Introdução
O Streptoccocus Suis (S.Suis) é uma bactéria Gram positivo, anaeróbia facultativa, existente nos tractos respiratório, gastrointestinal e genital dos suínos, que constituem o seu principal reservatório. Estão identificados 35 serotipos, sendo o serotipo 2 considerado o mais patogénico para o homem e os suínos.
Em 1954 foi descrito por veterinários e 14 anos depois, na Dinamarca, foi diagnosticado o primeiro caso humano (1). De 1968 até final de 2013 estão assinalados 1642 casos de infecções a S.Suis, 90.2% em países asiáticos, maioritariamente na região sudeste (Tailândia, Vietname e China). Na Europa foram registados 8.5% dos casos (n=140), mais frequentes na Holanda, Reino Unido, França e Espanha. No continente americano estão registados apenas 17 casos (2). Neste registo mundial figura um caso em Portugal (3), estando, no entanto, outros 4 casos publicados em revistas nacionais (4-6), todos de meningite.
O S.Suis transmite-se por via cutânea, oral ou respiratória a indivíduos expostos a suínos ou à sua carne não processada, não existindo transmissão interpessoal (1,7,8). Atinge preferencialmente homens com idade media de 47-55 anos com profissões de risco como talhantes, pessoal dos matadouros, veterinários , criadores de porcos ou indivíduos expostos a carne não processada, existindo, no entanto, casos em que não se identifica tal exposição (1,7-10). Para além da profissão, os principais factores predisponentes identificados são a diabetes mellitus, o alcoolismo, a esplenectomia, as neoplasias e a doença estrutural cardíaca (1,7,8).
Após um período de incubação variável, em média de 2 a 3 horas até 2 a 3 dias, a principal manifestação clínica é uma meningite frequentemente acompanhada de bacteriemia com precoce atingimento auditivo e vestibular, por vezes permanente (1,7-10).
Caso clínico
Mulher de 54 anos, enfermeira, fumadora e portadora de bypass gástrico por obesidade, que inicia um quadro agudo de febre elevada com temperatura máxima de 39ºC, calafrios e mioartralgias. No dia seguinte associa-se bradipsiquismo, cefaleias, desequilíbrio e sensação de “ouvido preenchido” à esquerda, altura em que recorre ao Serviço de Urgência. Negava outras queixas, viagens recentes ou contacto com animais. Ao exame objectivo, encontrava-se apirética, normotensa e normocárdica, sem alterações na semiologia cardiopulmonar ou abdominal e sem lesões cutâneas. No exame neurológico, apenas com rigidez terminal da nuca, sem outros sinais de irritação meníngea. Analiticamente apresentava elevação dos parâmetros inflamatórios, leucocitose de 21500 x 106/L com 96% neutrófilos e PCR de 136 mg/L, sem outras alterações significativas. Realizou Radiografia de Tórax e Tomografia Computorizada Crânio-Encefálica, ambas sem alterações. Efectuou-se punção lombar com saída de líquido cefalorraquidiano (LCR) turvo e normotenso, cujo exame citoquímico revelou pleocitose, 160 leucócitos com predomínio de linfócitos, hipoglicorráquia (26 mg/dl) e hiperproteinorráquia (200 mg/dl). Perante a hipótese de meningite, iniciou terapêutica com Ceftriaxona, Ampicilina, Aciclovir e Dexametasona. O exame directo do LCR revelou a presença de cocos Gram positivo, com isolamento de Streptococcus Suis no LCR e nas hemoculturas, tendo-se ajustado a antibioterapia para Ceftriaxona que cumpriu durante 26 dias. Durante o internamento, a doente manteve-se hemodinamicamente estável e apirética, com melhoria gradual do estado geral e resolução das cefaleias. Apresentava diminuição da acuidade auditiva à esquerda, tonturas e desequilíbrio a condicionar limitação da marcha. Pela manutenção das queixas, realizou Ressonância Magnética Crânio-Encefálica (RMN-CE), sem alterações. As perturbações da marcha eram compatíveis com patologia periférica e o audiograma confirmou a surdez grave à esquerda. Sob fisioterapia, houve ligeira melhoria funcional da marcha. Um ano após a alta, mantinha surdez à esquerda verificando-se melhoria do desequilíbrio na marcha, sob terapia de reabilitação vestibular.
Discussão
A infecção por S.Suis manifesta-se geralmente por uma meningite com bacteriémia podendo ter outras apresentações clínicas como endocardite, artrite, pneumonia ou espondilodiscite. Nos surtos epidémicos do sudeste asiático foi frequente a presença de choque séptico, semelhante ao síndrome do choque tóxico, com evolução fatal (1,8,9).
O quadro clínico e laboratorial é semelhante ao de outras meningites bacterianas. O diagnóstico microbiológico nem sempre é fácil, sendo o S.Suis confundido por vezes com outros cocos Gram positivo, sobretudo com o Streptococcus viridans (1,8).
A meningite a S.Suis cursa precocemente com surdez neurosensorial e por vezes com disfunção vestibular. A surdez bilateral ou unilateral é sobretudo para frequências altas e está descrita em mais de 50% dos doentes, sendo mais rara a disfunção vestibular que cursa com vertigem e ataxia (8,10). Admite-se que o S. Suis induz graves alterações inflamatórias na cóclea, disrupção da barreira hemato-labirintica, perda de gânglios neurais, lesões perilinfáticas e labirintite supurativa e ossificante, não só durante a fase de bacteriémia como na de atingimento meníngeo (11,12).
A antibioterapia empírica aconselhada para as meningites bacterianas adquiridas na comunidade é adequada para o S.Suis que é sensível aos β-lactâmicos. O tratamento deve-se manter durante 2 semanas sendo de ponderar uma duração mais prolongada (4 a 6 semanas) pelo atingimento coclear e vestibular e pelo risco de recorrência. O uso de corticóides como adjuvante da antibioterapia parece reduzir o risco de surdez permanente.
A taxa de mortalidade da meningite a S.Suis é baixa, 3 a 6% dos casos, mas a surdez é uma sequela frequente atingindo mais de 50% dos doentes (1,9).
A prevenção da infecção passa pelo controlo dos contactos com porcos incluindo: uso de luvas e de pensos impermeáveis nas feridas cutâneas, lavagem das mãos após contactos e cozinhar a carne de porco até uma temperatura interior de 70ºC ou até o seu suco deixar de estar rosado (1,9,11).
A infecção a S.Suis constitui uma ameaça à saúde pública a exigir um diagnóstico precoce, um registo sistemático e a instituição de medidas preventivas. Em Portugal deve ser ponderada a sua declaração obrigatória e a inclusão nas doenças profissionais, à semelhança do que já é praticado noutros países europeus.
BIBLIOGRAFIA
1. Wertheim H, Nghia H, Taylor W, Schultz C. Streptococcus suis: An Emerging Human Pathogen. Clin Infect Dis 2009; 48:617-625.
2. Goyette-Desjardins G, Auger JP, Xu J, Segura M, Gottschalk M. Streptococcus Suis an important pig pathogen and emerging zoonotic agent - an update on the worldwide distribution based on serotyping and sequence typing. Emerging Microbes and Infections. 2014; 3, e45; doi: 10.1038/emi.2014.45
3. Taipa R, Lopes V, Magalhães M. Streptococcus suis meningitis: first case report from Portugal. J Infect 2008; 56:482-483.
4. Pereira A, Lecour H, Sarmento A, Candeias J, Costa A, Pereira C. Meningitis caused by Streptococcus Suis type II. Arq Med. 1989; 3:135-136.
5. Pinto I, Caixinha J, Castro V, Marques A, Fonseca A. Vera J. Infecção por Streptococcus Suis: uma causa rara de meningite no homem. Rev Port Doenc Infec 2005; 2:34-45.
6. Seixas D, Lebre A, Crespo P, Ferreira E, Serra JE, Cunha JGS. Meningite bacteriana aguda como doença ocupacional. Acta Med Port 2014; 27(4):519-521.
7. Huang Y, Teng L, Ho S, Hsuch P. Streptococcus suis infection. J Microbiol Immunol Infect 2005; 38: 306-313.
8. Huong V, HA N, Huy N, Horby P, Nghia H, Thiem V et al. Epidemiology, Clinical Manifestations, and Outcomes of Streptococcus suis Infection in Humans. Emerg Infect Dis 2014; 20(7):1105-1114.
9. Srifuengfung S. Streptococcus suis Infection. Siriraj Med J 2009; 61:334-338.
10. Samkar A, Brouwer M, Schultsz C, Ende A, Beek D. Streptcoccus suis Meningitis: A Systematic Review and Meta-analysis. PLOS Neg Trop Dis 2015; 9: e0004191. doi: 10.
11. Huh H, Park K, Jang J, Lee M, Lee J, Ahn Y at al. Streptococcus suis Meningitis with Bilateral Sensorineural Hearing Loss. Korean J Lab Med 2011; 31:205-211.
12. Dominguez-Punaro MC, Koedel U, Hoegen T, Demel C et al. Severe cochlear inflammation and vestibular syndrome in an experimental model of Streptococcus suis infection in mice. Eur J Clin Microbiol Infect Dis 2012; 31:2391-2400.