A presença trombos a nível da aurícula direita é considerada rara, estando descritos casos na literatura da associação com fibrilhação auricular, pericardite constritiva, hipertensão pulmonar, estados de hipercoagulabilidade genéticos ou adquiridos ou instrumentalização cardíaca1. A incidência de trombos tumorais cardíacos associados ao carcinoma hepatocelular (CHC) é rara (1 a 4%)2, resultando da invasão tumoral pela veia hepática ou veia cava inferior. Menos frequente é o envolvimento cardíaco como forma de apresentação do CHC. A invasão vascular tumoral tem mau prognóstico com sobrevida média de 19 a 30.8 meses.3
Descreve-se caso de homem de 73 anos com antecedentes de doença hepática crónica de etiologia alcoólica, sem descompensações prévias, acompanhado até há 2 anos na consulta de Gastroenterologia, a qual abandonou.
Por quadro de distensão abdominal e edema dos membros inferiores com uma semana de evolução recorreu ao serviço de urgência, evidenciando-se ao exame objetivo a presença de edema dos membros inferiores (sinal de godet +++), ascite, ingurgitamento jugular, bem como estigmas de doença hepática crónica.
Analiticamente com elevação das transaminases, protrombinémia:36% e hiperbilirrubinémia mista, pelo que realizou ecografia abdominal que revelou duas formações nodulares no lobo hepático esquerdo (16 e 8mm) e uma no lobo direito (10mm) compatíveis com CHC. Pedida tomografia computorizada toraco-abdomino-pélvica para estadiamento que além das lesões hepáticas, relevou lesão secundária suprarrenal, trombo na veia cava inferior e trombo na aurícula direita com 6,3x3,6cm (figura 1). O ecocardiograma transtorácico confirmou volumosa massa auricular direita (68x51mm) com procidência para o anel tricúspide em diástole, com risco de se tornar obstrutiva (figura 2).
Iniciou hipocoagulação e contatou-se a Cirurgia Cardiotorácica, contudo pela inexistência de critérios para intervenção cirúrgica pela Cirurgia Hepatobiliar e consequente ausência de controlo da patologia de base associado ao prognóstico reservado, o doente ficou sob controlo sintomático, verificando-se agravamento clínico progressivo, falecendo ao 20º dia de internamento.
Figura I

Corte transversal de tomografia computorizada com contraste evidenciando voluma massa na aurícula direita
Figura II

Plano apical 4 câmaras de ecocardiograma transtorácico evidenciando volumosa massa na aurícula direita com protusão sobre a válvula tricúspide em diástole (à esquerda). Plano apical 4 câmaras com estudo doppler em sístole (à direita).
BIBLIOGRAFIA
1. Kaul P, George R, Paniagua R, Balaji S, Sivananthan M, Sapsford R. Massive inferior venacavo-atrial thrombus following neoadjuvant chemotherapy. Br J Cardiol. 2012;19:184
2. Vallakati A, Chandra PA, Frankel R, Shani J. Intra-atrial tumor thrombi secondary to hepatocellular carcinoma responding to chemotherapy.N Am J Med Sci.2011;3(9):435–437
3. Sakamoto K, Nagano H. Outcomes of surgery for hepatocellular carcinoma with tumor thrombus in the inferior vena cava or right atrium. Surg Today. 2018;48(9):819 – 824.