Introdução:
A apendicite aguda constitui a emergência cirúrgica mais comum na população em geral. Na população geriátrica, tem uma prevalência de 5-10%1, sendo a terceira indicação mais comum para cirurgia abdominal2. O diagnóstico nesta população é desafiante. Ocorre um diagnóstico inicial erróneo em cerca de 54% dos idosos com apendicite, com consequente aumento de 4-8 vezes na mortalidade associada a esta patologia, quando comparada com a população em geral2,3. A maior parte das apresentações são atípicas e os sinais clínicos característicos não estão presentes em 30-40% dos casos, o que contribui para o atraso no diagnóstico e favorece complicações4 como a perfuração, gangrena ou abcessos abdominais. A perfuração ocorre em 32-72% dos idosos1, levando à formação de abcessos abdominais.
As neoplasias do apêndice têm como principal manifestação a apendicite, que se verifica em cerca de 30-50% dos casos5. São tumores raros que constituem 0,4% dos cancros gastrintestinais e encontram-se em 1% das apendicectomias realizadas, geralmente de forma acidental5,6,7,8.
A maioria das neoplasias do apêndice ileocecal são tumores carcinoides (66%), adenomas e linfomas6. Todavia, existem neoplasias extremamente raras, como o carcinoma de células em anel de sinete9,10, com poucos casos descritos na literatura9. Este tipo histológico constitui 4% das neoplasias do apêndice9,10. A sua idade média de aparecimento é aos 59 anos, afetando igualmente os dois géneros6. É uma neoplasia agressiva, encontrando-se metastizada em cerca de 60% dos casos aquando do diagnóstico6,9,10. O seu diagnóstico e estadiamento devem ser, preferencialmente, prévios à cirurgia, de forma a delinear a melhor estratégia de intervenção10. A ressonância magnética é o exame mais indicado para estadiamento, sobretudo para a identificação e avaliação da extensão de lesões peritoneais, quando comparada com a tomografia computorizada (TC)11.
Os dados relativos ao tratamento de neoplasias do apêndice são limitados, contudo a maioria dos doentes realiza cirurgia de redução tumoral associada a terapêutica sistémica ou intraperitoneal12. O prognóstico é reservado, tendo uma sobrevivência aos 5 anos de 18% e, nos casos com doença metastática no momento do diagnóstico, esta é reduzida para 7%6.
Caso Clínico:
Descrevemos o caso de um doente do género masculino, de 85 anos, que foi referenciado para a consulta externa de Medicina Interna após identificação de anemia microcítica[hemoglobina (Hb): 9,4 g/dL; volume globular médio (VGM): 79fL; concentração de hemoglobina globular média (CHGM: 25,4pg]no serviço de urgência para onde havia sido encaminhado por astenia. Cerca de 2 meses depois, em avaliação em consulta, o doente referia anorexia com perda ponderal de 28% do peso corporal em 5 meses e degradação do estado geral. Negava febre, dor abdominal, náuseas, vómitos e melenas. Não apresentava história pessoal, familiar e farmacológica de relevo. Ao exame objetivo tinha o abdómen globoso, mole e depressível, com dor ligeira à palpação difusa, sem massas ou empastamentos palpáveis, sem outras alterações de relevo. Apresentava anemia com características inflamatórias (Hb: 10 g/dL, ferritina de 13312 ng/mL, capacidade total de fixação do ferro: 105 µg/dL, reticulócitos: 1,3%, ferro sérico: 24 µg/dL) e, neste contexto, já tinha realizado TC abdominal, pedida pelo seu médico assistente, que revelava ansas com parede espessada na fossa ilíaca direita com aumento da densidade da gordura peri-ansas (Figura 1).
Atendendo à clínica, às alterações presentes na TC e idade do doente, foi pedida colonoscopia total para exclusão de neoplasia do cólon. A colonoscopia foi realizada até ao pólo cecal e não evidenciou massas ou outras lesões suspeitas. Um mês depois, o doente apresentava-se com quadro de febrícula, dor abdominal tipo moinha nos quadrantes direitos, sem fatores de alívio ou agravamento, sem relação com as dejeções e de intensidade 4 em 10, com 1 semana de evolução. Ao exame objetivo, o doente estava hipotenso (79/56 mmHg), com palidez cutâneo-mucosa, dor à palpação superficial e profunda nos quadrantes abdominais direitos, sem massas ou empastamentos palpáveis e sem dor à descompressão na fossa ilíaca direita. Apresentava, de novo, uma massa palpável na região lombar direita, com cerca de 8 cm de maior extensão, dolorosa e mole, tendo sido internado para esclarecimento diagnóstico. Analiticamente, apresentava anemia (Hb: 9,9 g/dL; VGM: 76,3 fL e CHGM: 23,3 pg), proteína C reativa de 13 mg/dL, procalcitonina de 0,14 ng/mL e velocidade de sedimentação de 56 mm/1ª hora; enzimas hepáticas, creatina cinase, leucograma, função tiroideia e proteinograma eletroforético eram normais. As hemoculturas pedidas à admissão foram positivas para Klebsiella pneumoniae e o doente iniciou antibioterapia dirigida por teste de sensibilidade aos antibióticos com levofloxacina intravenosa. Devido ao agravamento clínico, 2 dias após o internamento, repetiu TC abdominal. Esta revelou uma volumosa coleção abcedada (septada com gás no interior), a nível retroperitoneal direito, com extensão superior até à região dorsal inferior homolateral e que se prolongava até à anca direita, exteriorizando-se para o espaço subcutâneo da região lombar direita (Figura 2, Figura 3, Figura 4).
O doente foi submetido a intervenção cirúrgica de urgência, tendo sido objetivada apendicite complicada por extenso abcesso retroperitoneal. Foi realizada apendicectomia e drenagem do abcesso com lavagem local intraoperatória, com boa evolução a posteriori.
O resultado histológico da peça cirúrgica permitiu fazer o diagnóstico de carcinoma de células em anel de sinete do apêndice ileocecal, com infiltração da serosa, mas com margens cirúrgicas sem infiltração neoplásica, sobreposto a uma apendicite perfurada (estádio IIb - T4aNxM0). O caso clínico foi apresentado em reunião de decisão terapêutica oncológica e, atendendo à idade do doente, optou-se por prestar os melhores cuidados de suporte. Aos 9 meses após a cirurgia, o doente mantém-se em seguimento em consulta, sem evidência de recidiva neoplásica.
Discussão:
Descrevemos um caso de neoplasia rara do apêndice ileocecal, cuja manifestação inicial foi um volumoso abcesso retroperitoneal, com extensão subcutânea, decorrente de uma apendicite perfurada e que, pela escassez de sintomatologia, apenas foi diagnosticada numa fase tardia.
O diagnóstico foi dificultado pelo facto de se tratar de um doente idoso, com sintomas inespecíficos, com longo tempo de duração e que, quando recorreu pela primeira vez aos cuidados de saúde, já apresentava degradação importante do estado geral. Atendendo à idade, sintomas constitucionais e resultado da primeira TC abdominal, foi levantada a suspeita de neoplasia do trato gastrintestinal, que motivou o pedido de colonoscopia. Este exame permitiu excluir patologia do cólon mas, por apenas apresentar 11% de sensibilidade para o diagnóstico de neoplasias do apêndice5, não foi útil para o diagnóstico definitivo.
A repetição da TC abdominal, motivada pelo agravamento clínico do doente, foi essencial para o esclarecimento do caso, tendo identificado a extensa coleção retroperitoneal abcedada, complicação grave da apendicite perfurada, com necessidade de tratamento imediato. Apesar deste exame ter uma sensibilidade de 95% para diagnóstico de neoplasia do apêndice5, o diagnóstico final só foi possível após a intervenção cirúrgica e conhecimento do resultado histológico. Neste caso foi realizada apendicectomia simples contudo, no caso de tumores agressivos, como é o caso, alguns autores aconselham além da apendicectomia, realização de alargamento com hemicolectomia direita8,10.
Conclusão:
Idosos com sintomas pouco específicos devem sempre ser alvo de uma história clínica e exame físico cuidadosos, apesar de muitas vezes fornecerem pouca informação. Os diagnósticos diferenciais a considerar no idoso passam cada vez mais por incluir os diagnósticos até então mais prevalentes em idades jovens, dado o aumento progressivo da esperança média de vida. A rapidez no diagnóstico e tratamento atempado é essencial para diminuir a incidência e a gravidade das complicações decorrentes da patologia de base.
Figura I

Figura 1: Espessamento de ansas na fossa ilíaca direita em corte transversal em TC abdominal.
Figura II

Figura 2: Extenso abcesso na fossa ilíaca direita com gás no interior, em plano coronal.
Figura III

Figura 3: Extenso abcesso na fossa ilíaca direita com gás no interior, em corte transversal, em TC abdominal.
Figura IV

Figura 4: Extenso abcesso com gás no interior desde a região dorsal inferior direita, exteriorizando-se para o espaço subcutâneo da região lombar direita, em plano sagital.
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