Introdução
A Doença de Mondor, inicialmente descrita por Henri Mondor em 1939,é uma patologia incomum caracterizada por um processo trombótico das veias subcutâneas da parede torácica e abdominal.1 Clinicamente traduz-se pela presença de um cordão venoso palpável, duro e doloroso, ao longo da parede antero- lateral do tórax.2,3
O estudo ecográfico com doppler constitui o método de eleição para o diagnóstico.
4,5 O curso clínico é habitualmente autolimitado, e a terapêutica indicada é habitualmente sintomática, não havendo consenso sobre a indicação de terapêutica anticoagulante.
1,2,5,6Caso Clínico
Doente sexo feminino, de 58 anos, sem antecedentes patológicos relevantes, que, recorre à consulta de Medicina Interna, por quadro de dor torácica direita intensa com irradiação ao flanco homolateral. Negava sintomatologia respiratória ou traumatismo prévio.
Negava medicação habitual, bem como alergias medicamentosas ou alimentares conhecidas.
Ao exame objetivo destaca-se uma ectasia venosa, dolorosa à palpação, sem sinais evidentes de inflamação ao longo do hemitórax direito, que se estendia desde o sulco submamário até ao flanco homolateral. (Fig. 1).
No restante exame objetivo não havia alterações de relevo.
A avaliação analítica , incluindo os parâmetros de coagulação, não mostrava alterações significativas , e o estudo dos estados protrombóticos foi negativo.
A Ecografia com estudo doppler do território venoso afetado, bem como dos do eixo venoso subclávio-axilo-umeral mostrou, na região toraco-abdominal direita, “processo trombótico extenso envolvendo uma veia superficial, com caracter recente, em fase oclusiva e com grande reação inflamatória peri venosa.“ (Fig. 2 ). Restantes trajetos venosos sem alterações.
A mamografia e ecografia mamária não mostraram alterações, bem com a tomografia axial computorizada do tórax.
Assumiu-se o diagnóstico de Doença de Mondor tendo-se iniciado terapêutica com enoxaparina (1,0 mg/kg/dia), com reversão do quadro clínico ao fim de cerca de 2 semanas.
Discussão
A Doença de Mondor é uma entidade nosológica relativamente rara, estando descritos cerca de 500 casos na literatura internacional.1,2,3
Predomina no sexo feminino, numa relação de 3:1, com especial incidência no grupo etário entre os 30 e os 60 anos.1,6
Clinicamente carateriza-se pela presença de processo trombótico venoso superficial, que se apresenta sob a forma de um cordão doloroso, palpável ao longo da parede antero-lateral do tórax, de extensão variável, podendo atingir os 30 centímetros de comprimento.4,6 Sobre o trajeto vascular envolvido, pode surgir coloração eritematosa, por vezes exuberante.5,6 Os territórios venosos mais comumente afetados são as veias toraco-epigástrica, epigástrica superficial e torácica lateral, estando também descritas outras topografias menos comuns, como as veias braqueais, femorais superficiais e as veias penianas.3,4 O quadro trombótico tem um curso habitualmente autolimitado, com resolução total no prazo de duas a oito semanas.1,3
A ecografia com estudo doppler constitui o meio de diagnóstico de eleição, demonstrando um trajeto venoso não compressível, de conteúdo hipoecogénico ou mesmo anecogénico, com trombo visisivel na fase aguda.5
A etiologia da doença de Mondor não é clara, não sendo evidente uma causa desencadeante em 30-60% dos casos.2,3,5 Como fatores precipitantes mais comummente apontados regista-se trauma local , intervenção cirúrgica (habitualmente em território mamário), quadros infeciosos , principalmente herpes zoster e sífilis, trombofilias, vasculites sistémicas, hormonoterapia, uso de fármacos vasoconstritores e compressão venosa por peças de vestuário. A correlação com neoplasia da mama é considerada rara, embora nalgumas casuísticas possa atingir os 12%.3,5,7
Tratando-se de um quadro habitualmente autolimitado, o tratamento com analgésicos e anti-inflamatórios é habitualmente eficaz e suficiente para debelar os sintomas.3A terapêutica anticoagulante é discutível, não havendo claro consenso na sua indicação.3 Contudo, alguns trabalhos defendem a utilização de anticoagulação, preferencialmente com heparina de baixo peso molecular5,6 numa dose reduzida, por um período de 30 a 45 dias.6 Esta opção terapêutica deverá, contudo, ser restrita a casos em que há suspeita de situação oncológica subjacente ou quando a extensão envolvimento vascular é superior a 5 cm.6,8
A associação com outros fenómenos trombóticos, nomeadamente trombose venosa profunda ou tromboembolismo pulmonar constitui um evento excecional, e o risco de recorrência está estimado nos 3%.4,6
No presente caso não foi identificada uma causa evidente para o fenómeno trombótico. Optou-se pela terapêutica anticoagulante com heparina de baixo peso molecular atendendo à extensão do cordão venoso (15 cm), e na impossibilidade imediata de exclusão de patologia oncológica subjacente. Verificou-se resolução completa do quadro em cerca de duas semanas, ao fim das quais suspendeu a anti coagulação.
Conclusão
A doença de Mondor é uma causa pouco conhecida de toracalgia. Caracteriza-se por um processo trombótico do território venoso superficial da parede torácica, ou mais raramente da mama ou do pénis, de evolução benigna e autolimitada, podendo no entanto, em raros casos, relacionar-se com patologia oncológica, nomeadamente neoplasia da mama. A terapêutica geralmente recomendada é meramente sintomática, com recurso a analgésicos ou anti inflamatórios não esteroides, embora vários autores sugiram o uso de anticoagulantes com critérios pouco objetivos.
Apesar de constituir uma patologia rara, é importante precisar o diagnóstico e excluir e tratar eventual causa subjacente.
Figura I

Cordão varicoso ao longo da parede torácica direita, com cerca de 15 centímetros de comprimento.
Figura II

Doppler: processo trombótico extenso envolvendo uma veia superficial, com caracter recente, em fase oclusiva.
BIBLIOGRAFIA
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