Introdução:
O carcinoma de células renais representa cerca de 95% da totalidade dos tumores malignos do rim , sendo mais frequente em adultos do sexo masculino a partir da 7ª década de vida .No momento do diagnóstico a metastização à distância está presente em cera de 30 % dos casos, e quando esta se manifesta a nível cutâneo , o tumor primitivo já é conhecido em mais de 80 % dos casos. As metástases cutâneas , para além de um evento raro ,aparecem habitualmente numa fase tardia , sendo incomum que constituam o sinal revelador da lesão tumoral. O prognóstico destes doentes é reservado, sendo praticamente nula a sobrevivência aos cinco anos após o diagnóstico.
Caso clínico
Doente do sexo masculino, 87 anos, referenciado à consulta de Dermatologia por aparecimento de lesão nodular localizada no couro cabeludo com cerca de um mês de evolução, com crescimento rápido, facilmente sangrante ao toque.
Objetivamente constatava-se a presença de uma lesão elevada de tom violáceo, sangrante, de consistência dura , com diâmetro de 3 centímetros, bem delimitada, localizada à região parieto-occipital direita( figura 1).
Procedeu-sea biopsia da lesão cujo resultado histológico mostrou neoplasia epitelial (CK AE1/AE3 +) muito sugestiva de metástase de carcinoma de células renais, variante de células claras (CD10+/-, S100 - )( Fig 2).
Foi referenciado para consulta de Medicina para estudo complementar.
Nesta consulta, para além da lesão descrita, o doente negava quaisquer queixas, nomeadamente astenia, anorexia, dispneia, perda de peso, hematúria, alterações do trânsito intestinal ou perdas hemáticas pelo tubo digestivo.
Nos antecedentes pessoais referia Diabetes Mellitus tipo II, hipertensão arterial e neoplasia do cólon tratada cirurgicamente há 20 anos , sem evidência clínica de recidiva. Habitualmente medicado com olmesartan, amlodipina e metformina. À observação , o doente apresentava-se vígil, colaborante, orientado, com bom estado geral. Apirético e normotenso. Pele e mucosas coradas. Exame objetivo cardiorrespiratório sem alterações. Normotenso. Dor à palpação da fossa lombar direita, sem massa palpável ou contacto lombar. Murphy renal negativo.
As análises efetuadas mostravam Hb 13.9g/dL; Leucócitos 10.53/ µL, com 65 % de Neutrófilos e 21% de Linfócitos; creatinina 0.9 mg/dl; urina tipo II sem alterações.
Para confirmação da suspeita histológica foi solicitada tomografia axial computorizada abdominal e torácica ( Fig.3) que identificou volumosa lesão neoplásica no polo superior do rim direito com captação heterogénea de contraste , medindo10.0 x 9.5 x 7.0 cm . Destacava-se a perda de plano de clivagem com o músculo psoas num extensão de cerca de 3.0 cm, e com o músculo quadrado lombar numa extensão de 1.0 cm. No parênquima pulmonar observavam-se múltiplas lesões nodulares sólidas, traduzindo metastização bilateral .
Tendo em conta o bom estado geral do doente, referenciou-sea consulta de Oncologia onde iniciou terapêutica com Maleato de Sunitinib.
A evolução clínica caraterizou-se por estabilidade do quadro clínico, tendo o doente optado voluntariamente pela descontinuidade da quimioterapia, 8 meses após o seu inicio.
Discussão:
O carcinoma de células renais representa cerca de 3% da totalidade das neoplasias diagnosticadas 1. Uma percentagem significativa de casos apresenta evolução assintomática à data do diagnóstico, sendo frequente o achado incidental em exames de imagens efetuados por outras razões 2 . A metastização no momento do diagnóstico está presente em percentagens muito variáveis consoante as estatísticas ( 10% a 45% ) , e em apenas 20% dos casos as manifestações metastáticas constituem aapresentação inicial do tumor 3.
Os locais de metastização mais frequentes do carcinoma de células renais são o fígado, os gânglios linfáticos, o osso e o pulmão2,4. A metastização cutânea é considerada muito rara, apontando as casuísticas mais recentes para 50 a 80 casos descritos na literatura internacional5,6. O envolvimento secundário do couro cabeludo constitui um evento ainda mais raro ,com cerca de 6 casos referenciados internacionalmente5 . A expressão metastática mais comum ao nível da pele é a de uma lesão solitária, de morfologia nodular de coloração violácea, habitualmente muito vascularizada. O crescimento é rápido e faz diagnóstico diferencial com tumores primários cutâneos, focos de osteomielite ou lesões granulomatosas 3,4,7. As implantações cutâneas predominam na cabeça e pescoço , seguindo-se o tronco e mais raramente as extremidades3. São mais frequentes em tumores com média e longa evolução, sendo considerado excecional que constituam o evento revelador da presença tumoral 1,8. A metastização atinge a extremidade cefálica por disseminação hematogénea , por via retrógrada, através do plexo venoso paravetebral avalvular de Batson3.A sobrevivência dos portadores de tumores de células renais com metastização cutânea está estimada em 50% ao fim do primeiro ano, diminuindo para 20% aos três anos, sendo praticamentenula aos 5 anos3. Em presença de metastização visceral síncrona, como acontece no caso apresentado, a sobrevida raramente ultrapassa os seis meses 1.
No presente caso, para além da lesão renal identificada ,muito sugestiva de etiologia tumoral, apesar de não ter havido confirmação histológica, havia antecedentes de neoplasia do colon considerada cirurgicamente curada há cerca de duas décadas , e sem qualquer manifestação sintomática desde então. A hipótese de a lesão metastática cutânea em discussão poder ter outra origem que não o tumor renal foi naturalmente admitida. Todavia a marcação imunohistoquímica simultânea para CK AE1/AE3 e CD10 sustentava a hipótese de origem renal.
O caso em apresentação ilustra a importância de considerar o diagnóstico diferencial de metástases de tumor renal perante a identificação de lesões nodulares localizadas na cabeça e pescoço de aparência vascular, principalmente sede instalação recente.
Figura I

Lesão elevada de tom violáceo, sangrante, de consistência dura com diâmetro de 3 centímetros, bem delimitada, localizada à região parieto occipital direita, pós biopsia.
Figura II

Infiltração da derme constituída por agregados de células claras, sem envolvimento da epiderme.
Figura III

Panqueratina (AE1AE3) positiva, demonstrando a natureza epitelial da neoplasia.
Figura IV

Marcação CD10 positiva , compatível com carcinoma de origem renal.
Figura V

Volumosa lesão neoplásica no polo superior do rim direito com captação heterogénea de contraste, medindo 10.0 por 9.5 por 7.0 cm.
BIBLIOGRAFIA
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