INTRODUÇÃO:
A hipertensão pulmonar (HP) é um estado hemodinâmico que pode ocorrer de forma isolada ou associada a diferentes entidades clínicas e que se caracteriza pela presença de uma pressão arterial pulmonar média (PAPm) igual ou superior a 25mmHg em repouso e avaliada por cateterismo cardíaco direito1,2,3. A sua prevalência estimada é de 97 casos/milhão de pessoas, com predomínio nas mulheres (1.8:1)1. A hipertensão arterial pulmonar idiopática (HAPi) caracteriza-se por HP com uma pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP) inferior ou igual a 15mmHg e resistências vasculares pulmonares (RVP) superiores a 3WU, na ausência de outras causas de HP1. A HAPi, um diagnóstico de exclusão, é uma doença rara, de etiologia desconhecida, com comportamento maligno e sobrevida curta, média de 2.8 anos se não tratada adequadamente2. Tem uma prevalência estimada de 5.9 casos/milhão de pessoas, sendo a maioria dos casos diagnosticada entre os 50 e os 60 anos1,4.
CASO CLÍNICO:
Um homem de 55 anos, com antecedentes pessoais de adenocarcinoma do cólon, tratado com hemicolectomia e em remissão clínica há 4 anos, columbófilo desde a juventude e sem história de consumo de drogas ou tóxicos, recorreu a consulta de especialidade por dispneia para médios esforços de aparecimento recente; na altura não apresentava ortopneia, DPN, tosse, pieira ou dor torácica. Por apresentar estudo positivo para precipitinas séricas para penas de pombos, e sem estudo funcional, imagiológico ou do pulmão profundo por lavagem bronchoalveolar que suportassem um diagnóstico de pneumonite de hipersensibilidade foi-lhe instituída terapêutica com broncodilatadores e prednisolona oral (1mg/kg/dia) e evicção do contacto com os pombos. Por roncopatia, realizou estudo do sono que mostrou índice de apneia/hipopneia 50/h, pelo que iniciou auto-CPAP domiciliário.
Apesar das medidas tomadas a evolução foi negativa com agravamento progressivo da dispneia de esforço pelo que 1 mês depois realiza ecocardiograma transtorácico (ETT) que mostrou dilatação das cavidades cardíacas direitas e hipertensão pulmonar severa, com PSAP estimada em 90mmHg. Os exames complementares realizados nessa altura revelaram: gasometria arterial sem insuficiência respiratória; radiografia de tórax com engurgitamento hilar bilateral, ICT > 0,5 e alargamento do bordo direito da silhueta cardíaca (figura 1); a TAC pulmonar com angiografia não revelou alterações parenquimatosas nem evidência de sinais de tromboembolismo pulmonar, confirmando sinais de hipertensão pulmonar e aumento das dimensões das câmaras cardíacas direitas; o ECG: ritmo sinusal, frequência cardíaca 70bpm; onda p pulmonar e bloqueio incompleto de ramo direito (figura 2). Foi mantida a terapêutica com broncodilatadores e auto-CPAP. Por agravamento da dispneia, agora com dispneia em repouso, e aparecimento de edema simétrico dos membros inferiores é hospitalizado. Ao exame objetivo, estava polipneico em repouso, com tiragem supra-clavicular e cianose labial. Encontrava-se hemodinamicamente estável, com taquicardia sinusal e a auscultação cardíaca e pulmonar não revelavam alterações, exceto uma acentuação do 2º som cardíaco no foco pulmonar. Apresentava edemas bimaleolares, bilaterais, hipocratismo digital. A gasometria, em ar ambiente, revelou uma insuficiência respiratória tipo 1 (ph de 7.52, pO2 de 55 mmHg, pCO2 de 26 mmHg, HCO3- de 22 mEq/l e Sat O2 91%) e a análise dos exames já efetuados (ECG, Radiografia de tórax, ETT e TAC torácico com angiogragia) confirmou a suspeita de hipertensão pulmonar como causa para o quadro clínico do doente. Foi complementado o estudo prévio com: estudo analítico (hemograma, bioquímica, função tiroideia, serologias víricas para o VIH, hepatite B e C e estudo imunológico -ANAs, Ac anti-centrómero, anti-RNP, anti-Scl70, FR-) que foi negativo, BNP que estava ligeiramente elevado (260UI/L); provas funcionais respiratórias revelaram curvas débito/volume normais e DLCO/VA reduzida (56%); cintigrafia pulmonar de ventilação-perfusão que não apresentava alterações da ventilação ou perfusão e ecografia abdominal que foi normal e sem evidência de hipertensão portal.
O cateterismo cardíaco direito (CCD) confirmou uma hipertensão pulmonar pré-capilar (PAPm de 45mmHg com PAOP de 11mmHg), com critérios de gravidade (pressão aurícula direita de 13mmHg e índice cardíaco de 1,26l/min/m2); as resistências vasculares pulmonares estavam elevadas (13.5UW) e o teste de vasoreatividade aguda pulmonar (TVR) foi negativo.
Confirmado o diagnóstico de HAPi foi proposto e aceito no Centro oficial de Tratamento da HP para a Região Norte.
Aí, assumido o diagnóstico de HAPi com TVR negativo e com critérios de gravidade (evolução clínica rapidamente progressiva, em classe funcional IV, incapaz de efetuar teste de marcha, com NT-proBNP elevado, pressão da aurícula direita elevada e índice cardíaco baixo). Iniciou terapêutica específica tripla com bosentano, sildenafilo e iloprost inalado.
Aos 3 meses de tratamento, apresentava franca melhoria clínica (Tabela 1). Aos 12 meses houve ligeiro agravamento clínico (classe funcional III, agravamento da insuficiência respiratória, diminuição da distância percorrida no teste de 6 minutos de marcha (T6MM), subida de NT-proBNP e persistência dos critérios hemodinâmicos de gravidade), pelo que iniciou epoprostenol endovenoso contínuo, com aumento progressivo da dose até aos 20ng/Kg/min, em substituição do iloprost inalado. Posteriormente e para melhorar a comodidade da terapêutica foram substituídos o bosentano e o sildenafilo por fármacos do mesmo grupo, macitentano e tadalafilo, respetivamente.
A evolução clínica tem sido favorável, apesar de intercorrência grave (abdómen agudo por oclusão intestinal por brida que obrigou a cirurgia de urgência), com melhoria progressiva de todos os marcadores de prognóstico da doença. À data da última avaliação (Julho de 2016), mantinha-se em classe funcional II, capaz de exercício físico de intensidade moderada (caminhada diária e praticando danças de salão), com um bom T6MM mas ainda com pro-BNP ligeiramente elevado, pelo que se encontra em ajuste progressivo da dose de epoprostenol (atualmente com 25ng/Kg/min). Mantém oxigenoterapia de longa duração.
DISCUSSÃO:
A HAPI é uma doença crónica, com comportamento maligno, caracterizada por uma remodelação progressiva da vasculatura pulmonar que conduz ao aumento da resistência vascular pulmonar, insuficiência cardíaca direita e morte.5 No entanto, apesar da ausência de cura, as terapêuticas atualmente disponíveis permitem atrasar a evolução da doença, melhorar os sintomas e aumentar a funcionalidade e qualidade de vida dos doentes6. Nos últimos 30 anos, foram descobertos um número apreciável de fármacos (10 com eficácia demonstrada) e testadas diversas estratégias terapêuticas (combinações de fármacos das diferentes classes) que nos permitem encarar o futuro com otimismo5. Uma meta-análise de 23 ensaios clínicos demonstrou a redução da mortalidade com as terapêuticas aprovadas no tratamento dos doentes com HAP7. Deve ser tido em conta que o diagnóstico e tratamento precoces influenciam significativamente os resultados da terapêutica e o prognóstico da doença. A classe funcional, a distância percorrida no T6MM, a PAD, o índice cardíaco e o BNP/NT-proBNP são considerados fatores de prognóstico, devem ser avaliados regularmente e determinar a intensidade da terapêutica5.
No caso apresentado, os sintomas iniciaram-se 5 meses antes do internamento hospitalar e tiveram uma evolução rapidamente progressiva. Na fase inicial, o facto de ser columbófilo, conduziu a um diagnóstico apressado e incorreto, porque sem critérios, de alveolite de hipersensibilidade, o que atrasou a investigação e o diagnóstico da doença. Apesar da síndrome de apneia obstrutiva do sono poder ser uma causa de HP, não deve ser considerada, neste caso, dada a gravidade da HP e a evolução desfavorável apesar da instituição de VNI/CPAP. O CCD confirmou a presença de hipertensão pulmonar pré-capilar e o estudo etiológico permitiu excluir outras causas mais frequentes de HP. O doente não apresentava história de consumo de drogas ou tóxicos associadas à HAP, nem história familiar de HP, pelo que se pode admitir com grande segurança o diagnóstico de HAPi. À data do diagnóstico, o doente apresentava vários critérios de mau prognóstico pelo que tinha indicação para terapêutica combinada tripla. Nos anos mais recentes está cada vez mais preconizada a terapêutica combinada ad inicio, principalmente nos doentes que apresentam critérios de gravidade, como no caso apresentado1,8. Apesar da evolução clínica favorável com a terapêutica inicialmente instituída, não foi conseguida a normalização dos marcadores de prognóstico pelo que se substituiu o prostanóide inalado, pelo prostanóide endovenoso. Ao fim de 4 anos de seguimento, o doente mantém-se estável, autónomo nas suas atividades da vida diária, capaz de realizar exercício físico de intensidade moderada e com boa qualidade de vida.
O caso apresentado documenta a dificuldade e complexidade do diagnóstico da HAPi e a importância da referenciação precoce para um centro especializado, que no nosso país estão oficializados, no tratamento e seguimento destes doentes, bem como os bons resultados conseguidos com os tratamentos atualmente disponíveis que mudam radicalmente a funcionalidade, qualidade de vida e prognóstico desta doença.
Quadro I
Resumo da evolução dos marcadores de prognóstico da doença e medicação
DATA | CLASSE NYHA | T6MM | Pro-BNP | TERAPÊUTICA ESPECÍFICA |
| | (m) | (pg/mL) | |
AGOSTO 2012 | IV | - | 1489 | Bos. + Ilop in. + sild. |
OUTUBRO 2012 | II | 525 | 662,3 | Bos. + Ilop in. + sild. |
FEVEREIRO 2013 | II | 549 | 1027 | Bos. + Ilop in. + sild. |
FEVEREIRO 2014 | III | 525 | 1425 | Bos. + epo ev + sild. |
AGOSTO 2014 | II | 592 | 994,7 | Bos. + epo ev + tad. |
OUTUBRO 2015 | II | 600 | 731,6 | Mac. + epo ev + tad. |
JULHO 2016 | II | 562 | 847,1 | Mac. + epo ev + tad. |
T6MM: teste de 6 minutos de marcha; Bos.: bosentano; Ilop. In: iloprost inalado; sild.: sildenafilo; epo ev: epoprostenol endovenoso; mac.: macitentano; tad.: tadalafil
Figura I

Telerradiografia de tórax: engurgitamento hilar bilateral; ICT >0,5 e alargamento do bordo direito cardíaco.
Figura II

ECG: Ritmo sinusal, frequência cardíaca 70bpm; onda p pulmonar e bloqueio incompleto de ramo direito.
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