Apresenta-se o caso de uma mulher de 47 anos, fumadora ocasional. Medicada com contraceptivo oral. Recorreu ao Serviço de Urgência por náuseas, vómitos de conteúdo alimentar e dejecções líquidas, sem sangue, muco ou pus, aos quais se associou dor abdominal em “cinturão” nos quadrantes superiores do abdómen, com irradiação para o dorso e braço esquerdo, sem factores de alívio. Do estudo realizado salienta-se, analiticamente hemograma, ionograma, função renal, marcadores de citocolestase, amilase e lipase sem alterações. Gasometricamente com alcalémia respiratória e acidose metabólica, com hiperlactacidémia. Radiografia e ecografia abdominais sem alterações. ECG com infra de ST de V1-V4 e sem alteração dos marcadores de necrose do miocárdio seriados. Por manter dor abdominal com 8 horas de evolução, refractária à analgesia, apesar da resolução dos vómitos e dejecções diarreicas, foi realizada angio-tomografia computorizada abdominopélvica na qual foi observado “infarto esplénico extenso (…) espessamento da artéria esplénica no seu segmento hilar, com perda progressiva da opacificação do lúmen a jusante (…)”. Para exclusão de causa cardioembólica realizou ecocardiograma transtorácico cujo resultado não tinha alterações de relevo. A doente ficou internada para estudo etiológico do infarto esplénico.
O infarto esplénico resulta do compromisso vascular do território esplénico, venoso ou arterial, conduzindo a isquémia do parênquima e necrose tecidular
1,2. As duas principais causas são a doença tromboembólica e as doenças hematológicas infiltrativas (mais comuns em doentes com menos de 40 anos)
1,3,4. O tratamento do infarto esplénico varia consoante a etiologia subjacente, porém a terapêutica de suporte é transversal (analgesia, hidratação, anti-eméticos). O tratamento cirúrgico pode ser necessário quando existe causa traumática ou surgem complicações (pseudoquisto, abcesso, aneurisma, ruptura)
2. Este caso clínico apresenta uma causa rara de dor abdominal no Serviço de Urgência e demonstra como uma dor abdominal pode esconder patologias de gravidade distinta, sendo o elevado grau de suspeição a chave do diagnóstico.
Figura I

Imagem de angio-TC onde são visíveis pequenas zonas de parênquima esplénico perfundido, no pólo superior, provavelmente à custa de ramos arteriais perfurantes de artérias frénicas e gástricas.
Figura II

Imagem de angio-TC onde são visíveis pequenas zonas de parênquima esplénico perfundido, no pólo inferior, provavelmente à custa de ramos arteriais perfurantes de artérias frénicas e gástricas.
BIBLIOGRAFIA
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