O dissulfiram é uma opção terapêutica no tratamento do alcoolismo crónico e mais recentemente na dependência da cocaína1-6. Raramente o dissulfiram está associado a hepatite tóxica, neurite óptica e complicações neurológicas para doses >500mg/dia, secundárias a encefalopatia e neuropatia periférica.1, 2, 4
Uma mulher de 51 anos com antecedentes de depressão neurótica vs. perturbação afectiva bipolar tipo 1, alcoolismo crónico e dependência de drogas recreativas foi internada por ingestão voluntária de cerca de 12,5g de dissulfiram e pesquisa positiva de metabolitos da cocaína e anfetaminas/metanfetaminas.
Apresentou um quadro inicial de deterioração do estado de consciência (Score de Glasgow de 6), convulsões, nistagmo horizontal, hemiparesia e hemihipostesia direita e parésia facial ipsilateral. A TC-CE revelava lesões nodulares hipodensas nos núcleos lenticulares (putamen) sem outras anomalias (Fig.1). Verificou evolução com quadro sugestivo de catatonia com lenta recuperação. A RMN-CE apresentava franca alteração de sinal e edema bilateral e simétrico dos globos pálidos e porção posterior dos putamen com hiperssinal em FLAIR e T2 com restrição à difusão (Fig.2).
Sob terapêutica de suporte e reabilitação motora assistiu-se a melhoria clínica progressiva com recuperação do estado de consciência e da hipotonia generalizada apresentando à data de alta discurso escasso e hipofonia, sem afasia, diminuição simétrica da força muscular com marcha possível com apoio. Foi transferida para Serviço de Psiquiatria onde manteve melhoria global embora sem recuperação completa.
A acumulação de metabolitos do dissulfiram induz grave microangiopatia e lesões dos núcleos basais, particularmente do pálido e do putamen. 4 No contexto clínico apropriado as lesões palido-putaminais evidenciadas na RMN indicam toxicidade pelo dissulfiram, fármaco não doseável laboratorialmente.3
Figura I

TC Crânio-encefálica com lesões hipodensas nodulares em ambos núcleos lenticulares (putamen).
Figura II

Ressonância magnética crâneo-encefalica com hipersinal em FLAIR envolvendo o globo pálido, porção posterior do putamen e cápsula externa, de forma simétrica e bilateral.
BIBLIOGRAFIA
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3. Bajaj BK, Singh A. Bilateral symmetrical globus pallidus lesions following disulfiram ingestion. Neurology India 2013; 61: 539-540
4. Tartara E, Fenucchi S, D’Errico I, Farina L, Casoni F, Sinforiani E et al. A Case of Wernicke Encephalopathy Combined with Disulfiram Intoxication. Cogn Behav Neurol. 2013; 26: 93-98
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