Introdução Existem situações de dor torácica fugaz, clinicamente silenciosas, em que a atenção ao electrocardiograma (ECG) e em particular às alterações evolutivas deste, mesmo na ausência de alterações enzimáticas, são a pista para o diagnóstico de lesão coronária grave, é o caso do padrão de Wellens.
Caso clínico Homem de 71anos, caucasiano, obeso (IMC 35Kg/m2) e sem outros antecedentes, apresentando inicio súbito de mal-estar epigástrico com irradiação ao précordio acompanhado de diaforese, náuseas e vómitos, que surgiram sem relação com esforço. O ECG inicial não mostrava alterações e com troponina 0,03µg/L e mioglobina 85µg/L, tendo sido internado com o diagnóstico provisório de enfarte agudo do miocárdio sem supra-desnivelamento ST (SSST), realizando acido acetilsalicilico 300mg e clopidogrel 300mg.
Objetivamente sem alterações, com score GRACE 119- risco intermédio. Assintomático desde a admissão e em classe I Killip-Kimbal, a evolução do ECG duas horas depois mostrava ondas T bifásicas em V2-V3, sem ondas Q de novo, nem perda de amplitude das ondas R nas precordiais, padrão compatível com tipo A de Wellens (Figura 1).
Foi realizado ecocardiograma transtorácico observando-se boa função sistólica global, acinesia do segmento interventricular anterior médio e apical, ápex e todos os segmentos apicais e da metade apical da parede anterior. Realizada coronariografia urgente observando-se oclusão da DA. A artéria circunflexa e coronária direita (dominante) não apresentavam lesões exibindo fluxo TIMI 3 (Figura 2 e 3). Realizada angioplastia com sucesso (Figura 4), o doente encontra-se assintomático desde então.
Discussão Existem alguns padrões eletrocardiográficos que, mesmo na ausência de clínica (dor, manifestações de insuficiência cardíaca ou arritmias ventriculares malignas), implicam elevado risco de complicações graves e que justificam uma abordagem invasiva precoce, como o padrão de Wellens.
Em 1982 Zwann e Wellens1 descreveram uma entidade denominada Síndrome de Wellens, que assenta num padrão eletrocardiográfico típico que traduz elevada probabilidade de lesão proximal crítica da artéria descendente anterior (DA), risco elevado de enfarte agudo da parede anterior do miocárdio e morte súbita2. A população deste estudo apresentava alterações típicas nas derivações anteriores, agrupadas em dois tipos. Um tipo A, menos frequente (~24%), com ondas T bifásicas (plus/minus) em V2-V3 e um tipo B, mais comum (~76%), com um segmento ST isoelétrico ou ligeiramente supradesnivelado (<1 mm) com uma morfologia linear ou convexa seguida por uma onda T invertida com um ângulo entre 60-90º em V2-V3 e/ou V1-V4 e esporadicamente em V5-V61,3,4. Verificou-se que, dos 145 doentes admitidos com angina instável, 26 (18%) apresentavam estas alterações electrocardiográficas. No subgrupo que não foi submetido a revascularização, a maioria (75%), evoluiu para enfarte extenso do território anterior nalgumas semanas após a admissão (média 8,5 dias). Num estudo prospetivo posterior5, de 1260 doentes, 180 (14%) apresentavam o padrão descrito. Todos realizaram revascularização urgente e 100% apresentaram lesões da DA, que variaram desde 50% à oclusão total.
A enzimologia cardíaca pode-se apresentar normal ou discretamente elevada. Na descrição original por Wellens1 apenas 12% apresentaram elevação dos marcadores de necrose do miocárdio, embora a sensibilidade dos marcadores naquela época não fosse comparável à actual. O conhecimento desta particularidade é importante para não atrasar o diagnóstico, nomeadamente o agendamento precoce de investigação invasiva (cateterismo)6.
Não raramente, estas alterações evolutivas do segmento ST e onda T, dão-se num intervalo de tempo sem dor, podendo inclusivamente ainda não ter ocorrido qualquer episódio anginoso. O padrão de Wellens, não sendo patognomónico de SCA, parece contudo traduzir reperfusão espontânea da artéria coronária culpada, após episódio de isquémia aguda, com elevada probabilidade de persistência de lesão residual critica e instável e logo risco elevado de reoclusão7,8. De facto, muitas vezes quando o doente volta a referir dor podemos assistir a uma pseudonormalização enganadora das ondas T e do segmento ST ou mesmo surgir elevação de ST9.
Uma explicação para este padrão pode ser encontrada em estudos de ressonância magnética cardíaca (RMC), realizados noutras situações com disfunção reversível do ventrículo esquerdo, isquémica ou não, associadas a alterações dinâmicas do electrocardiograma, tal como na miocardiopatia de stress ou de Tako-Tsubo. A fisiopatologia desta miocardiopatia ainda não é totalmente conhecida, mas estudos com RMC sugerem que as alterações dinâmicas do electrocardiograma observadas nestes doentes refletem edema intersticial com uma distribuição assimétrica, apicobasal, associado à exposição aguda às catecolaminas que habitualmente ocorre nesta situação10-12.
A tabela 1 reúne os critérios eletrocardiográficos, clínicos e laboratoriais do Síndrome de Wellens.
Este caso ilustra a importância de se reconhecer e diagnosticar precocemente este síndrome uma vez que o mesmo esconde, sob o manto de uma aparente benignidade clínica, uma SCA sem supra ST potencialmente muito instável, com elevado risco de complicações graves e que justificam uma abordagem invasiva imediata. Não deve de ser esquecido, principalmente pelos Médicos que trabalham em Serviços de Urgência.
Quadro I
Critérios Eletrocardiográficos, Clínicos e Laboratoriais do Síndrome de Wellens.
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Critérios Eletrocardiográficos: |
- Ondas T profundas, simétricas e invertidas, nas derivações V2 eV3, por vezes nas derivações V1, V4, V5 e V6 ou - Ondas T bifásicas em V2 e V3 - Segmento ST isoelétrico ou ligeiramente desnivelado (<1 mm) - Ausência de ondas Q precordiais - Sem perda de progressão das ondas R nas precordiais. |
Critérios Clínicos: |
- História de angina. - Padrão eletrocardiográfico presente no estado assintomático. |
Critérios laboratoriais: |
- Enzimologia cardíaca normal ou discretamente aumentada. |
Critérios Eletrocardiográficos, Clínicos e Laboratoriais do Síndrome de Wellens.
Figura I

Electrocardiograma com padrão de Wellens tipo A.
Figura II

Coronariografia com DA média ocluída.
Figura III

Coronariografia com DA média ocluída.
Figura IV

DA pós angioplastia.
BIBLIOGRAFIA
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3- Appel-da-Silva MC, Zago G, Abelin AP, Pin WO, Dutra OP, Vaz R. Wellens Syndrome. Arq. Bras Cardiol. 2010; 94:e116-e119.
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8- Perazzollo MM, Zorzi A, Corbetti F, De Lazzari M, Migliore F, Tona F, et al. Apicobasal gradient of left ventricular myocardial edema underlies transient T-wave inversion and QT interval prolongation (Wellens´ECG pattern) in Tako-Tsubo cardiomyopathy. Hearth Rhythm. 2013; 10(1): 70-7.
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11- Migliore F, Zorzi A, Marra MP, Basso C, Corbetti F, De Lazzari M, et al. Myocardial edema underlies dynamic T-wave inversion (Wellens´ ECG pattern) in patients with reversible left ventricular dysfunction. Heart Rhytm. 2011; 8(10):1629-34.
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