Introdução
Os Linfomas Não-Hodgkin (LNH) correspondem a distúrbios malignos heterogéneos que tipicamente se desenvolvem nos gânglios linfáticos, mas que podem ocorrer em qualquer outro tecido/órgão. Dentro destes, o Linfoma Folicular (LF) é o segundo linfoma mais comummente diagnosticado nos EUA e Europa ocidental, correspondendo a 35% de todos os LNH e representando 70% de todos os linfomas indolentes. A média de idade ao diagnóstico é de 65 anos[1].
Para caracterizar estas neoplasias linfoproliferativas torna-se necessário a sua classificação, utilizando para isso a avaliação do Índice de Prognóstico Internacional do Linfoma Folicular (FLIPI), que inclui: idade, grau, número de áreas nodais envolvidas, valor de desidrogénese lática (DHL) e hemoglobina[1]. É também utilizado o sistema de Ann Arbor para o estadiamento dos LNH, com base na localização da doença e existência de sintomas sistémicos e/ou massas tumorais, embora esta classificação apresente algumas limitações neste tipo de linfomas[2]. Os LF podem ainda ser estadiados de 1 a 3, segundo a classificação da World Health Organization, consoante os centrócitos e centroblastos, sendo a doença tanto mais agressiva quanto maior o número de centroblastos encontrados. [1].
Na maioria dos casos, a forma de apresentação dos LF é, geralmente, o aparecimento de linfadenopatias assintomáticas, estando os chamados sintomas B (perda de peso, suores noturnos e febre) presentes em menos de 20% dos casos[1].
O envolvimento da medula óssea está presente em cerca de 70% dos LF, sendo pouco frequente o envolvimento de outros órgãos. Contudo, o envolvimento de outros locais pode estar presente à apresentação em 25-40% da generalidade dos LNH. [3]
Com este trabalho pretende-se relatar o caso de uma doente com LF com uma apresentação pouco comum, incluindo atingimento tumoral do grande epíplon, o que é um achado muito raro em todos os LNH.
Caso clínico
Mulher, caucasiana, 71 anos, sem antecedentes médicos de relevo. Recorreu ao serviço de urgência por dispneia progressiva com 3 semanas de evolução, progredindo até dispneia em repouso. Referência a hipersudorese nocturna nos 4 meses prévios, com perda ponderal ligeira (menos de 3% do peso corporal) nesse período. Referia ainda pirose em decúbito dorsal, com duas semanas de evolução.
Ao exame objectivo, apresentava bom estado geral, sendo de salientar como achados positivos a abolição dos sons respiratórios na metade inferior do hemitórax direito e volumosa massa abdominal peri-umbilical, de consistência dura, indolor e pouco móvel. Encontrava-se apirética, hemodinamicamente estável e não apresentava adenomegalias periféricas palpáveis.
Do estudo efectuado a salientar: anemia normocítica normocrómica ligeira (11,5g/dL), trombocitose (497000u/L), Proteína C Reactiva elevada (90,30 mg/L), DHL plasmática aumentada (1199U/L) e serologias víricas (VIH, VHB, VHC) negativas.
A radiografia torácica mostrou opacidade na metade inferior do hemitórax direito, correspondendo a volumoso derrame pleural - confirmado por tomografia computorizada (TC) do tórax, que não evidenciou outras alterações relevantes. Efectuada toracocentese diagnóstica, com saída de líquido pleural (LP) límpido, cítrico, compatível com exsudado (DHL pleural/soro = 2,63 com DHL pleural 3157U/L), com predomínio de mononucleares e outras células não hematológicas (52%), sem isolamento de microrganismos. Enviada amostra para imunofenotipagem.
Na TC abdominal confirmou-se a presença de volumosa massa tumoral centrada na raiz do mesentério com 145x118mm, massas pélvicas de menores dimensões e linfadenopatias retroperitoneais, mesentéricas, assim como densificação reticular do grande epíplon e nódulos subcutâneos ao nível da parede abdominal e peri-umbilical (Figura 1). Era ainda evidente hepatomegalia homogénea, apresentando o baço dimensões e características normais.
Durante o estudo, realizou ainda imunofenotipagem do sangue periférico, que não revelou alterações.
A imunofenotipagem do LP, biópsia pleural e histologia da massa abdominal demonstraram tratar-se de um linfoma de células B do centro folicular, dadas as características morfológicas e imunocitoquímicas encontradas (CD20 +, CD10 +, hiperexpressão de Bcl-2; Bcl-6 +, cadeias leves kappa +, CD45 +, CD19+, CD38+, CD5-, HLA-Dr+CD138-, D71-, CD30-).
Para estadiamento foi realizado PET Scan (positron emission tomography), que evidenciou doença linfoproliferativa metabolicamente activa ao nível da massa mesentérica, das massas pélvicas, das cadeias ganglionares supra e infradiafragmáticas, do nódulo subcutâneo peri-umbilical e da pleura direita (Figura 2), excluindo-se envolvimento medular.
Mediante os achados de todos os exames complementares foi feito o diagnóstico de Linfoma Não Hodgkin folicular G3 em estadio IV-B de Ann Arbor e Score de FLIPI de 4 (alto risco).
A doente iniciou quimioterapia com Rituximab, Ciclofosfamida, Vincristina e Prednisolona em regime de internamento para monitorização de complicações e da evolução clínica, tendo alta oito dias após o primeiro ciclo. Cumpriu até à data 4 ciclos de quimioterapia, com melhoria dos sintomas B, sem recidiva de dispneia ou do derrame pleural e sem evidência de síndrome de lise tumoral. Verificada ainda diminuição marcada das dimensões da massa abdominal em TC de reavaliação (Figura 3).
Discussão
O LF é um distúrbio linfoproliferativo indolente, tipicamente caracterizado por adenopatias periféricas assintomáticas, envolvimento medular, esplenomegalia e, de forma menos comum, envolvimento extranodal[1]. No caso descrito, nenhum destes achados mais frequentes foi encontrado.
A sintomatologia apresentada pela doente, com sintomas B (hipersudorese noturna com 4 meses de evolução e ligeira perda ponderal), o possível envolvimento pleural e a elevação da DHL fizeram desde logo levantar a suspeita de doença linfoproliferativa. Contudo, estes são achados pouco frequentes no subtipo de LNH que a doente apresenta. De facto, a dispneia progressiva relacionada com o derrame pleural de grande volume por envolvimento pleural é pouco habitual no LF, especialmente sem a presença de linfadenopatias periféricas[5]. Porém, em alguns estudos o derrame pleural pode ser um achado existente à apresentação de até 20% dos casos de LNH[6]. Da mesma forma, a elevação da DHL é um achado pouco frequente, sabendo-se que a sua presença se relaciona sobretudo com linfomas de alto grau[7,8].
A imagem de TC abdominal permitiu esclarecer não só as características e dimensão da massa abdominal objectivada no exame físico, mas também identificar as múltiplas adenopatias infradiafragmáticas e massas pélvicas descritas, levantando-se a hipótese de se tratar de um linfoma com envolvimento abdominal, pélvico e do grande epíplon. A presença de linfomatose peritoneal, associada a este tipo de LNH, foi previamente documentada em doentes que apresentam distensão abdominal e ascite, achados estes que não existiam no presente caso clínico[9-11].
O envolvimento do grande epíplon é o achado imagiológico que torna este caso ainda mais incomum, pois trata-se do atingimento de uma estrutura pobre em tecido linfóide[12]. Salienta-se ainda que a existência de massas peritoneais e espessamento dos folhetos mesentéricos traduzindo-se imagiologicamente com aspeto deomental cake, ainda que rara, quando presente, parecer estar mais associada ao linfoma do trato gastrointestinal, o que não se verifica neste caso, tornando-o ainda mais particular[13].
A apresentação clínica com metastização pleural, aumento da DHL, atingimento extranodal e sintomas B, poderia sugerir um outro subtipo de LNH, nomeadamente um linfoma difuso de grandes células B, que não corresponde ao diagnóstico histológico deste caso. Este tipo de linfoma está associado a envolvimento mais extenso da doença, rápida progressão e a pior prognóstico. Sabe-se que em 25-30% dos doentes com LF indolente poderá existir transformação em linfoma difuso de grandes células B (risco de 2-3% ao ano) [8,14].
Esta evolução/transformação poderá explicar as particularidades deste caso, embora ainda sem evidência histológica comprovada, pelo que os sintomas B, metastização pleural e envolvimento do grande epíplon tornam a apresentação deste LF muito rara.
Figura I

A) Visualização de derrame pleural direito e massa abdominal volumosa em corte sagital. B) Corte transversal de TC a mostrar massa abdominal volumosa (145x118 mm).
Figura II

Imagem de corte sagital (A) e coronal (B) de PET Scan a evidenciar áreas metabolicamente activas ao nível da massa abdominal, pleura direita e duas massas pélvicas.
Figura III

Corte sagital de TC toraco-abdomino-pélvico. A) Imagem da admissão a evidenciar volumosa massa abdominal, bem como derrame pleural direito. B) Imagem após 4 ciclos de quimioterapia com regressão franca das dimensões da massa abdominal (92x73mm), bem como ausência de derrame pleural.
BIBLIOGRAFIA
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