Introdução:
A Síndrome de Swyer-James-MacLeod é uma entidade rara, com início em idade precoce1, caracterizada por uma bronquiolite obliterante habitualmente pós-infecciosa.
A etiopatogenia da doença, ainda pouco conhecida, parece centrar-se numa resposta inflamatória obliterante a nível bronquiolar, que condiciona fibrose e consequente destruição alvéolo-capilar, com hipoplasia associada dos vasos pulmonares ipsilaterais2.
O padrão imagiológico caracteriza-se por uma hipertransparência pulmonar unilateral, parcial ou completa3, associada a áreas de padrão em mosaico por aprisionamento aéreo e hipovascularização1.
Apesar de surgir precocemente, o seu diagnóstico pode ser tardio4, sobretudo em doentes pouco sintomáticos e previamente diagnosticados com doença pulmonar crónica atribuída a outras etiologias.
Os autores apresentam um caso de Síndrome de Swyer-James-MacLeod diagnosticado na 7ª década de vida, na sequência de um internamento por traqueobronquite e insuficiência respiratória (IR) tipo 2.
Relato do caso:
Mulher de 63 anos, não fumadora, operária em fábrica de plásticos e sem medicação habitual, referia cansaço fácil e episódios de tosse e pieira desde a infância.
Em janeiro de 2015 recorreu ao serviço de urgência por tosse, expectoração mucosa e astenia com duas semanas de evolução. À admissão encontrava-se normotensa, subfebril, polipneica e com IR tipo 2 na gasimetria arterial (pH 7.44, paCO2: 61 mmHg, paO2: 62 mmHg, HCO3-: 41.4 mmol/L); na auscultação pulmonar apresentava sons diminuídos à direita e sibilos bilaterais; analiticamente destacavam-se parâmetros inflamatórios elevados. Na radiografia torácica visualizava-se um discreto desvio da traqueia para a direita e a nível do campo pulmonar direito destacava-se uma perda de volume, associada a uma área mais hipertransparente no andar médio (Fig.1).
Foi assumida asma agudizada, tendo iniciado amoxiclina/ácido clavulânico e corticoterapia sistémica com boa resposta, mantendo no entanto necessidade de oxigenoterapia à data de alta. Em ambulatório, realizou estudo funcional respiratório que mostrou uma obstrução grave com hiperinsuflação, sem resposta à broncodilatação, dessaturação significativa na prova de 6 minutos de marcha e hipoxemia com hipercapnia na gasimetria arterial (pH:7.42; paCO2:52mmHg; paO2:61mmHg). Realizou TC torácica que mostrou uma diminuição do diâmetro da artéria pulmonar direita e uma atenuação ao nível do lobo inferior direito (LID), associada a bronquiectasias tubulares, num padrão sugestivo de bronquiolite obliterante (Fig. 2-3). O estudo prosseguiu com angio-TC torácica, que permitiu afirmar uma redução significativa do calibre da artéria pulmonar direita e ramos lobares inferiores, sem imagens de tromboembolismo pulmonar (TEP) (Fig. 4-5), destacando-se igualmente uma hipodensidade a nível do LID, num padrão de bronquiolite obstrutiva e explicando também a assimetria vascular. Os achados permitiram o diagnóstico de Síndrome de Swyer-James-MacLeod. Para avaliação da extensão dos defeitos de ventilação e perfusão foi realizada uma cintigrafia de ventilação-perfusão, que mostrou um defeito concordante de ventilação-perfusão no LID, embora com um padrão de ventilação mais heterogéneo que o de perfusão, no contexto dos fenómenos de bronquiolite.
A doente mantém-se em vigilância, encontrando-se medicada com corticosteroide inalado e dupla broncodilatação.
Discussão:
Em 1952, no congresso da British Thoracic Association, o patologista britânico MacLeod, partindo da análise uma série de 9 casos de hipertransparência pulmonar unilateral, advogou pela pela primeira vez a existência da síndrome que mais tarde adotaria o seu nome.
Apesar da originalidade dos seus achados, a primeira publicação relativa a esta entidade, em 1953, não foi da sua autoria, cabendo a mesma aos patologistas Swyer e James5, que descreveram a síndrome a propósito de um caso de hipertransparência pulmonar unilateral numa criança com 6 anos de idade6. Um ano mais tarde MacLeod, com base na sua série de 9 casos, foi autor de uma nova publicação, na qual descreveu o padrão clínico-radiológico típico desta reconhecida entidade7.
A bronquiolite representa um fenómeno central na génese desta patologia. Na maioria dos casos, esta inicia-se nos primeiros 8 anos de vida. A etiologia pós-infecciosa é a mais comum, estando descritas infecções por Mycoplasma pneumoniae, Adenovirus (tipo 3, 7 e 21), Paramyxovirus, Morbillivirus, Bordetella pertussis, Mycobacterium tuberculosis, Mycoplasma pneumoniae e Influenza A. Outras etiologias mais raras como aspiração de corpos estranhos, radioterapia, ingestão de hidrocarbonetos8, inalação de fumos tóxicos e transplante9 têm sido igualmente reportadas.
A sequência de eventos na base desta síndrome não está ainda completamente esclarecida, no entanto, parece iniciar-se a nível bronquiolar, com uma resposta inflamatória obliterante que condiciona distensão e fibrose das vias aéreas distais, parede alveolar e septos interalveolares. Associadamente aos fenómenos de bronquiolite, verifica-se uma hipoplasia da vasculatura pulmonar10. Os sintomas associados incluem pieira recorrente, tosse e dispneia de esforço, e a referência a infeções respiratórias de repetição é frequente no histórico destes doentes1.
A suspeita diagnóstica decorre frequentemente dos achados da radiografia torácica, que incluem uma hipertransparência pulmonar unilateral, parcial ou total, que habitualmente se associa a uma diminuição de volume e redução da sombra hilar homolateral. Na TAC visualiza-se um padrão em mosaico no parênquima afectado, por vezes com bronquiectasias associadas, e uma hipoplasia arterial pulmonar ipsilateral3. A cintigrafia de ventilação-perfusão constitui uma ferramenta importante, não só durante a marcha diagnóstica (revestindo-se de particular interesse na investigação do TEP), mas também posteriormente na avaliação da extensão e distribuição dos defeitos de ventilação e perfusão11.
Atualmente os dados relativos à prevalência da doença são ainda escassos. Apesar de constituir uma patologia pouco frequente, o seu diagnóstico deve ser considerado na investigação de causas de hipertransparência pulmonar unilateral tais como a asma e TEP, e outras mais raras como fibrose quística, enfisema lobar congénito ou malformações vasculares12.
Na abordagem destes doentes em fase aguda, em contexto de urgência/emergência, estão descritos diagnósticos errados de pneumotórax12 ou aspiração de corpo estranho (sobretudo em idade precoce), o que vem salientar a importância do reconhecimento precoce desta síndrome13.
Nos raros casos diagnosticados em idade adulta, a pobreza dos sintomas e a subtileza dos achados imagiológicos dificultam o diagnóstico, atrasando o tratamento adequado. À semelhança do caso apresentado, alguns destes doentes apresentam logo ao diagnóstico uma deterioração funcional respiratória significativa.
O tratamento preconizado é inespecífico para a patologia e inclui cinesiterapia, broncodilatação, corticoterapia inalada em baixas doses e antibioterapia nas intercorrências infecciosas. A cirurgia é reservada para os casos de infecção refractária ao tratamento médico, pneumotórax ou enfisema grave com compromisso funcional significativo14,15.
Figura I

Figura 1. Telerradiografia de tórax (incidência póstero-anterior): desvio ligeiro da traqueia para a direita, associado a uma discreta perda de volume no campo pulmonar direito, no qual se destaca uma área mais hipertransparente ao nível do andar médio.
Figura II

Figura 2. Tomografia computatorizada (TC) de tórax (janela parenquimatosa, corte axial) a mostrar uma hipodensidade a nível do LID, associada a bronquiectasias, bem como uma redução do calibre dos ramos subsegmentares basais da artéria pulmonar direita.
Figura III

Figura 3. Tomografia Computadorizada (TC) de tórax (janela mediastínica, corte axial) a mostrar uma hipodensidade a nível do LID, associada a bronquiectasias, bem como uma redução do calibre dos ramos subsegmentares basais da artéria pulmonar direita.
Figura IV

Figura 4. Angio-TC de tórax (janela parenquimatosa, corte coronal) a evidenciar uma franca diminuição do calibre da artéria pulmonar direita, sendo igualmente visível uma hipodensidade do parênquima pulmonar com rarefação da vasculatura a nível do LID.
Figura V

Figura 5. Angio-TC de tórax (janela mediastínica, corte coronal) a mostrar uma hipodensidade a nível do LID, associada a bronquiectasias, bem como uma redução do calibre dos ramos subsegmentares basais da artéria pulmonar direita.
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