Mulher de 36 anos, com obesidade mórbida, sem outros antecedentes conhecidos. Trazida ao Serviço de Urgência acompanhada pela Viatura Médica Emergência e Reanimação após alteração do estado de consciência súbita, com paragem cardiorrespiratória em assistolia. Após 2 ciclos de suporte avançado de vida, sem necessidade de sedação, apresentou recuperação da circulação espontânea. Ao exame físico apresentava Glasgow 3, anisocoria com a pupila do olho direito maior que a do esquerdo, sem alterações na auscultação cardiopulmonar, tensão arterial 130/80 mmHg com frequência cardíaca 139 bpm. Sem outras alterações ao exame físico. Eletrocardiograma (ECG) em fibrilação auricular com supradesnivelamento de ST em aVR e ondas T negativas inferiores e laterais.(Fig. 1)Foi realizada uma tomografia axial computorizada (TAC) do crânio que apresentou hemorragia tetraventricular com compressão do hipotálamo e diencéfalo. (Fig. 2)
A doente evoluiu desfavoravelmente, tendo falecido 1 hora após admissão hospitalar.
Os critérios de ativação da via verde coronária no pré-hospitalar incluem enfarte agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST.O diagnóstico diferencial das ondas T invertidas num ECG de 12 derivações inclui isquémia e enfarte miocárdio, bloqueio de ramo, hipertrofia ventricular, embolia pulmonar, cardiomiopatia hipertrófica e aumento da pressão intracraniana.1,2 A história clínica é importante para a correta marcha diagnóstica, neste caso, não tínhamos história pregressa, mas ao exame físico, apresentava anisocoria, sugerindo uma disfunção do tronco encefálico. Assim, apesar de a doente apresentar supradesnivelamento de ST em aVR, não foi ativada a via verde coronária, no entanto foi priorizada a realização TAC de crânio para investigação de disfunção neurológica primária. A evidência de hemorragia intracraniana com herniação transtentorialpredizia um prognóstico muito reservado, motivo pelo qual não foram planeadas estratégias de resgate. Atualmente não existem guidelines sobre o melhor manejo nestes casos, no entanto, o senso clínico e a história clínica, são a melhor arma para a resolução correta do caso.
Figura I

Eletrocardiograma com supradesnivelamento de ST em aVR e ondas T negativas inferiores e laterais.
Figura II

A: Tomografia axial computorizada com hemorragia tetraventricular; B: tomografia axial computorizada com hemorragia com compressão do hipotálamo e diencéfalo
BIBLIOGRAFIA
1.Kuan Leong Yew, P.W.C. Ho. (2014) Neurogenic electrocardiographic changes with intermittent bundle branch block after interventricular hemorrhage.Tzu Chi Medical Journal.
2.Gerardo Musuraca, Ferdinando Imperadore, Claudio Cemin, Clotilde Terraneo, Chiara Vaccarini, Pier Giuseppe De Girolamo, Giuseppe Vergara. (2006) Electrocardiographic abnormalities mimicking myocardial infarction in a patient with intracranial haemorrhage: a possible pitfall for prehospital thrombolysis.Journal of Cardiovascular Medicine7:6, 434-7.