Doente do sexo feminino, 71 anos, previamente saudável, avaliada em consulta por perda ponderal, astenia, fenómeno de Raynaud e úlceras digitais dolorosas condicionando morbilidade significativa, com seis meses de evolução. Apurava-se ainda xerostomia de longa data que não valorizava.
Ao exame objectivo destacava-se a presença de vasculite periungueal e úlceras digitais dolorosas, com fundo necrótico (Fig. 1).
Atendendo às manifestações clínicas e à identificação de hipocomplementémia de C4 e elevação do factor reumatóide foram pesquisadas crioglobulinas que foram positivas (banda IgM K+L e IgG policlonal) pelo que se assumiu a hipótese de vasculite em contexto de crioglobulinémia mista tipo II. As serologias virais, nomeadamente VHC, foram negativas, tendo sido excluída também síndroma paraneoplásica subjacente. Apesar do primeiro estudo imunológico ter sido negativo, tendo em conta a presença de xerostomia e a reconhecida associação da crioglobulinémia mista à síndroma de Sjögren (SS), manteve-se suspeição diagnóstica neste sentido optando-se por realizar biópsia das glândulas salivares que mostrou sialoadenite focal sugestiva de SS. Paralelamente, realizou-se reavaliação imunológica, verificando-se positividade para anti-SSA e anti-SSB.
Assumiu-se o diagnóstico de crioglobulinémia mista em contexto de SS primária sendo medicada com hidroxicloroquina e corticoterapia. Por manter corticodependência associou-se azatioprina sem, no entanto, se conseguir total controlo das lesões cutâneas, pelo que se optou por iniciar rituximab (1g aos 0 e 14 dias), assistindo-se a melhoria clínica progressiva com posterior resolução completa das ulcerações (Fig. 2).
A vasculite crioglobulinémia surge em 3-4% dos doentes com SS, associando-se com frequência a sintomas constitucionais e manifestações cutâneas, nomeadamente púrpura palpável e ulcerações, por envolvimento dos vasos de pequeno e médio calibre1-3.
O rituximab é considerado primeira linha terapêutica nas manifestações graves da doença, nomeadamente na gangrena digital, sendo também uma opção quando a terapêutica para a doença imunológica de base não é eficaz, tal como se relata neste caso4-6.
Figura I

Lesões de vasculite com ulcerações digitais
Figura II

Resolução das lesões cutâneas após terapêutica com rituximab
BIBLIOGRAFIA
1 Della Rossa A, Trevisani G, Bombardieri S. Cryoglobulins and cryoglobulinemia - Diagnostic and therapeutic considerations. Clin Rev Allergy Immunol. 1998; 16:249.
2 Giuggioli D, Manfredi A, Lumetti F, Sebastiani M2,Ferri C2. Cryoglobulinemic vasculitis and skin ulcers - Our therapeutic strategy and review of the literature. Semin Arthritis Rheum. 2015; 44:518.
3 Rischmueller M, Tieu J, Lester S. Primary Sjögren´s syndrome. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2016; 30 (1):189-220
4 De Vita S, Quartuccio L, Isola M, Mazzaro C, Scaini P, Lenzi M et al. A randomized controlled trial of rituximab for the treatment of severe cryoglobulinemic vasculitis. Arthritis Rheum 2012; 64:843.
5 Ferri C, Cacoub P, Mazzaro C, Roccatello D, Scaini P, Sebastiani M et al. Treatment with rituximab in patients with mixed cryoglobulinemia syndrome: results of multicenter cohort study and review of the literature. Autoimmun Rev 2011; 11:48.
6 Terrier B, Launay D, Kaplanski G, Hot A, Larroche C, Cathébras P et al. Safety and efficacy of rituximab in nonviral cryoglobulinemia vasculitis: data from the French Autoimmunity and Rituximab Registry. Arthritis Care Res. 2010; 62:1787-1795