabela 1). Dezanove dias após, o doente não evidenciava sinais clínicos ou sintomas de SIADH, não havendo registo de mais episódios de crises convulsivas.
Discussão:
Numerosas terapêuticas foram propostas na SIADH refractária à restrição hídrica e dieta hipersalina, destacando-se a demeclociclina, a ureia e, mais recentemente, os antagonistas dos receptores da hormona antidiurética (ADH) ou vasopressina (vaptanos) 2. No entanto, a sua disponibilidade é limitada pelo que em casos de falência da terapêutica inicial existe a necessidade de outras abordagens. Face a um armamentário terapêutico restrito houve a necessidade de terapêuticas menos convencionais.
Assim, e apesar, do uso da fenitoína já ter sido por algumas vezes abordado como terapêutica na SIADH, está longe de ser considerada uma terapêutica disseminada. No entanto, fazendo uma resenha histórica, podemos constatar que a fenitoína foi usada, por múltiplas vezes, em casos de SIADH, ora como teste diagnóstico, no diagnóstico etiológico da SIADH, permitindo a distinção entre produção eutópica ou ectópica 4, ora como abordagem terapêutica efetiva no controlo da hiponatrémia na SIADH 4-10. Contudo, os casos sobre a manutenção da eficácia terapêutica a longo prazo são ainda mais raros. Para além do número restrito, os casos de SIADH em que foi conseguido um controlo a longo prazo dos níveis normonatrémicos 8,9estão invariavelmente associados a fracturas da base do crânio. Debruçando-nos sobre a fisiopatologia nestes casos, considera-se haver uma libertação mantida de ADH, independente dos estímulos dos osmorreceptores (SIADH tipo C) 11,12, secundária a lesões centrais. Por sua vez, o mecanismo de ação da fenitoína, decorre da inibição da entrada de cálcio nas células da hipófise posterior, suprimindo, assim, a secreção da ADH nos casos de SIADH 4. No entanto, o efeito supressor da fenitoína na secreção de ADH é limitado ao período de subida dos seus níveis séricos, minimizando a sua eficácia a longo prazo. Contudo, face à existência de casos descritos de SIADH, na sequência de fracturas da base do crânio, em que é conseguido um controlo a longo prazo dos níveis normonatrémicos 8,9, colocou-se-nos a hipótese de que a fenítoina pudesse ter uma eficácia mais significativa.
Este caso vem evidenciar a multiplicidade de etiologias no caso da SIADH e corroborar a eficácia da fenitoína como terapêutica a longo prazo em casos específicos.
Quadro I
Evolução analítica ao longo do internamento
| Dia 1 | Dia 2 | Dia 5 | Dia 19 | Valores de referência |
| | | | | |
Sódio sérico (mEq/L) | 128 | 129 | 139 | 139 | 136 - 145 |
Sódio urinário (mEq) | 407 | 402 | 166 | 141 | 40 - 220 |
Osmolaridade sérica (mOsm/Kg) | 241 | 243 | 285 | 283 | 275 - 295 |
Osmolaridade urinária (mOsm/Kg) | 522 | 510 | 333 | 326 | 300 - 900 |
Evolução analítica do sódio e da osmolaridade no sangue e na urina, ao longo do internamento, após a introdução de fenitoína 300mg/dia.
Figura I

Abordagem diagnóstica da hiponatrémia. Adaptado de Warrel DA et al. Disorders of water and sodium homeostasis. Oxford Textbook of Medicine. 2010
BIBLIOGRAFIA
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