Mulher, 28 anos, melanodérmica, Caboverdiana, em Portugal há 8 anos. Recorreu ao Serviço de Urgência por queda da própria altura com traumatismo craneo-encefálico, sem perda de consciência. Negava crises convulsivas. Antecedentes de cefaleia holocraneana de longa data, diariamente, acompanhada de astenia, náuseas, tonturas e alterações visuais à direita (visão turva/diplopia). Na observação, a salientar hemihipostesia álgica à direita envolvendo a hemiface e hemiparésia direita, de predomínio distal no membro superior (grau 4 abdução/flexão dedos, extensão/flexão punho) e proximal no membro inferior (grau 4 flexão coxa, flexão/extensão perna). A tomografia computorizada e a ressonância magnética craniana revelaram múltiplas imagens quísticas com nódulo punctiforme isodenso no seu interior (provável scólex), cortico-pial frontal e parietal bilateralmente, e corno frontal do ventrículo lateral direito. Múltiplas calcificações milimétricas cortico-piais hemisféricas bilaterais e núcleo-capsular direita (figura 1). Achados sugestivos de neurocisticercose cerebral, em diferentes estadios evolutivos: fase vesicular e fase nodular calcificada. A avaliação pela Neurocirurgia excluiu critérios de intervenção cirúrgica, sendo a doente internada no Serviço de Doenças Infecciosas. Cumpriu corticoterapia com dexametasona, terapêutica antiparasitária com albendazol e praziquantel, e anticonvulsiva com levetiracetam. No estudo complementar: serologia IgG Taenia solium positiva; pesquisa ovos/parasitas nas fezes negativa; electroencefalograma sem actividade epileptiforme; radiografias dos membros revelaram múltiplas lesões intra-musculares calcificadas (figura 2).
A neurocisticercose é a infeção helmíntica mais comum afetando o sistema nervoso central(1) causada pela fase larvar da Taenia solium.(2) As manifestações clínicas podem variar desde infeção assintomática até doença grave, sendo o principal determinante a localização dos parasitas no parênquima cerebral ou espaços extraparenquimatosos.(3) A neurocisticercose parenquimatosa apresenta como principal manifestação crises convulsivas.(3) A neurocisticercose extraparenquimatosa está associada a pior prognóstico.(3) A confirmação histológica do parasita não é possível na maioria dos casos, o diagnóstico geralmente é baseado em neuroimagem e confirmado pela serologia.(3) Os exames de neuroimagem, identificam a morfologia, localização e estadios dos cistos, assim como inflamação.(3)
Figura I

Ressonância Magnética (em FLAIR) com lesões quísticas infracentimétricas com conteúdo com evolução de sinal semelhante à do líquor e nódulo central isointenso (scólex), maioritariamente sem realce após gadolíneo (fase vesicular), em topografia cortico-frontal, parietal bilateralmente e intraventricular no corpo do ventrículo lateral na proximidade do foramen de monro à direita (esta com realce periférico após gadolíneo) [setas vermelhas]; Lesões quísticas infracentimétricas com conteúdo hiperintenso em relação ao líquor com parede mais espessa e que realça após administração de gadolíneo (fase nodular granular) em topografia cortico-subcortical parietal, no giro angular e occipital interna à direita [setas amarelas].
Figura II

Radiografia braço esquerdo, antebraço esquerdo e membros inferiores/anca demonstrando múltiplas calcificações musculares ao nível dos membros compatível com cisticercose muscular [setas amarelas].
BIBLIOGRAFIA
1 - Del Brutto OH; Neurocysticercosis; Neurohospitalist, 2014, Oct; 4(4): 205-212
2 - García HH, Gonzalez AE; Evans CAW; et al; Taenia solium cysticercosis; Lancet, 2003; 362(9383): 547–556
3- García HH, Nash TE, Del Brutto OH; Clinical symptoms, diagnosis, and treatment of neurocysticercosis; Lancet Neurol 2014; 13: 1202–15