A colite isquémica é uma doença inflamatória que resulta da diminuição súbita do débito sanguíneo do cólon.1 A associação entre colite isquémica e contraceptivos orais em jovens do sexo feminino tem sido sugerida em casos clínicos1 e pequenas séries de casos,2,3 com um risco relativo proposto de 4.8 a 6.3.2,3 O mecanismo pelo qual estes fármacos induzem colite isquémica ainda não está bem estabelecido, propondo-se que possam alterar a concentração das proteínas da coagulação, nomeadamente pela resistência à proteína C activada.1
O risco trombótico dos contraceptivos orais relaciona-se com a dose do estrógeno e com o tipo de progesterona. Os contraceptivos combinados que contêm progesterona de 3ª (desogestrel e gestodeno) e 4ª (ciproterona e drospirenona) gerações apresentam um risco trombótico de 1.5 a 4 vezes superior aos de 2ª geração (levonorgetrel), pelo seu menor efeito antiestrogênico.1
Descreve-se o caso de uma doente de 23 anos, melanodérmica, com antecedentes pessoais irrelevantes, medicada com contraceptivos orais (etinilestradiol 0,02mg + gestodeno 0,075mg). Recorreu ao Serviço de Urgência por quadro de hematoquézias precedidas de dor nos quadrantes inferiores do abdómen com 24 horas de evolução. A doente negou febre, episódios semelhantes no passado, comportamentos sexuais de risco ou hábitos tabágicos ou toxicofílicos.
Ao exame objectivo, apresentava-se com ligeira dor abdominal à palpação da fossa ilíaca esquerda e analiticamente com hemoglobina de 13,6 g/dL, sem leucocitose (9800/uL) e com PCR de 0,5mg/dL. A radiografia abdominal não demonstrou alterações e o exame cultural das fezes e parasitológico, serologias para o HIV e Chlamydea trachomatis,VDRL, TPHA e ASCA foram negativos. Prosseguiu-se para rectosigmoidoscopia que revelou edema, apagamento da rede vascular e áreas longitudinais de hiperemia no cólon sigmóide (Fig.1), cuja histologia foi consistente com colite isquémica (Fig.2).
Assim, este quadro associou-se à medicação com contraceptivos orais, pelo que a doente suspendeu este fármaco e verificou-se resolução do quadro com tratamento conservador, sem novos episódios.
Um mês após este episódio realizou colonoscopia com ileoscopia, que não revelou alterações. Realizou avaliação analítica para pesquisa de síndromes protrombóticos e vasculites que foi negativa: antitrombina III; proteína S e C; anticoagulante lúpico; resistência à proteína C activada; inibidor do activador do plasminogénio; homocisteína; anticorpos anti-cardiolipina e anti-beta 2 glicoproteína, anticorpos antinucleares e citoplasmáticos; anticorpos anti-ANCA, anti-SSA, anti-SSB, anti-Sm, anti-RNP; imunocomplexos circulantes. Realizou ainda Angio-TC abdominopélvica que excluiu alterações vasculares e electrocardiograma que foi normal.
A primeira hipótese diagnóstica colocada foi a de colite isquémica, considerando características clínicas e endoscópicas típicas, apesar da idade jovem e ausência de fatores de risco conhecidos, além da contracepção oral. A doente encontrava-se medicada com contraceptivos combinados com progesterona de 3ª geração que apresentam maior risco trombótico. A colite infecciosa também foi considerada, embora a ausência de febre e os parâmetros inflamatórios normais tornassem essa hipótese menos provável. As coproculturas e o exame parasitológico foram negativos. Os agentes sexualmente transmissíveis também foram investigados, apesar de comumente afetarem o ânus e recto em vez do cólon (as serologias para o HIV e Chlamydea trachomatis foram negativas, assim como o VDRL e o TPHA). Apesar da idade jovem poder apontar para doença inflamatória intestinal, a preservação rectal excluiu a colite ulcerosa e os achados endoscópicos não foram sugestivos de colite de Crohn, que normalmente apresenta ulcerações; além disso, esta doença não é frequente em doentes de raça negra.
A associação entre colite isquémica e contraceptivos orais em jovens do sexo feminino tem sido descrita em séries de casos, apesar de não existir relação estabelecida até à data.4
Os autores pensam que esta condição possa ser mais comum do que a estimada atualmente, considerando que este tipo de doentes não realize muitas vezes exames endoscópicos de forma oportuna e os seus sintomas possam ser interpretados erroneamente como de origem proctológicas. No caso desta doente, o diagnóstico teria sido facilmente perdido sem uma rectosigmoidoscopia precoce, deixando-a em risco de recidiva ou com necessidade de terapêuticas mais agressivas e, portanto, com maior risco de morbi-mortalidade.O prognóstico da colite isquémica depende da extensão da lesão endoscópica e das comorbilidades do doente. Cerca de 85% dos casos resolve em duas semanas com terapêutica conservadora com pausa alimentar, fluidoterapia e antibioterapia empírica. Os restantes podem progredir para peritonite com necessidade cirúrgica.
1 A nossa doente recuperou com tratamento conservador.
Figura I

Rectosigmoidoscopia com edema, apagamento da rede vascular e áreas longitudinais de hiperemia no cólon sigmóide.
Figura II

HE 10x - Mucosa da porção distal do intestino com algumas glândulas com decapitação do terço superior do epitélio, sem infiltrado inflamatório significativo associado e com densificação do estroma superficial envolvente e edema na restante lâmina própria. Apesar de pouco específico, estes aspectos podem corresponder a isquémia subaguda/ crónica do intestino.
BIBLIOGRAFIA
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4. Yadav S, Dave M, Edakkanambeth Varayil J, Harmsen WS, Tremaine WJ, Zinsmeister AR,et al. A population-based study of incidence, risk factors, clinical spectrum, and outcomes of ischemic colitis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2015 Apr;13(4):731-8.e1-6