Descrevemos o caso de uma mulher de 76 anos, admitida por intolerância alimentar em contexto de diagnóstico de adenocarcinoma estenosante do antro gástrico T2+N1+Mx, que desenvolveu lesões cutâneas na face, decote e mãos (Fig. 1 - A, C e D) e mialgias intensas, com fraqueza muscular proximal de predomínio na cintura escapular (grau 2/5 na flexão e 1/5 na abdução dos ombros, 4+/5 na flexão da anca). Analiticamente apresentava rabdomiólise exuberante (creatina cínase (CK) 4200 U/L, mioglobina 3657,6 ng/mL, desidrogenase láctica 614 U/L, aspartato transaminase 245 U/L, alanina transaminase 93 U/L) e positividade para anticorpos antinucleares (1:320, padrão mosqueado), Ro52 e TIF1g. Fez biópsia muscular e eletromiografia, compatíveis com miopatia inflamatória (MI). Diagnosticada assim dermatomiosite (DM) e iniciado tratamento com prednisolona 1 mg/kg/dia, com melhoria cutânea (Fig. 1D) e analítica, mantendo, contudo, incapacidade muscular. Atendendo à reduzida resposta muscular observada, foi decidido em consulta de grupo oncológico tratamento sintomático da neoplasia, tendo alta hospitalar com apoio da Equipa de Cuidados Paliativos.
A DM é uma doença autoimune sistémica do grupo das MI, manifestando-se por atingimento cutâneo típico, miopatia de predomínio proximal e rabdomiólise moderada/grave (CK 10-50 vezes o normal)(1). É a miosite associada a neoplasia (CAM,cancer-associated myositis) mais frequente, estimando-se desenvolvimento de neoplasia em cerca de 2/3 dos doentes; o TIF1gé um marcador imunológico com forte associação à CAM(2). Vários tipos de neoplasia foram descritos, sobretudo hematopoiéticas e pulmão; apesar de as neoplasias gástricas estarem descritas em estudos, o aumento da sua incidência em contexto de MI não se confirmou em meta-análises(3, 4).
O tratamento da DM baseia-se na corticoterapia, geralmente associada a outro imunossupressor; na CAM, o tratamento da neoplasia é prioritário(1). O prognóstico das MI tem melhorado; a taxa de mortalidade é superior na CAM, sendo a neoplasia uma das principais causas de morte nestes doentes(5).
Figura I

Fotografias demonstrativas do atingimento cutâneo: eritema heliotropo (A), aspeto grosseiro da face lateral do 5º dedo da mão direita com esboço de pápula de Gottron sobre a articulação interfalângica distal (C) e eritema em V do pescoço (D). B - aspeto da face após 20 dias de tratamento com corticóide, com resolução do edema e melhoria marcada do eritema palpebral.
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