Apresenta-se o caso de uma doente de 77 anos de idade, sexo feminino, que recorreu ao serviço de urgência (SU) referenciada do Centro de Saúde tendo realizado análises onde foi constatada anemia de 7,1g/dl. Com queixas de cansaço, astenia e adinamia com cerca de 1 mês de evolução. No SU efectuou análises com 6.8g/dl de Hb, sem microcitose, mas com ferropénia com ferro sérico de 11ug/dl, capacidade total de fixação do ferro 408ug/dl (normal 228-428), saturação da transferrina de 2.7% (normal 20-40) e ferritina de 4,0ng/ml (normal 4.63-204.00) e doseamento de cianocobalamina e ácido fólico normais. Face a estes valores foi internada para estudo. A referir que na Endoscopia Digestiva Alta (EDA) constatou-se presença de hérnia de deslizamento com 7cm identificando-se no fundo de saco herniário úlcera com cerca de 10mm de bordos elevados mas regulares e fundo fibrinoso sem estigmas de hemorragia recente. O resultado da Anatomia Patológica revelou fragmentos de mucosa gástrica com ligeiros aspectos regenerativos foveolares e infiltrado inflamatório, consistente com bordo de ulcera. Não se observou metaplasia ou displasia. Pesquisa de Helicobacter pylori negativa. A úlcera gástrica a nível da hérnia do hiato foi descrita inicialmente por Cameron e Higgins em 1986 como erosões lineares crónicas dispostas sobre as pregas da mucosa, ao nível da impressão diafragmática, em doentes com hérnias do hiato volumosas.
1 A localização mais frequente deste tipo de lesões é na vertente da pequena curvatura, ao nível do hiato diafragmático. São descobertas no estudo de anemia sendo comummente encontradas em hemorragias digestivas crónicas com ferropénia associada. No contexto do papel da EDA na anemia da mulher pré-menopausa foi encontrada em 7% lesões de cameron. Apesar da hemorragia ser geralmente insidiosa na maioria dos doentes, em cerca de 1/3 dos casos a apresentação é sob a forma de hemorragia digestiva alta aguda.
2 A etiologia destas úlceras ainda não está completamente esclarecida, pensando-se que o traumatismo mecânico, a isquemia e a lesão ácida possam ter relevância. Nesta doente, admitimos que a ferropénia esteja associada à úlcera tendo o agravamento abrupto da anemia sido causado por hemorragia activa.
Figura I

Fig. 1- Úlcera de Cameron
BIBLIOGRAFIA
1- Cameron AJ, Higgins JA. Linear gastric erosion. A lesion associated with large diaphragmatic hernia and chronic blood loss anemia. Gastroenterology, 1986;91: 338-42
2- Weston AP. Hiatal hernia with Cameron ulcers and erosions. Gastrointest Endosc Clin North Am 1996; 6: 671-9