INTRODUÇÃO
O linfoma difuso de grandes células B (LDGB) é o linfoma não Hodgkin mais comum e caracteriza-se por grandes células B que se agrupam em padrões difusos.1 O diagnóstico é essencialmente histológico, pois a clínica é muito variável e, muitas vezes, pouco específica.2 Este é também o linfoma B que mais frequentemente atinge o coração3.
CASO CLÍNICO
Apresentamos o caso clínico de um homem de 76 anos, autónomo, sem antecedentes médicos conhecidos, com história de alcoolismo crónico, que recorreu ao serviço de urgência por astenia, anorexia, perda ponderal não quantificada e sudorese noturna com um mês de evolução. Referia dispneia para médios esforços e episódios de dispneia paroxística noturna associados a tosse não produtiva com dois meses de duração. Negava ortopneia. Objetivamente apresentava–se caquético, desidratado, com palidez muco-cutânea, normotenso e normocárdico, subfebril (37.7ºC). À auscultação cardíaca não apresentava alterações e à auscultação pulmonar havia diminuição do murmúrio vesicular no 1/3 inferior dos hemitóraxes. No abdómen tinha dor ligeira à palpação profunda do epigastro e nos membros inferiores edemas. Apresentava lesões cutâneas dispersas pelo tronco, dorso e membros, com 4 a 5 cm de diâmetro, de bordos bem definidos, não pruriginosas e indolores associadas a calor e rubor (Fig.1). As duas principais lesões localizavam-se no braço direito, com conteúdo liquido hemático no interior (Fig. 2), e na coxa esquerda.
Da avaliação no serviço de urgência, destacava-se hipoxemia ligeira (paO2 59 mmHg em ar ambiente), hiperlactacidémia (5.3mmol/l), hemograma sem alterações, função renal e hepática normal, LDH 807 mg/dl, PCR 8,1 mg/dl, troponina T 0,222 ng/mL, pro-BNP 3595.0 pg/mL. Na radiografia torácica identificava-se cardiomegalia e nódulos bilaterais (Fig.3) e no eletrocardiograma supra ST em V1-V2 e infra-ST de V3-V6.Realizou um ecocardiograma sumário que identificou derrame pericárdico e levantou a suspeita de uma massa apical do ventrículo direito e outra massa no sulco auriculoventricular direito. Neste contexto, foi admitido no internamento, para continuação do estudo etiológico dos sintomas constitucionais associados a massas cardíacas e lesões dérmicas. Realizou tomografia computorizada que mostrou: defeitos de preenchimento do ventrículo direito no trato de saída, derrame pericárdico de pequeno/médio volume, derrame pleural bilateral de moderado volume, lesões nodulares dispersas por ambos os pulmões (a maior com 4,7 cm), ausência adenopatias, lesão nodular sólida de 4cm no músculo da parede abdominal lateral esquerda e um nódulo sólido de 32 mm no cordão espermático direito; ao nível dos membros evidenciava-se uma lesão sólida de 26 mm no músculo anterior da coxa direita,lesão nodular sólida com 44 mm de diâmetro na região nadegueira esquerda (Fig. 4) e uma lesão sólida subcutânea com 24 mm na vertente lateral da coxa esquerda.
Realizou ecocardiograma transtorácico que detetou massa volumosa, heterogénea, de ecogenicidade intermédia que envolvia os grandes vasos e porção basal das paredes posterior e inferior do ventrículo esquerdo (VE) e transição para o ventrículo direito (VD), aderente ao miocárdio com infiltração deste e extensão intracardíaca, mais exuberante a nível do VD; derrame pericárdico ligeiro a moderado; VE não dilatado, com função sistólica global de 45% (Fig. 5).
Os estudos bacteriológicos (hemoculturas e pesquisa de micobacterium tuberculosis), virológicos (com vírus da hepatite B e C, vírus imunodeficiência humana) e parasitológicos foram negativos. Estudo imune com ligeira elevação de IgA (550 mg/dl), sem outras alterações de relevo. O líquido pleural consistia num exsudado, com predomínio de mononucleares e negativo para células neoplásicas. A imunofenotipagem do sangue periférico não evidenciou alterações. Realizou biópsia de duas lesões da pele (coxa direita e braço homolateral). Durante o internamento evoluiu com episódios de taquicardia ventricular sustentados, oligoanúria e disfunção cardiorrenal, que limitou a realização de mielograma e biópsia óssea. Pelo avançado estadio da doença e baixa reserva funcional do doente, optou-se por estratégia paliativa, vindo a falecer ao 10º dia de internamento, sem diagnóstico definitivo. À posteriori, o resultado da biópsia de pele mostrou um linfoma difuso de grandes células B ativadas, com células neoplásicas a marcarem para CD20, Ki67, bcl2, bcl6 e MUM1.
DISCUSSÃO
O linfoma de grandes células B é o linfoma não Hodgkin mais comum, mais frequente na 7º década de vida e apresenta predomínio pelo sexo masculino.1 As características imunohistoquimícas, genéticas e local de proliferação, dividem-no em vários subtipos, que comportam prognósticos diferentes. A biópsia excisional é a forma de diagnóstico mais adequado, pois permite o estudo da arquitetura celular e citogenética.2
A apresentação clínica destes linfomas é variável, 1/3 dos doentes apresenta sintomas B e alguns tem sintomas relacionados com o órgão/sistema atingido.1 Até 40% dos LNH são extranodais, podendo atingir qualquer órgão, sendo o LGCB o tipo mais frequente. 1,4 A imunossupressão secundária à infeção crónica, induzida por fármacos e/ou fatores ambientais, entre outros, parecem estar a contribuir para o aparecimento mais frequente de LNH extranodais.5,6
No caso apresentado contamos com lesões cutâneas pouco específicas, associadas a síndrome consumptivo e clínica de insuficiência cardíaca.
A pele é um dos locais extra nodais mais comummente afetado pelos LGCB.7,8 As lesões cutâneas são tipicamente eritematosas/violáceas, evoluem para lesões tumorais, e podem ulcerar 6, 8. Esta lesões podem ser pouco especificas e apresentar um crescimento indolente, podendo ser confundidas com outras lesões da pele, como a rosácea e a erisipela.9,10 As lesões quando múltiplas e localizadas aos membros inferiores, geralmente associam-se a um tipo raro de LGCB da pele, os “leg type”, caracteristicamente mais difusos e agressivos.6,8 Frequentemente, o atingimento cutâneo restringe-se aos linfomas primários da pele, mas pode ocorrer em casos de disseminação de doença sistémica, ou de recidivas de lesões ganglionares.11-13 Este doente apresentava lesões típicas, com nódulos violáceos e ulcerados.
Por outro lado, a insuficiência cardíaca era secundária à exuberante massa cardíaca, predominantemente direita, que condicionava alterações da condução e contractilidade. A revisão da literatura mostra-nos que os linfomas raramente atinge o coração 14, mas quando atingem, os LGCB são o tipo mais frequente 3. Nascimento et al. apresenta uma revisão de casos de linfoma primário cardíaco, predominantemente do tipo LGCB, demonstrando uma afetação preponderante do coração direito e associação com alterações eletrocardiográficas, assim como a presença de sintomas subtis como dispneia e dor torácica atípica3. Este autor, afirma que a presença de massas cardíacas no coração direito, devem levantar sempre a hipótese de linfoma3.
No doente citado verifica-se ainda um nódulo testicular e múltiplos nódulos pulmonares. O LGCB são os tipos mais comuns de linfomas testiculares do homem adulto; este tipo de tumor apesar de potencialmente curável quando localizado, apresenta um potencial de recidiva e metastização muito alto.4Neste caso, não foi possível a avaliação histológica destes nódulos, pelo que a hipótese de linfoma testicular com metastização sistémica não pode ser excluída.
Os estudos demonstram que os casos de LGCB apresentam respostas favoráveis à quimio e radioterapia.1,2,15 No caso documentado o doente apresentava grande fragilidade imunológica devido aos hábitos alcoólicos marcados e mau aporte nutricional; por outro lado, a extensa lesão cardíaca induziu taquiarritmias sustentadas e incontroláveis, que contribuíram para a falência cardíaca e consequente disfunção renal. Perante esta situação clínica não favorável, optou-se por não iniciar quimioterapia, pois acreditava-se tratar de um procedimento fútil, numa situação com baixo potencial de reversibilidade.
No caso apresentado verificamos um comportamento muito agressivo de um LGCB do tipo extranodal com aparente envolvimento de múltiplos órgãos, o que obriga ao despite de uma causa de imunossupressão.5,6 Apesar do estudo realizado, apenas foram encontrados como fatores imunossupressores o consumo excessivo de álcool e os deficientes hábitos dietéticos.
Figura I

Lesões múltiplas da perna esquerda.
Figura II

Lesão principal do braço direito.
Figura III

Imagem de radiografia torácica que evidencia cardiomegalia, derrame pleural bilateral, padrão reticular sugestivo de estase e imagens nodulares bilaterais.
Figura IV

Imagem de TC em corte pélvico onde se evidência a presença de uma lesão nodular na região nadegueira com 44 mm.
Figura V

Massa volumosa, heterogénea, de ecogenicidade intermédia visível a nível da parede posterior e inferior do ventrículo esquerdo e ventrículo direito (VD) (fig. a), com extensão intracardíaca (fig. b).
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