INTRODUÇÃO:
A dissecção aórtica aguda (DAA) é uma emergência cardiovascular potencialmente fatal.1-4 É necessário um elevado grau de suspeição clínica para o seu diagnóstico, pois apresenta sintomas muito inespecíficos. 4-6
A incidência é superior nos homens e o principal fator de risco para a DAA é a hipertensão arterial. Outros fatores de risco são idade superior a 65 anos, tabagismo, dislipidemia, doenças do tecido conjuntivo e vasculites.1-2
A sua classificação pode ser baseada na localização, usando o sistema de Stanford, que divide esta patologia em tipo A quando envolve a aorta ascendente e tipo B quando envolve apenas a aorta descendente.1,4
A DA apresenta-se de forma aguda, subaguda e crónica se o início dos sintomas foi há menos de 1 semana, entre 1 semana e 1 mês e mais de 1 mês, respectivamente.1
O tratamento é cirúrgico nos doentes com DAA tipo A, enquanto que, os do tipo B podem ser tratados com terapêutica médica, que visa controlo apertado da tensão arterial e frequência cardíaca.1- 2,6,ou com terapêutica cirúrgica.7
Esta patologia condicionada elevadíssima mortalidade nas primeiras 48h (50%),1,3 principalmente a DAA tipo A, se não for tratada com correção cirúrgica pelo que um elevado grau de suspeita e pronto diagnóstico são essenciais.
CASO CLÍNICO:
Doente do género masculino, de 43 anos, que recorreu ao serviço de urgência por dispneia de início súbito. Negava dor torácica.
Tinha como antecedentes pessoais: síndrome de apneia obstrutiva do sono, obesidade mórbida, dislipidemia, hipertensão arterial e tabagismo (20 UMA).
Estava medicado com perindopril, indapamida, bisoprolol, amlodipina, sinvastatina e pantoprazol.
Ao exame objetivo encontrava-se hipertenso (202/101 mmHg), normocárdico (69 batimentos por minuto (bpm)) e com saturações de oxigénio periféricas em ar ambiente de 85%.
Estava consciente, orientado, colaborante e polipneico. A auscultação cardíaca era regular, sem sopros audíveis e a auscultação pulmonar tinha murmúrio vesicular mantido, com crepitações bibasais. O abdómen não tinha alterações de relevo. Os pulsos femorais e radiais eram simétricos.
Na gasimetria arterial tinha insuficiência respiratória tipo 2, com pH de 7.337, paCO2 de 47.7 mmHg, paO2 de 56.3 mmHg, SaO2 de 85.2% e lactato de 2.7 mmol/L.
Analiticamente tinha hemoglobina de 16.4 g/dL, leucócitos de 9.3 x 103/ul, plaquetas de 233 x 103/ul, azoto ureico de 21.8 mg/dl, creatinina de 1.4 mg/dL, PCR de 7.19 mg/l (Normal < 8 mg/l), troponina T 17.09 pg/ml (Normal < 50 pg/ml) e proBNP de 1671 pg/ml.
A radiografia torácica mostrava alargamento do mediastino e aumento do índice cardio torácico. (Fig. 1)
O eletrocardiograma estava em ritmo sinusal, com frequência cardíaca de 69 bpm e com inversão das ondas T em aVL. Foi admitido um quadro sugestivo de Edema Agudo do Pulmão Hipertensivo e o doente iniciou terapêutica com diuréticos, dinitrato de isossorbida e ventilação não invasiva, sendo internado numa Unidade de Cuidados Intermédios.
No terceiro dia de internamento realizou um ecocardiograma transtorácico que mostrou regurgitação aórtica severa, aneurisma da aorta ascendente e flap sugestivo de dissecção aórtica. (Fig. 2 e 3)
Estas alterações foram confirmadas por angiotomografia computadorizada (Angio-TC) torácica que mostrou uma dilatação aneurismática da aorta ascendente, com 91 mm de calibre, bem como uma dissecção aórtica desde a sua origem até à porção proximal da aorta descendente. (Fig. 4)
O doente foi diagnosticado com DAA tipo A, sendo transferido para a Cirurgia Cardiotorácica, onde foi submetido a intervenção cirúrgica. Encontra-se estável 4 meses após este episódio.
DISCUSSÃO:
Este caso clínico ilustra uma apresentação rara de DAA, com insuficiência cardíaca aguda, provavelmente na sequência da insuficiência aórtica severa detectada no ecocardiograma efetuado. A maioria dos doentes apresenta-se com dor torácica severa, com irradiação posterior e início abrupto.1 Porém cerca de 10% dos doentes são assintomáticos ou apresentam sintomas atípicos como dispneia, hipotensão, síncope ou insuficiência cardíaca aguda.2-3, 6-7
Em 25 a 50% dos casos o diagnóstico errado deve-se à DAA mimetizar outras patologias, como se observa neste caso.3,7,9
Tendo em conta a alta taxa de mortalidade desta entidade (aumenta 1 a 2% por cada hora sem tratamento após início dos sintomas),1,8 a suspeição clínica e o conhecimento dos fatores de risco são de extrema importância. Este doente apresentava três fatores de risco para a DAA - hipertensão arterial, tabagismo e dislipidemia.
Além da história clínica, o exame objetivo pode proporcionar pistas para o diagnóstico. Por exemplo cerca de 35% dos doentes com dissecção proximal apresentam-se hipertensos e cerca de 20% dos doentes apresentam diferenças entre pulsos. Outro achado clínico é a existência de murmúrio diastólico (presente em 50% dos doentes).1,6,8 Neste caso, o doente estava hipertenso e não apresentava as restantes alterações descritas.
O diagnóstico definitivo é feito pela Angio-TC torácica,2 no entanto, outros exames podem levantar a suspeita de DAA,3,6 como ilustrado neste caso clínico.
O objetivo da cirurgia nos doentes com DAA tipo A é prevenir o tamponamento cardíaco e a isquemia miocárdica. Neste caso o doente teve uma excelente resposta ao tratamento,no entanto, mesmo os doentes intervencionados têm uma taxa de mortalidade entre 12 a 30%.2
Em conclusão, a suspeição clínica é um dos principais fatores que contribui para o diagnóstico atempado. Por este motivo, os médicos devem reconhecer os sintomas e os fatores de risco mais comuns e estar alerta para as apresentações atípicas. A conjugação de uma boa anamnese e de um exame físico apurado contribui para a suspeição clínica e para o diagnóstico.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Dra Teresa Alfaiate, do Serviço de Medicina Interna pela ajuda na elaboração do artigo. Agradecem ainda à Dra Isabel Bessa e à Dra Helena Santos pela ajuda prestada na transferência deste doente para o Serviço de Cirurgia Cardiotorácica.
PROTECÇÃO DE PESSOAS E ANIMAIS
Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.
CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS
Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação de dados.
CONFLITOS DE INTERESSE
Os autores declaram não terem qualquer conflito de interesse relativamente ao presente artigo.
Figura I

Figura 1 - Radiografia torácica que revela alargamento do mediastino e aumento do índice cardio torácico.
Figura II

Figura 2 - Ecocardiograma transtorácico que revela regurgitação aórtica severa.
Figura III

Figura 3 - Ecocardiograma transtorácico que revela a presença de um flap (seta vermelha) sugestivo de dissecção aórtica.
Figura IV

Figura 4 - Angiotomografia computorizada torácica que revela dilatação aneurismática da aorta ascendente (A e B), bem como uma dissecção aórtica desde a sua origem (identificada pela seta vermelha).
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