Introdução
O urinotórax ou a acumulação de urina no espaço pleural é uma causa rara de derrame pleural. De acordo com Dimitriadis et al1 existem menos de 80 casos publicados na literatura. O urinotórax foi previamente descrito em relação com a uropatia obstrutiva bilateral, manipulações da via urinária, inflamação, neoplasia, trauma, litotrícia por ondas de choque e válvula da uretra posterior2. A maioria dos casos está associado a uropatia obstrutiva, e quando ocorre em adultos é, normalmente, secundário a uma obstrução urinária bilateral3. O derrame pleural pode ser bilateral ou unilateral, normalmente do mesmo lado da obstrução urinária, resolvendo-se após a resolução da obstrução4. O líquido pleural tem características de transudado e uma razão da creatinina líquido pleural/sérica > 1 é muito sugestiva de urinotórax. O diagnóstico de urinotórax requer um elevado grau de suspeição, devendo ser considerado no diagnóstico diferencial de derrame pleural, com características de transudado, em pacientes com uropatia obstrutiva.
Descrevemos um caso de urinotórax unilateral de causa obstrutiva.
Caso Clínico
Doente do sexo masculino, 79 anos de idade, caucasiano e autónomo. Antecedentes pessoais de hipertensão arterial; cardiopatia isquémica; doença cérebro vascular; adenocarcinoma da próstata diagnosticado 9 anos antes não tendo realizado terapêutica dirigida; tabagismo de 40UMA, anemia crónica multifactorial e doença renal crónica (DRC)estadio 3, cronicamente algaliado por ureterohidronefrose bilateral mais grave à esquerda.
Recorreu ao Serviço de Urgência por astenia com um mês de evolução. Objetivamente eupneico em repouso e ar ambiente, apirético, auscultação pulmonar com murmúrio vesicular diminuído nos 2/3 inferiores do hemitórax esquerdo sem ruídos adventícios. A avaliação laboratorial revelou anemia 8,3g/L, sem leucocitose ou neutrofilia, disfunção renal (ureia 100, creatinina 4,14), hipercaliémia 5,9 e PCR 23. A telerradiografia de tórax mostrou um derrame pleural ocupando a metade inferior do hemitórax esquerdo (fig.1).
Durante o internamento realizou toracocentese diagnóstica com líquido pleural compatível com transudado (cor amarela clara, 400 leucócitos mononucleados, proteínas 24,6g/L, glucose 109mg/dL, LDH <25U/L, pH 7,8, amilase 22U/L e colesterol 39mg/dL) o exame microbiológico, micobacteriológico e a pesquisa de células neoplásicas foram negativos. A ecografia renal revelou ureterohidronefrose ligeira bilateral (grau II/IV) e alterações compatíveis com DRC e formações quísticas renais bilaterais mais volumosas à esquerda; a ecografia prostática trans-retal revelou próstata com dimensões não significativamente aumentadas, alterações que traduzem transformação aderomatosa. Como intercorrência isolamento de Klebsiella Oxytoca na urina tendo feito antibioterapia segundo TSA.
Ao quinto dia de internamento foi realizada toracocentese evacuadora por agravamento do derrame pleural (fig.2) apresentando o líquido pleural um exame citoquímico sobreponível ao anterior. Foi pedido doseamento de creatinina no líquido pleural: 4,63 permitindo fazer o diagnóstico de urinotórax (creatinina líquido pleural 4,63/creatinina sérica 3,64 = >1).
Contatada urologia com colocação de nefrostomia à direita sem intercorrências, tentativa de nefrostomia à esquerda não conseguida por múltiplas formações quísticas. Após o procedimento houve uma normalização da função renal (ureia 60, creatinina 2,0) e diminuição progressiva do volume do derrame pleural (fig.3) não havendo recidiva.
Discussão
Os autores apresentam um caso de urinotórax secundário a uropatia obstrutiva bilateral. Apesar da obstrução urinária ser comum na prática clínica, são poucos os casos de urinotórax na literatura, limitando-se estes a casos clínicos e pequenas séries de casos5.
Dependendo da causa primária da drenagem de urina, o urinotórax pode ser classificado em obstrutivo se devido a cálculos, quistos renais, neoplasia, fibrose retroperitoneal e malformações congénitas, ou em traumático após contusão renal, transplante renal, biopsia renal, instrumentação e cirurgia uretral, nefrolitotomia percutânea, litotrícia extracorporal por ondas de choque ou laceração urinaria1. Destas, as causas mais comuns são a uropatia obstrutiva com hidronefrose e rotura do diafragma por trauma agudo6. Existem ainda casos de urinotórax congénito.
O vazamento de urina das vias urinárias, originário no rim ou num ureter danificado, leva à sua acumulação no espaço retroperitoneal que se denomina urinoma. Várias teorias foram sugeridas em relação à passagem de urina para o espaço pleural. O mecanismo dominante proposto é a passagem direta de urina do abdómen para o espaço pleural por defeitos no diafragma3. Outras rotas possíveis são a via linfática e a passagem de urina para o mediastino seguido de rutura para o espaço pleural. A obstrução unilateral das vias urinarias não parece causar urinotórax se a função do rim contralateral estiver preservada3. No nosso caso tratava-se de uma obstrução urinária com hidronefrose bilateral.
Uma telerradiografia de tórax pode mostrar um derrame pleural pequeno a moderado ipsilateral à afeção urológica, mas estão descritos casos de envolvimento contralateral1,7.
O liquido pleural é normalmente um transudado com um ratio creatinina líquido pleural/sérum > 1. Apesar deste critério ter sido considerado patognomónico do urinotórax não é unicamente específico desta condição8 pelo que terá que haver correlação com o contexto clínico na interpretação deste resultado9. Deve ser notado que o nível de LDH no líquido pleural pode, em alguns casos, estar de acordo com um exudado mas um valor baixo de proteínas foi descrito na grande maioria dos casos3. No nosso caso as características do líquido pleural estão de acordo com as descritas na literatura.
Urinotórax deve ser suspeitado durante a toracocentese se o líquido apresentar uma aparência e um odor característicos de urina em doentes com derrame pleural e uropatia obstrutiva5. Mas as características do liquido pleural podem sofrer alterações durante a sua passagem para a pleura e pela duração da sua presença no espaço pleural9.
O tratamento é dirigido à causa urológica primária, podendo ser considerada drenagem do líquido pleural quando necessário. No caso que descrevemos foi apenas possível colocar nefrostomia unilateral mas foi obtida uma rápida melhoria clínica e imagiológica.
O diagnóstico de urinotórax requer um elevado grau de suspeição, devendo ser considerado no diagnóstico diferencial de derrame pleural, com características de transudado e exame citológico e microbiológico negativos, em pacientes com uropatia obstrutiva.
Figura I

Teleradiografia de tórax à admissão no Serviço de Urgência.
Figura II

Teleradiografia de tórax ao quinto dia de internamento.
Figura III

Teleradiografia de tórax após colocação de nefrostomia.
BIBLIOGRAFIA
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