Mulher, 36 anos, antecedentes de doença hepática alcoólica com consumos superiores a 40 gr/dia, admitida por alteração do estado de consciência e deterioração do estado geral. Apresentava lentificação psicomotora, desnutrição, alterações gengivais com gengivorragias persistentes, equimoses generalizadas e tremores intencionais dos membros superiores.
Analiticamente com pancitopenia, destacando-se anemia normocítica hipoproliferativa (5.2g/dL) e hipoalbuminemia, sem outras alterações de relevo. O estudo medular revelou hipocelularidade, excluindo infiltração por doença hemato-oncológica primária.
Face a desnutrição e exclusão de outras etiologias iniciou empiricamente suplementação com ácido ascórbico (1gr/dia). Após 48 horas assistiu-se a melhoria significativa das alterações orais (Figuras 1 e 2) e estado geral da doente.
Apenas ao 3º dia de suplementação foi possível o doseamento de vitamina C sendo de 0,9 mg/dL (0,6-2).
Após 4 meses de seguimento, sob abstinência alcoólica, dieta controlada e suplementação vitamínica, apresentou normalização do hemograma.
A vitamina C é fundamental na síntese de colagénio, metabolismo do ferro e neurotransmissores.1,2,3,4 A dose diária recomendada é de 75 e 90 mg para mulheres e homens, respetivamente.3,5
As primeiras descrições de escorbuto datam de 1550 A.C.6 Em países desenvolvidos a patologia é rara, contudo o alcoolismo é um fator de risco condicionando défices de ingestão e absorção vitamínicos.1,2
O escorbuto apresenta-se com fadiga, apatia, irritabilidade, lentificação psicomotora, tremor, hiperqueratose folicular, pêlos enrolados e equimoses.1,2,3,4 A cavidade oral exibe eritema, retração, hipertrofia gengival, hemorragias e cáries.1,2 A anemia, normalmente normocítica, relaciona-se com a gravidade e duração da doença,1 sendo multifatorial (hemólise, diminuição da hematopoiese, hemorragia, outros défices vitamínicos ou de ferro).3 A leucopenia manifesta-se em 1/3 dos casos.1
O diagnóstico é clínico.1 A concentração plasmática inferior a 0,2 mg/dL ajuda a confirmar o diagnóstico, contudo a ingestão recente pode normalizá-la, mantendo défice tecidular.1,5
O tratamento consiste na administração da vitamina 500-1000 mg/dia durante um mês.3
Figura I

Cáries, eritema e retração gengival com melhoria das gengivorragias após 48 horas de tratamento.
Figura II

Eritema e hipertrofia gengival com melhoria das gengivorragias após 48 horas de tratamento.
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