Apresenta-se o caso de um homem de 59 anos, com história de enxaqueca, seguido por Neurologia e medicado com dihidroergotamina desde há 10 anos. Recorreu ao Serviço de Urgência por progressiva dificuldade na micção e diminuição do débito urinário. Por lesão renal aguda (creatinina-1,48mg/dL) foi solicitada ecografia renal que revelou ureterohidronefrose bilateral moderada. Após admissão realizou TC-abdominal-pélvica (Fig.1) que revelou ainda massa envolvendo ureteres pélvicos e grandes vasos abaixo da bifurcação aórtica, o que foi posteriormente confirmado por ressonância magnética (Fig.2). Nesse contexto, foi submetido a colocação de stents ureterais bilateralmente e a remoção parcial da lesão, cujo resultado histológico revelou alterações compatíveis com fibrose. Excluiu-se processo infeccioso e neoplásico e admitiu-se fibrose retroperitoneal secundária a ergotamina. Suspendeu-se este fármaco e iniciou corticoterapia em alta dose contudo, por aumento da lesão, foi reintervencionado após 1 ano. Desde então manteve seguimento por Medicina e Urologia, sem novas complicações em 5 anos.
A fibrose retroperitoneal é uma entidade rara, resultando de um processo inflamatório crónico do retroperitoneu que pode causar compressão das estruturas retroperitoneais1,2. É idiopática em aproximadamente 2/3 dos casos (doença de Ormond), podendo ser secundária a outras causas2-4. Pode resultar do uso prolongado de fármacos como a ergotamina, geralmente utilizada no tratamento de cefaleias3,5. O mecanismo não é completamente conhecido, admitindo-se que o consumo prolongado provoque uma libertação rebound de serotonina que induz a fibrose dos tecidos3,4.
O quadro clínico resulta dos órgãos retroperitoneais afectados, sendo frequente sintomatologia urinária por compressão ureteral. O estudo imagiológico sugere esta patologia, embora o diagnóstico definitivo seja histológico1,2.
A suspensão do fármaco e a instituição de terapêutica imunossupressora podem resultar na regressão da fibrose, embora ocasionalmente seja necessária a abordagem cirúrgica3,4. O prognóstico e a resposta à terapêutica são geralmente favoráveis, contudo, pela possibilidade de recidiva é recomendada a vigilância destes doentes indefinidamente1,2.
Figura I

Tomografia computorizada pélvica revelando densificação dos tecidos pélvicos pré-sagrados, mais exuberante à esquerda e estendendo-se ao espaço retroperitoneal abdominal, envolvendo os vasos ilíacos e os ureteres.
Figura II

Ressonância magnética abdominal-pélvica revelando densificação e captação de contraste no espaço pélvico posterior pré-sagrado correspondendo a fibrose retroperitoneal com cerca de 10x9x3cm (seta) e condicionando moderada dilatação dos ureteres e hidronefrose (asterisco).
BIBLIOGRAFIA
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