Introdução
O síndrome de Ehler-Danlos tipo hipermóvel (tipo III, OMIM #130020) (EHD III) é uma patologia do tecido conjuntivo autossómica dominante, cuja etiologia genética permanece desconhecida na maioria dos casos. O diagnóstico assenta em critérios clínicos mal definidos, com grande variabilidade fenotípica, admitindo-se uma prevalência de 1/100 a 1/5000.1
Trata-se de uma doença caracterizada por hipermotilidade articular, hiperextensibilidade da pele e fragilidade dos tecidos, associado a uma variedade de queixas multisistémicas como palpitações, síncope, diarreia, obstipação e alterações da termorregulação.2
As manifestações de disautonomia descritas nestes doentes incluem síndrome de taquicardia postural ortostática (POTS) 1, 2, aumento da actividade simpática em repouso, diminuição da capacidade adaptativa a alterações cardiovasculares agudas, incapacidade de gerar um nível de vasoconstrição periférica adequado. Os sintomas podem ser provocados pelo ortostatismo, exercício físico, refeições, ambientes quentes ou banhos quentes. O mecanismo não se encontra completamente esclarecido; tem um componente de neuropatia periférica mas também de excessiva distensibilidade dos vasos sanguíneos que leva a um menor retorno venoso.2
Além da disautonomia com repercussão nos mecanismos de adaptação cardiovasculares, os doentes com EHD III também podem apresentar envolvimento cardiovascular por outros mecanismos que consistem em a) discreto prolongamento do intervalo PR e da onda P; b) arritmias cardíacas e excesso na conductividade cardíaca; c) insuficiência mitral e tricúspide frequentemente associada a prolapso mitral. O significado destas alterações ainda não é claro pelo que as suas consequências a longo prazo não são conhecidas.3
Caso clínico
Os autores descrevem um caso de uma mulher de 49 anos, enfermeira de profissão, que se apresentava com um quadro de 11 anos de evolução, de agravamento progressivo, de lipotímias e sincope, ocasionais, com pródomos de tonturas, aquando da posição ortostática, com recuperação completa e imediata e com uma duração de poucos segundos, sem aparentes movimentos involuntários ou incontinência de esfíncteres. Da investigação prévia, destaca-se documentação de taquicardia sinusal com o ortostatismo, tendo sido medicada com beta-bloqueante com ligeira melhoria do quadro. Realizou no nosso Centro uma avaliação do Sistema Nervoso Autónomo (SNA), que mostrou falência do baroreflexo, sem hipotensão ortostática; no entanto, à data estava medicada com midodrine, ivrabradina, fludrocortisona, o que dificultava a interpretação dos resultados. Foi internada para suspensão da terapêutica e repetição das provas de sistema nervoso autónomo.
Como antecedentes, referia poliartralgias com início na adolescência, cirurgia a luxação da articulação temporo-mandibular, osteoporose e predisposição para alterações tendinosas/ligamentares, com entorse da tibiotársica e tendinite no antebraço por traumatismo mino.
É a mais nova de uma fratria de 4, com pais não consanguíneos (figura 1); mãe (I.2) com luxação congénita da rótula do joelho direito, hipotensão ortostática, osteoporose desde os 60 anos e neoplasia da mama aos 81 anos, duas sobrinhas maternas (III.1 e III2) com luxação congénita da anca e hipermotilidade articular, duas filhas (III.3 e III.4) com hiperlaxidez articular, das quais a mais velha tem patologia da ATM, gonalgias crónicas e um episódio de lipotímia.
No exame objetivo: morfotipo longilíneo, com dismorfias minor, com palato alto e estreito, não se tendo constatado alterações cutâneas, nem objetivado laxidez articular (score de Beighton 0/9).
A avaliação do SNA identificou critérios de hipotensão ortostática (Figura 2), síndrome de taquicardia postural ortostática e falência autonómica global (Delta PO=-23, 30:15=1,09, R6=7,5, razão Valsalva=1,16). Procedeu-se então à exclusão de causas secundárias de disautonomia: Estudo imunológico, endoscopia digestiva alta, colonoscopia, tomografia axial computorizada toraco-abdomino-pélvica, ressonância magnética cranioencefálica sem alterações. Angio-tomografia computorizada do tórax: com compressão muscular de ambas as subclávias entre o 1º arco e a clavícula completada por ecoDoppler transcraniano, que mostrou não haver repercussão hemodinamicamente significativa da compressão.
Foi colocada como hipótese diagnóstica Síndrome de Ehlers-Danlos tipo III (EHD III) ou síndrome de hipermotilidade articular com base nos critérios de Brighton e de Villefranche, que se encontravam em vigor à data da avaliação da doente.4A etiologia genética permanece desconhecida na grande maioria dos casos, não estando recomendados a realização de análises genética (embora existam casos raros de EHD III associados a mutações no gene TNXB, sendo baixa a probabilidade de identificar uma etiologia genética).
Durante o internamento foi introduzida e titulada terapêutica com propranolol e fludrocortisona, juntamente com reforço hídrico e salino, e ensino de manobras de exercício isométrico que visam contrariar as alterações hemodinâmicas decorrentes da patologia.
Após a alta, a evolução foi favorável, recuperando capacidade para executar algumas tarefas domésticas de modo faseado e caminhadas mais longas. Tem por vezes períodos de agravamento com lipotímias mais frequentes e síncopes ocasionais, mas com uma melhoria global da qualidade de vida.
Dado do carácter hereditário da doença, foram observadas as filhas da doentecom sintomatologia sobreponível. Ambas realizaram provas de sistema nervoso autónomo, reunindo apenas critérios para síndrome de taquicardia postural ortostática, mantendo-se em seguimento.
Discussão
O presente caso clínico refere-se a uma doente com diagnóstico de síndrome de Ehlers-Danlos tipo III. No caso desta doente, a instabilidade hemodinâmica criada pela taquicardia sinusal e a hipotensão desencadeadas no ortostatismo provocam hipoperfusão cerebral com consequente lipotímias e síncope. Esta sintomatologia bastante intensa incapacitou-a para a actividade profissional e para as suas actividades diárias. Torna-se importante estar alerta para a possibilidade deste diagnóstico para atempada investigação e tratamento.
A investigação da causa da disautonomia é um processo complexo pela multiplicidade de causas possíveis mas essencial pela possibilidade de cura pelo tratamento. Exemplo destas situações é a disautonomia por síndrome paraneoplasica.
Na disautonomia primaria, não existe tratamento dirigido à causa, mas sim aos sintomas, que inclui: 1) medidas comportamentais: meias de contenção elástica; quando em ortostatismo, a alternância do apoio nos membros inferiores e a contracção das massas gemelares ou glúteas aquando da sensação de lipotímia como prevenção da síncope. 2) reforço da ingestão hídrica e consumo livre de sal. 3) terapêutica farmacológica: fludrocortisona, mineralocorticoide que incrementa a volémia, de modo a ameliorar a hipotensão; midodrina, um simpaticomimético que aumenta a resistência vascular periférica; o beta-bloqueante pode ter um papel nos doentes com síndrome de taquicardia postural ortostática sintomática.5-7
O diagnóstico poderá futuramente ser fundamentado com a descoberta da etiologia genética mediante a realização de sequenciação do exoma por sequenciação de nova geração, seguida de análise em painel de genes associados a patologia do tecido conjuntivo.
Figura I

Genograma. O caso index trata-se do indivíduo II.5.
Figura II

Avaliação contínua da frequência cardíaca e pressão arterial em decúbito e em ortostatismo passivo, demonstrando critérios de síndrome de taquicárdia postural ortostática e hipotensão ortostática.
BIBLIOGRAFIA
1. Wallman, D., J. Weinberg, and A.D. Hohler, Ehlers-Danlos Syndrome and Postural Tachycardia Syndrome: a relationship study. J Neurol Sci, 2014. 340(1-2): p. 99-102.
2. De Wandele, I., et al., Dysautonomia and its underlying mechanisms in the hypermobility type of Ehlers-Danlos syndrome. Semin Arthritis Rheum, 2014. 44(1): p. 93-100.
3. Castori, M., S. Morlino, and P. Grammatico, Towards a re-thinking of the clinical significance of generalized joint hypermobility, joint hypermobiity syndrome, and Ehlers-Danlos syndrome, hypermobility type. Am J Med Genet A, 2014. 164A(3): p. 588-90.
4. Castori, M., et al., Re-writing the natural history of pain and related symptoms in the joint hypermobility syndrome/Ehlers-Danlos syndrome, hypermobility type. Am J Med Genet A, 2013. 161A(12): p. 2989-3004.
5. Low, P.A. and V.A. Tomalia, Orthostatic Hypotension: Mechanisms, Causes, Management. J Clin Neurol, 2015. 11(3): p. 220-6.
6. Ricci, F., R. De Caterina, and A. Fedorowski, Orthostatic Hypotension: Epidemiology, Prognosis, and Treatment. J Am Coll Cardiol, 2015. 66(7): p. 848-60.
7. Sidhu, B., et al., Postural orthostatic tachycardia syndrome (POTS). BMJ Case Rep, 2013. 2013.