Homem de 55 anos, observado por poliartralgias há 10 meses, síndrome constitucional há 6 meses e disfagia há 1 mês. Sem exposição a estatinas. Ao exame objetivo: aspeto emagrecido, acrocianose nas mãos, bradicardia e tetraparesia proximal simétrica (abdução dos membros superiores grau 2-3/5, flexão dos antebraços grau 3/5, flexão da coxa grau 4/5). Exames complementares: CK 12.250UI/L, troponina 340 ng/L, mioglobina 40ng/mL e BNP 925pg/mL; ECG com bloqueio aurículo-ventricular (BAV) completo; ecocardiograma normal; anticorpos associados e específicos de miosites negativos; EMG com padrão miopático e biópsia muscular com achados compatíveis com miopatia inflamatória necrotizante aguda (Fig. 1 e 2). Estudo negativo para neoplasia. Apresentou nas primeiras 24h, fibrilhação ventricular, revertida, e posteriormente BAV com frequência ventricular <10bpm, com colocação de pacemaker. Iniciou corticoterapia sistémica, imunoglobulinas endovenosas (2 ciclos) e rituximab (1 ciclo). Houve recuperação progressiva da força, sem intercorrências do foro cardíaco e possibilidade de remover a sonda nasogástrica e suspender ventilação não invasiva noturna ao 30º dia. Foi orientado para um centro de reabilitação intensiva, em desmame de corticoterapia.
A miopatia necrotizante imuno-mediada (MNI) é uma entidade rara, em que a severidade da fraqueza muscular e as manifestações extramusculares associadas podem levar ao desenvolvimento de complicações agudas graves, como disfagia, doença pulmonar restritiva e cardiopatia, em que se realça a arritmia presente neste caso1. A biópsia muscular revelou-se primordial na concretização de uma abordagem terapêutica precoce. Se por um lado, o resultado do estudo imune pode tardar e consequentemente atrasar o início do tratamento adequado, por outro, e tal como no presente caso, os anticorpos podem ser negativos e a biópsia ser o único meio disponível para confirmar o diagnóstico precocemente2,3. Deste modo, foi possível iniciar prontamente o tratamento, nomeadamente com recurso a rituximab, tendo assim contribuído para a evolução favorável e sustentada4.
Figura I

Músculo esquelético de morfologia profundamente alterada pela presença de numerosas fibras em necrose, algumas das quais sofrendo processo de miofagocitose, na ausência de significativos infiltrados inflamatórios, sugerindo uma miosite necrotizante auto-imune.
Figura II

O estudo imunohistoquímico para MHC-I revela marcação sarcolémica e sarcoplasmática intensa na maioria das fibras musculares, apoiando o diagnóstico de uma miopatia inflamatória.
BIBLIOGRAFIA
1. Pinal-Fernandez I, Casal-Dominguez M, Mammen A. Immune-Mediated Necrotizing Myopathy. Curr Rheumatol Rep. 2018; 20(4): 21; doi: 10.1007/s11926-018-0732-6.
2. Lundberg IE, Miller FW, Bottai M. Diagnosis and classification of idiopathic inflammatory myopathies. J Intern Med. 2016; 280; 39–51; doi: 10.1111/joim.12524.
3. Day J, Limaye V. Immune-mediated necrotising myopathy: a critical review of current concepts. Semin Arthritis Rheum. 2019; doi: https://doi.org/10.1016/j.semarthrit.2019.04.002.
4. Selva-O’Callaghan A, Pinal-Fernandez I, Trallero-Araguás E, Milisenda JC, Grau-Junyent JM, Mammen A. Classification and management of adult inflammatory myopathies. Lancet Neurol. 2018; 17: 816–28.