Introdução: A dissecção espontânea de artéria coronária é uma causa rara de síndrome coronário agudo, ocorrendo em cerca de 1 a 4% dos casos
1,5,8. É mais frequente em mulheres, com idade média aos 45 anos
2,6,10. Os fatores predisponentes incluem o parto, a displasia fibromuscular, terapia hormonal, a agitação psicomotora, o exercício físico extremo, as drogas simpaticomiméticas e atividades que provoquem manobra de valsalva intensa
3,4,12,13,15. A apresentação clínica é semelhante à dos síndromes coronários agudos por aterosclerose
10, sendo o diagnóstico efectuado por angiografia coronária. O vaso afectado com maior frequência é a descendente anterior, podendo ocorrer também dissecções multivasos em até 23% dos casos.
3,7, 10, 11,13,15 O tratamento conservador é o mais adequado nos doentes estáveis. Em casos particulares a revascularização pode estar indicada. A terapêutica após dissecção espontânea de artéria coronária é controversa.
1.8,9,12 A mortalidade aguda intra-hospitalar é baixa e a percentagem de doentes tratados de forma conservadora que necessitam de revascularização urgente é reduzida
9,15.
Caso Clínico: Mulher, 52 anos, antecedentes de síndrome depressivo e dislipidemia, medicada com paroxetina e alprazolam. Recorreu ao serviço de urgência por dor precordial opressiva, com cerca de 6 horas de evolução, acompanhada de náuseas. Do historial recente referência a realização de endoscopia digestiva alta há 3 dias, de difícil tolerância, com várias tentativas de auto-extubação. Ao exame físico de salientar apenas perfil tensional elevado. Dos exames complementares realizados: eletrocardiograma - ritmo sinusal, inversão onda T em V4 e V5; telerradiografia do tórax - sem infiltrados ou condensações e sem alargamento do mediastino; Análises - CK total 159 U/L, CK-MB 16 U/L, Mioglobina 51 ng/mL, Troponina 1.59 ng/mL. Foi neste contexto admitido o diagnóstico de enfarte agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST e a doente foi internada na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente. Durante o internamento não teve recorrência da dor torácica ou qualquer outro sintoma de novo. Não se verificaram novas alterações eletrocardiográficas, nem subida dos marcadores de necrose do miocárdio. O ecocardiograma revelou hipomobilidade septal e
strain 4C e 3C diminuído, sem outras alterações de relevo. A angiografia coronária revelou “descendente anterior com aparente
flap no segmento médio sugestivo de dissecção espontânea longa (fluxo TIMI3)”. (Fig. 1 e 2) Manteve anti-agregação dupla e beta bloqueador até repetição de angiografia coronária que mostrou: “ectasia no segmento proximal da descendente anterior, sem outras alterações”, desde então mantém apenas ácido acetilsalicílico e bisoprolol, com controlo dos fatores de risco cardiovasculares, bem como indicação para evicção de situações que impliquem maior stresse e ansiedade.
Discussão: A dissecção espontânea de artéria coronária tem vindo a ganhar atenção, como causa de síndrome coronário agudo em mulheres mais jovens. Mesmo sem fatores predisponentes, existem fatores de stresse que podem contribuir para a sua ocorrência. No caso descrito salienta-se a endoscopia digestiva alta que segundo o relatado foi extremamente traumática. As intercorrências associadas à endoscopia são raras, e mais ainda se esta for apenas diagnóstica, e incluem eventos cardiorrespiratórios, infecção, perfuração e hemorragia. As complicações cardiopulmonares são as mais frequentes, 60% dos quais se relacionam com a sedoanalgesia. A angiografia coronária é a principal ferramenta para o diagnóstico, apesar das suas limitações. Os achados classificam a dissecção em três tipos: 1 - defeito de preenchimento longitudinal, que ocorre em 29% dos casos; 2 - estenose difusa e hematoma intramural que causa compressão, podendo ocorrer em 67% dos doentes e 3 - estenose focal ou tubular e que mimetiza a aterosclerose
3,4,10,13,14. No caso era descrita na angiografia uma “descendente anterior com aparente
flap no segmento médio sugestivo de dissecção espontânea longa”, permitindo assim classificá-la como tipo 1. Tal como nesta doente, nos exames ecocardiográficos têm sido relatadas alterações da motilidade, em especial a nível da parede no ventrículo esquerdo, porém sem compromisso da sua fracção de ejeção
10,11,15.O tratamento pode ser dividido em tratamento médico e invasivo. O tratamento médico, realizado em cerca de 75% dos doentes, está indicado nos casos estáveis em que não exista recorrência dos sintomas
1,8,9,12, 14. A terapêutica com dupla antiagregação é importante pois reduz a trombose no falso lúmen e assim diminui a compressão. Os beta-bloqueadores diminuem o stresse peri-lesão e o risco de recorrência. Na ausência de aterosclerose as estatinas não provaram qualquer benefício, bem como os inibidores da enzima conversora da angiotensina na ausência de disfunção do ventrículo esquerdo. O uso anticoagulantes e fibrinolíticos é controverso, devido à probabilidade de aumentar a disseção e o hematoma intramural e devem ser evitados
1,8,9,12,14,15. Ao comparar-se os tratamentos verificou-se que o tratamento médico tem um melhor
outcome do que o invasivo, e por essa razão este deve ser limitado a doentes de alto risco ou quando a terapêutica médica falha
14.A mortalidade aguda intra-hospitalar é <5%
15 e apenas 7-14% dos doentes, que foram tratados de forma conservadora, necessitam de revascularização urgente. Após alta hospitalar, as queixas cardiovasculares são frequentes e incluem dor torácica, recorrência de isquemia do miocárdio ou da disseção de artéria coronária, insuficiência cardíaca congestiva.
9,10,15.Após um síndrome coronário agudo devido a disseção de uma artéria coronária, os doentes devem ser monitorizados de forma apertada e referenciados para programas de reabilitação. O exercício aeróbico é seguro e recomendado, porém devem ser evitados exercícios isométricos intensos e treinos de resistência que requerem manobras
bearing-down5,9, 10. Em mulheres em idade fértil, a gravidez deve ser evitada devido ao risco elevado de recorrência
9,10.
Figura I

Cateterismo: Disseção da descedente anterior
Figura II

Cateterismo: Disseção da descedente anterior
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