Introdução
O bacilo da tuberculose foi descoberto no fim do século XIX por Robert Koch e, apesar da melhoria das condições de vida da humanidade e da existência de tratamento eficaz e barato, a tuberculose mantém-se, ainda hoje, um grave problema de saúde pública a nível mundial1, 2. Em Portugal, a taxa de incidência em 2015 foi de 19,2 por 100 mil habitantes3. Segundo o European Centre for Disease Prevention and Control, 29% dos casos reportados em Portugal referiam-se a casos de tuberculose extrapulmonar4. O diagnóstico de tuberculose extrapulmonar constitui um grande desafio para o médico e um elevado nível de suspeição à partida nem sempre é suficiente para a obtenção de um diagnóstico rápido.
Descrição do caso
Homem de 59 anos, agricultor, que em março de 2014 recorre ao médico por dor retroesternal, fadiga, tosse seca persistente e febre alta (40°C) com cerca de 14 dias.
Enquadramento: hipertenso controlado, malária aos 21 anos e episódio interpretado como brucelose provável com tratamento completo.
Em março de 2014 a prova de Mantoux, serologias víricas e Wright foram negativas. A tomografia computorizada (TC) do tórax revelou “adenopatias que captam o produto de contraste de forma heterogénea”, nos espaços pré-traqueal, pré-carinal, sub-carinal e hilar direito. A biópsia incisional de 2 dessas adenopatias, obtida por mediastinoscopia, revela “gânglios linfáticos com dilatação sinusoidal e abundantes depósitos de pigmento antracótico, sem granulomas nem aspetos sugestivos de doença linfoproliferativa. Conclusão: antracose ganglionar”. Broncofibroscopia (BFC) com lavado bronco-alveolar (LBA), em maio de 2014, sem achados de relevo. Medicado com prednisolona 40mg/dia, ficou assintomático durante o tratamento inicial, mas reapareceram sintomas (fadiga, mal-estar, disfagia e dor retroesternal) durante a redução da dose e foi enviado à consulta de Medicina Interna. Realizou TC torácica (Fig. 1 e 2), com achados semelhantes aos descritos no exame anterior e endoscopia digestiva alta que revelou compressão extrínseca do esófago. Repetiu BFC: “infiltração mucosa nos brônquios principal e lobar superior direitos e na face medial do brônquio principal direito observa-se neoformação séssil, com centro nacarado (necrose/caseum), provavelmente resultante de invasão pela massa mediastínica”. A biópsia brônquica mostrou “edema, congestão e moderado infiltrado celular inflamatório mononuclear disperso na lâmina própria; pesquisa de bacilos ácido-álcool resistentes negativa”. A pesquisa de Mycobacterium Tuberculosis (MTB) no aspirado brônquico, em fragmento de biópsia por exame direto e a cultura em meio de Lowenstein foram negativas assim como a pesquisa de ácido desoxirribonucleico (ADN) de MTB por técnica de polimerase chain reaction (PCR). No aspirado brônquico foi identificada flora exclusiva de Staphylococcus aureus sensível à meticilina. Concluiu-se por linfadenite infeciosa e iniciou tratamento com flucloxacilina que cumpriu durante 6 semanas com melhoria clínica e imagiológica (“evidente redução no conglomerado adenopático”).
Dois meses após a conclusão do tratamento antibiótico, reaparecem sintomas (tosse e anorexia), com achados sobreponíveis na TC. Repetiu BFC: “na face medial do brônquio principal direito neoformação mole” e biópsia a mostrar “metaplasia escamosa do epitélio e infiltrado celular inflamatório mononuclear e alguns granulomas epitelióides”, citologias negativas para a presença de células neoplásicas. A pesquisa de hifas e MTB em exame direto, cultural e por PCR no aspirado brônquico e no LBA foram negativas. O LBA apresentou uma celularidade de 2.3x106 com relação de linfócitos CD4/CD8 de 3,261 e a serologia para o vírus da imunodeficiência humana 1 e 2 era negativas. As provas funcionais respiratórias e a capacidade de difusão do monóxido de carbono eram normais.
Assumiu-se o diagnóstico de sarcoidose provável, seguida com vigilância clínica sem terapêutica. Manteve sintomas de tosse, astenia e períodos de anorexia. Em outubro de 2015, repetiu TC toraco-abdominal, que mostrou aumento do tamanho das adenomegalias torácicas, aparecimento de adenomegalias na cavidade abdominal (em topografia peri-celíaca, porto-cava, adjacentes à pequena curvatura gástrica e peri-aórticos) e um nódulo na supra-renal (SR) direita (21mm).
A TC toraco-abdominal de follow-up (Fig. 3), em abril de 2016, evidenciou “aumento dimensional importante do nódulo da supra-renal, actualmente com 41x25mm, com washout indeterminado”. Realizou estudo funcional adrenal, cortical e medular SR que foi normal. Decidida adrenalectomia direita e exérese de gânglio retroperitoneal por laparoscopia. Histologia com “numerosos granulomas tuberculoides” em todas as amostras colhidas, com pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente negativa. Não tendo sido enviada amostra para estudo microbiológico foi efetuada pesquisa de ADN de MTB por PCR (MTB Q-PCR Alert Kit, ELITech®), na peça histológica após desparafinação que foi positiva. Prova de Mantoux positiva (induração de 22mm).
Efetuou tratamento antibacilar durante 12 meses com resolução dos sintomas e aumento de peso. Repetiu TC toraco-abdominal, que não revelou adenomegalias mediastínicas ou retroperitoneais.
Discussão
Sarcoidose e tuberculose são doenças granulomatosas frequentes, com uma taxa de incidência que não é muito diferente em Portugal. Podem ter manifestações clínicas semelhantes e obrigam, por isso, a um diagnóstico diferencial cuidadoso. O diagnóstico de sarcoidose é um diagnóstico de exclusão e o diagnóstico definitivo de tuberculose obriga à demonstração da presença do bacilo de Koch nos espécimes biológicos colhidos. A tuberculose extrapulmonar ocorre em 10 a 42% dos casos2, pode afetar qualquer órgão, apresenta manifestações clínicas pouco específicas (febre; sudorese noturna; perda de peso) e desenvolve-se, na maior parte dos casos, por disseminação linfática e/ou hematogénia a partir de um foco pulmonar de infeção primária5. A linfadenite bacilar é a forma mais frequente de tuberculose extrapulmonar e constitui geralmente uma reativação da doença anos após a primoinfeção. A tuberculose é uma causa muito rara de massa suprarrenal unilateral6,7. O diagnóstico de tuberculose extrapulmonar depende do grau de suspeição clínica e, no estudo de adenopatias e de outros tecidos, quando o diagnóstico de tuberculose é uma possibilidade, devem ser enviadas para estudo microbiológico amostras a fresco, com uma pequena quantidade de solução salina estéril, para evitar a secagem, uma vez que a fixação em formol destrói as micobactérias e impede o seu crescimento em cultura. Apesar da Organização Mundial de Saúde ainda não recomendar a utilização sistemática de PCR para despiste de tuberculose em espécimes não respiratórios, a possibilidade de com esta técnica se poder obter um diagnóstico rápido (< 24h) em situações de risco de vida, a sua elevada sensibilidade (95%) e especificidade (100%) em amostras extrapulmonares8 aconselha a sua utilização sistemática em situações de tuberculose meníngea e nas situações em que as amostras só são possíveis de obter por métodos invasivos (mediastinoscopia, laparoscopia, toracotomia, laparotomia)9,10.
No caso clínico apresentado, os exames direto, cultural e pesquisa por PCR negativos para MTB em amostras colhidas por BFC que incluíram biópsia brônquica com granulomas, levaram a considerar precocemente o diagnóstico de sarcoidose. Na abordagem diagnóstica por laparoscopia, em que se pretendia acima de tudo obter um diagnóstico histológico duma massa suprarrenal em crescimento rápido, não foi considerada a hipótese de se tratar duma tuberculose e não foi enviada amostra a fresco para o laboratório de microbiologia. O resultado histológico obrigou a repensar essa possibilidade, foram desparafinadas as peças que tinham sido enviadas para exame histológico e a pesquisa de material genético de MTB por amplificação de ácidos nucleicos foi positiva, o que permitiu o diagnóstico de tuberculose ganglionar e suprarrenal. Não foi possível realizar o teste de suscetibilidade aos antibacilares.
Figura I

TC torácica contrastada - Corte axial em janela de mediastino revela adenomegalia infra-carinal (seta) com necrose central (*), mais vezes associada a tuberculose ou metastização ganglionar.
Figura II

Figura 2 TC torácica contrastada - Corte coronal demonstra conglomerado adenopático (seta) com necrose central infra-carinal. As supra-renais (cabeças de seta) não revelam alterações.
Figura III

Figura 3 TC torácica contrastada - Corte coronal revela aparente resolução do conglomerado adenopático infra-carinal e nódulo de novo na supra-renal direita (setas), de limites regulares, mas com heterogeneidade e áreas focais hipocaptantes.
BIBLIOGRAFIA
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