Introdução:
O diagnóstico diferencial de uma massa na região da cabeça e pescoço é amplo e inclui tanto etiologias malignas e de rápida progressão como benignas e indolentes. No entanto, pela diferença de abordagem terapêutica e prognóstica das várias situações, esta distinção é crítica e essencial para uma correcta orientação do doente.
Durante a investigação etiológica destas situações clínicas, devem-se considerar três principais categorias: massa congénita (de estudo pouco frequente no adulto), processo inflamatório e processo neoplásico. A história clínica e o exame físico permitem, por norma, o enquadramento numa dessas três categorias, possibilitando uma marcha diagnóstica mais dirigida.
A localização anatómica da massa é um dos parâmetros que pode auxiliar na diferenciação diagnóstica. O conhecimento das estruturas cervicais e dos padrões de drenagem linfática são fundamentais aquando do estudo de alterações nesta região, particularmente quando colocada a hipótese de doença metastática.
Igualmente relevante é a caracterização da massa, permitindo a distinção presuntiva de lesões com aspecto inflamatório de lesões mais sugestivas de processos neoplásicos. No primeiro grupo poder-se-ão incluir as atribuíveis a processos infecciosos (tipicamente linfadopatias virais reactivas [1]), enquanto que no segundo devem ser considerados os linfomas, os paragangliomas, os lipomas ou, quando perante doença metastática, os carcinomas dos aparelhos respiratório ou gastrointestinal.
Como exemplo de doença benigna e frequentemente auto-limitada, embora ocasionalmente confundida com doença neoplásica [2], destaca-se a linfadenite necrosante histiocitária ou doença de Kikuchi-Fujimoto. A forma de apresentação mais comum é a linfadenopatia cervical (74%-90% dos casos) ou supraclavicular [1-8]. As adenopatias têm geralmente um diâmetro inferior a 3 cm, apresentam consistência firme e são por vezes dolorosas à palpação. A linfadenopatia generalizada ocorre numa minoria dos doentes (5% dos casos) [9], tal como a presença de linfoadenopatias em localizações menos comuns (axilares, epitrocleares, mediastínicas, ilíacas ou peripancreáticas).
Caso Clínico:
Apresenta-se o caso de uma doente do sexo feminino, raça negra e 39 anos, com história de hipertensão arterial e enxaqueca, encontrando-se medicada em ambulatório com valsartan + hidroclorotiazida, rilmenidina, nifedipina, e ácido valpróico. Recorreu ao Serviço de Urgência da área de residência por tumefacção occipital muito dolorosa e de crescimento progressivo nos 3 dias prévios à observação. Quando inquirida, referia ainda história de hipersudorese nocturna e febre com dois meses de evolução, inicialmente contínua e posteriormente esporádica e de predomínio vespertino. Para além da tumefacção atrás mencionada, referia ainda outras de menores dimensões e de localização cervical posterior, supra-clavicular direita e cervicais bilaterais, algumas delas com regressão espontânea.
À observação destacava-se a presença de massa dolorosa à palpação, com sinais inflamatórios associados, de consistência elástica, não aderente aos planos profundos e com cerca de 3cm de diâmetro. Palpavam-se ainda pequenas adenopatias (máximo 1cm de maior diâmetro) supra-clavicular esquerda e cervicais bilaterais.
Da avaliação analítica obtida à admissão destacava-se apenas a presença de leucopenia (2,80 × 109/L) com inversão da fórmula leucocitária e anemia microcítica/hipocrómica, sem outras alterações significativas. Tendo efectuado radiografia de tórax que evidenciou imagem sugestiva de alargamento mediastínico, procedeu-se à realização de tomografia computorizada (TC) cervical e torácica, constatando-se a presença de múltiplas adenopatias cervicais bilaterais, homogéneas e sem sinais de necrose, assim como alguns nódulos subcutâneos nas partes moles da nuca em provável relação com adenopatias com diâmetros inferiores a 1cm. Estes dados foram interpretados como sendo sugestivos de doença linfoproliferativa.
Nesta fase, optou-se então pelo internamento no Serviço de Medicina Interna para melhor caracterização da situação clinica e investigação etiológica.
De entre as causas infecciosas mais prováveis, consideraram-se as hipóteses diagnósticas de infecção por vírus da imunodeficiência humana (com eventual síndrome de seroconversão), citomegalovírus, vírus Epstein-Barr e toxoplasmose, tendo-se revelado negativas todas as serologias para estes agentes. A suspeita de tuberculose com envolvimento ganglionar foi igualmente excluída após realização de teste de Mantoux (que se revelou anérgico) e de teste Interferon Gamma Realease Assay – IGRA (o qual foi negativo).
Para avaliação de eventual relação com quadro auto-imune (nomeadamente com lúpus eritematoso sistémico – LES, artrite reumatoide e síndrome de Sjögren) foi solicitado estudo analítico da auto-imunidade (anticorpo anti-nuclear - ANA, anticorpos nucleares extraíveis – ENA, factor reumatóide, anticorpo anti-peptídeo citrulinado – CCP e complemento), encontrando-se todos os exames dentro dos parâmetros da normalidade.
No que respeita à avaliação de doença neoplásica, e tendo o anterior estudo por TC excluído alterações neoformativas a nível torácico e cervical, foi efectuada electroforese das proteínas séricas e doseamento de imunoglobulinas, não se documentando picos mono ou policlonais. Não se tendo obtido qualquer resposta concreta após a realização de estudos analíticos e imagiológicos, procedeu-se à excisão de adenopatia occipital para avaliação histopatológica. O exame revelou a presença de tecido de gânglio linfático com lesões compatíveis com doença de Kikuchi-Fujimoto (linfadenite necrotisante), realçando-se ainda a pesquisa negativa de microrganismos com recurso às colorações com ácido periódico-Schiff – PAS, Grocott-Gomori e Ziehl-Neelsen Fite.
Assumido o diagnóstico de doença de Kikushi-Fujimoto, foi instituída terapêutica com anti-inflamatório não-esteróide, a qual foi posteriormente substituída por prednisolona face à ausência de melhoria sintomática. A doente teve alta clínica com indicação para manter seguimento em consulta de Medicina Interna, conseguindo-se nos meses seguintes uma redução gradual da corticoterapia até um mínimo de predisolona 5mg/dia. Desde então, e por ausência de melhoria sintomática, foi iniciada corticoterapia com prednisolona. Mantém actualmente seguimento em consulta tendo em conta a comum associação desta doença com outras patologias auto-imunes, nomeadamente o LES.
Discussão:
A doença de Kikuchi-Fujimoto é uma entidade benigna, autolimitada, de evolução aguda/subaguda e caracterizada não só pela documentação de adenopatias (na maioria dos casos cervicais), mas também pela presença de sintomas constitucionais tais como febre, astenia, perda ponderal, mialgias e artralgias [8]. O surgimento de rash urticariforme, sintomas gastrointestinais ou hepatoesplenomagalia é verificado menos frequentemente.
Embora a sua etiologia seja ainda hoje desconhecida, alguns autores consideram a doença de Kikuchi-Fujimoto uma síndrome lúpus-like dada a sua semelhança clínica, laboratorial e histopatológica com o LES [8]. A sugestão de que esta doença possa ser uma manifestação primária de LES ou com o qual tenha uma associação frequente, justifica a vigilância clínica regular e a realização de testes imunológicos periódicos nestes doentes [5,7].
O tratamento baseia-se essencialmente no uso de antipiréticos para controlo da febre e de analgésicos (anti-inflamatórios não-esteróides ou corticoides) com o intuito de controlar a dor associada às adenopatias [6]. Embora o uso de corticoides seja recomendado tanto no envolvimento localizado como generalizado, a sua eficácia não é ainda totalmente entendida [3]. O prognóstico é bastante favorável na maioria dos doentes.
Tratando-se de uma doença rara, cuja incidência é estimada entre 0,5%-5% de todas as adenopatias avaliadas histologicamente [8], não é habitualmente considerada como hipótese diagnóstica perante um doente com massa e/ou adenopatias cervicais. A sua célere e correcta identificação poderá evitar exames complementares desnecessários e iatrogenias associadas a terapêuticas mais agressivas destinadas a situações clínicas potencialmente mais graves e com as quais a apresentação da doença de Kikushi-Fujimoto pode apresentar similitudes [8].
BIBLIOGRAFIA
1.Kikuchi-Fujimoto disease: retrospectivestudy of 91 cases and review of the literature. Dumas G, Prendki V, Haroche J, Amoura Z, Cacoub P, Galicier L, Meyer O, RappC, Deligny C, Godeau B, Aslangul E, Lambotte O, Papo T, Pouchot J, Hamidou M,Bachmeyer C, Hachulla E, Carmoi T, Dhote R, Gerin M, Mekinian A, Stirnemann J,Charlotte F, Farge D, Mo. Nov 2014, Medicine (Baltimore).
2. Histiocytic necrotising lymphadenitis inmediastinum mimicking thymoma or lymphoma - case presentation and literaturereview of Kikuchi Fujimoto disease. Błasiak P, Jeleń M, Rzechonek A, Marciniak M, Pawełczyk K, Cianciara J,Kołodziej J, Muszczyńska-Bernhard B. Mar 2016, Pol J Pathol.
3. Med Assoc. .Alam H, Saeed MO, Saeed AB, Zaidi A. Kikuchi disease. J Pak. Dec 2015.
4. Pathogenesis, diagnosis, and managementof Kikuchi-Fujimoto disease. Deaver D, Horna P, Cualing H, Sokol L. Oct 2014, Cancer Control.
5. Lymphadenopathy syndrome in systemic lupus erythematosus:Is it Kikuchi-Fujimoto disease? Salman-Monte TC, Pérez Ruiz J, Almirall M, Campillo Ibáñez MÁ, Barranco SanzLC, Carbonell Abelló J. Jan - Feb 2017, Reumatol Clin.
6. Kikuchi-Fujimoto disease:a rare but important differential diagnosis for lymphadenopathy. Srikantharajah M, Mahendra P, Vydianath B, Lowe GC. Sep 2014, BMJ Case Rep.
7. Kikuchi Disease-Like InflammatoryPattern in Cutaneous Inflammatory Infiltrates Without Lymph Node Involvement: ANew Clue for the Diagnosis of Lupus? Thai LH, Ingen-Housz-Oro S, Godeau B, Rethers L, Wolkenstein P, Limal N,Papillon V, Kapfer J, Chosidow O, Ortonne N. Nov 2015, Medicine (Baltimore).
8. [Histiocytic necrotizing lymphadenitis: (Kukuchi-Fujimotodisease): a diagnostic challenge]. Antunes I, Botella A, Marques F, Araújo I, Abreu A, Cardiga R, Leitão A,Fonseca C, Ceia F. Dec 2011, Acta Med Port.
9.Doença de Kikuchi-Fujimoto.Rogério Gastal Xavier; Denise Rossato Silva; Mauro Waldemar Keiserman; Maria Francisca Torres Lopes.Dec. 2008,J. bras. pneumol. vol.34 no.12 São Paulo