Introdução
A síndrome de urina roxa é uma condição rara caracterizada pela presença de coloração arroxeada da urina. Este fenómeno deve-se à fermentação bacteriana do sulfato de indoxil em indigo (composto azul) e indorrubina (composto vermelho) que depois se dissolve nos plásticos dos sacos colectores de urina.
1,2 Esta síndrome foi primeiramente observada e descrita, numa carta à The Lancet em 1978, por Barlow e Dickson. Estes identificaram a presença do índigo através da espectrometria e levantaram a hipótese deste fenómeno ser um resultado da excreção de sulfato de indoxil, gerado pela degradação do triptofano intestinal.
3 Mais tarde, outros autores questionaram a cor da urina, atendendo a que o índigo se correlacionava à coloração azul e não roxa. Estes formularam a hipótese de que a urina apenas se tornaria roxa aquando do seu contacto com o saco colector. Estes associaram ainda a cor à presença de bactérias como Pseudomonas aeruginosa e Proteus spp.
4 Frequentemente ocorre após uma cateterização prolongada da via urinária, sendo que os doentes acamados com cateterização urinária têm maior risco de contrair infecções do trato urinário. A obstipação e a bacteriúria são factores etiológicos comuns.
1,2 Uma apresentação rara de infecção do trato urinário pode ser o aparecimento repentino de urina de cor púrpura escura no cateter e no saco coletor urinário em doentes assintomáticos (SUR).
5Alguns autores descrevem ainda a doença renal crónica como factor de risco para o SUR. No entanto, há ainda falta de evidência no que toca à sua associação com a lesão renal aguda.
1Caso ClínicoApresenta-se o caso de uma mulher de 75 anos, acamada e cronicamente algaliada, com antecedentes pessoais de Neoplasia do cólon ascendente estádio IV submetida a cirurgia de ressecção com ostomia em Janeiro de 2019 e plasmocitoma da coxa esquerda submetido a radioterapia em Fevereiro de 2017. Foi admitida no serviço de urgência hospitalar encaminhada pelo seu médico de família por prostração, febre e presença de urina roxa na algália e saco colector. Na avaliação clínica apresentava-se prostrada, com mucosas coradas e hidratadas, com TT 38,5ºC, PA: 110/72 mmHg e FC 72 bpm, não apresentava alterações à auscultação cardíaca ou pulmonar e o abdómen apresentava-se livre, sem sinais de irritação peritoneal, com ostomia da ferida operatória sem sinais de infecção; e na avaliação analítica destacava-se aumento dos parâmetros inflamatórios (14900 leucócitos, PCR 58,12 mg/dL). Observou-se uma coloração roxa do sistema de drenagem vesical (Fig. 1), sendo que o exame sumário de urina apresentava urina alcalina (pH 8,0), leucocitúria e nitritos positivos. Na terapêutica efectuada pela doente não se encontrava nenhum fármaco que explicasse o fenómeno. A doente iniciou antibioterapia empírica com ceftazidima 1000 mg de 8/8h na suspeita de infecção do trato urinário por pseudomonas aeruginosa e substituiu-se o cateter vesical. Manteve-se antibioterapia após isolamento em urocultura de pesudomonas aeruginosa, com melhoria, drenagem de urina amarela, e sem recorrência da coloração roxa da algália.
Conclusão
Este caso clínico pretende mostrar a importância da semiologia clínica, anamenese e exame físico para o diagnóstico e tratamento adequados dos doentes. A síndrome de urina roxa apresenta explicação etiológica mais consensual, na infecção do trato urinário por bactérias com actividade sulfatase/fosfatase que degradam o sulfato de indoxil em indigo e indorrubina, que em meio alcalino tornam a urina numa coloração roxa. Esta patologia tem um curso clínico geralmente benigno.6,7
Figura I

Urina de coloração arroxeada em saco colector de urina da doente apresentada no caso clínico.
BIBLIOGRAFIA
1. Gulmez, M. D., Yildirim, O., Soyhan, M., Uslu, S., Usoglu, B., Karamancı, E., Tatar, E. (2019). Purple urine: an astonishing symptom in an elderly patient with acute kidney injury. Internal Medicine Journal, 49 (5), 677–9.
2. Kalsi DS, Ward J, Lee R, Handa A. Purple urine bag syndrome: a rare spot diagnosis. Dis Markers 2017; 2017: 9131872.
3. Barlow GB, Dickson JAS. Purple urine bags. Lancet 1978;311:220-1.
4. Sammons HG, Skinner C, Fields J, Payne B, Grant A. Purple uri- ne bags. Lancet 1978;311:502.
5. Kumar D, Donga N, Macwan R. Purple urine bag syndrome: A scary but easily manageable condition in a patient with prolonged indwelling urinary catheter. Indian J Palliat Care 2018;24:534-6
6. Dealler SF, Hawkey PM, Millar MR. Enzymatic degradation of urinary indo-xyl sulfate by Providencia stuartii and Klebsiella pneumonia causes the purple urine bag syndrome, J Clin Microbiol 1988; 26: 2152-6.
7. Tang MW. Purple urine bag syndrome in geriatric patients, J Am GeriatrSoc 2006; 54(3): 560-1.