A gota é uma artropatia inflamatória, incapacitante, com prevalência em Portugal de 1,3%.^1,2,3Frequentemente monoarticular (72%), pode ser oligo ou poliarticular.^2,4A deposição de monourato de sódio nas articulações provoca desde artrite autolimitada a artropatia deformante e tofos por vezes exuberantes (em 20% dos doentes com gota crónica).²A demonstração de cristais de monourato de sódio é desejável, contudo perante hiperuricémia, sinais, sintomas característicos (artrite e tofos) e resposta prévia a colchicina, o diagnóstico é presuntivo. A terapêutica hipouricemiante está indicada em doentes com flair recorrente, tofos e artropatia deformante. Deve iniciar-se perante uricémia>8mg/dL e/ou comorbilidades (DRC, HTA, IC, doença cardíaca isquémica).^1,2

Doente de 82 anos com artrite gotosa há 53, poliarticular, com tofos impressionantes, nos lóbulos das orelhas, mãos, joelhos, cotovelos e planta dos pés (Fig.1). DRC estádio 3a (TFGe=59mL/min/1.73m²) por provável nefrite tubulointersticial hiperuricémica, HTA, obesidade classe 2 e hipotiroidismo iatrogénico. Os tofos representam depósitos subcutâneos de consistência heterogénea, com dor articular e impotência funcional. Radiologicamente: edema dos tecidos moles, erosões corticais (definidas, marginais e intrarticulares), destruição óssea (Fig.2).

Uma reacção alérgica prévia impediu o uso de alopurinol. Iniciou-se colchicina em dose baixa, nas crises e profilaticamente. A dieta pobre em purinas, álcool, bebidas açucaradas e frutose e a perda de peso foram ineficazes. Iniciou-se febuxostato 80mg id, pelo quadro invulgar e incapacitante, associado a losartan e amlodipina para as comorbilidades. Na última avaliação (3 meses depois): doente sem crises, com incapacidade funcional; uricémia=6,7mg/dL. A prioridade é evitar crises e melhorar a qualidade de vida, dada a irreversibilidade da destruição óssea/artropatia deformante. Poder-se-á aumentar a dose de febuxostato e/ou considerar-se ressecção cirúrgica.

Apesar da exuberância do quadro, numa primeira abordagem, devem contemplar-se outras hipóteses de artropatias inflamatórias.

Não existe fármaco específico para tratamento dos tofos. A redução da uricémia diminui o seu número e tamanho, melhorando a morbi-mortalidade.^1,2

Figura I

Tofo gotoso na planta do pé esquerdo

Figura II

Artropatia deformante com erosões e destruição óssea

  BIBLIOGRAFIA  

1. Richette P, Doherty M, Pascual E, Barskova V, Becce F, Castañeda-Sanabria J, et al. 2016 updated EULAR evidence-based recommendations for the management of gout. Ann Rheum Dis. 2016; 76:29-42

2. Araújo F, Cordeiro I, Teixeira F, Rovisco J, Ramiro S, Mourão AF, et al. Portuguese recommendations for the diagnosis and management of gout. Acta Reumatol Port. 2014; 39: 158–171

3. Branco JC, Rodrigues AM, Gouveia N, Eusebio M, Ramiro S, Machado PM, et al. Prevalence of rheumatic and musculoskeletal diseases and their impact on health-related quality of life, physical function and mental health in Portugal: results from EpiReumaPt- a national health survey.RMD Open. 2016; 2:e000166.

4. Abhishek A, Roddy E, Doherty M. Gout – a guide for the general and acute physicians. Clin Med (Lond). 2017; 17: 54-59