Introdução: A síndrome de Kounis (SK) é uma síndrome de hipersensibilidade coronária na sequência de uma reação anafilática, levando a vasospasmo das artérias coronárias.1, 2, 3 Foi descrita pela primeira vez em 1991 por Kounis e Zvaras como um quadro clínico de angina de peito ou enfarte agudo do miocárdio por reação alérgica.4 Podem ocorrer 3 variantes desta síndrome: sem doença coronária aterosclerótica significativa (tipo I), têm doença coronária pré-existente na qual a reação alérgica provoca enfarte agudo do miocárdio (tipo II) e trombose de stent por oclusão por infiltrado eosinofílico e mastocitário (tipo III). Podem ocorrer manifestações tipicamente alérgicas, como por exemplo, rash ou sibilos. Até abril de 2019 existiam 660 casos confirmados em doentes com mais de 18 anos (pesquisa realizada na PubMed com os termos de Kounis syndrome). É mais comum em homens (74,3%), entre a quinta e sétima décadas de vida. O tipo mais comum é o tipo I (70,6%), seguindo-se o tipo II (23,3%) e por fim o tipo III (6,1%). Os fatores desencadeantes mais frequentes são os fármacos (76,8%), seguindo-se as picadas de insetos (7,2%). Geralmente, o prognóstico é favorável e as complicações graves são raras, embora em casos excecionais possa levar à morte.4
Caso clínico: Homem, de 52 anos, com hábitos tabágicos. Sem antecedentes pessoais relevantes, sem medicação habitual e sem alergias conhecidas (medicamentosas ou outras). Antecedentes familiares de irmão com acidente vascular cerebral antes dos 50 anos. Após uma picada de abelha na região periorbitária esquerda, apresentou edema local exuberante, com rubor e dor associadas. Iniciou de seguida dor retroesternal, persistente, com irradiação aos membros superiores. Sem outras manifestações alérgicas típicas, nomeadamente sintomas respiratórios. Primeiro eletrocardiograma com bradicardia sinusal alternando com ritmo juncional com elevação do segmento ST em DII, DIII, aVF compatível com o diagnóstico de enfarte agudo do miocárdio com elevação do segmento ST inferior (Figura 1). Realizou cateterismo cardíaco de emergência que revelou doença coronária aterosclerótica de 1 vaso, com lesão suboclusiva no segmento médio da artéria coronária direita tendo sido realizada angioplastia primária com stent fármaco revestido (Figura 2). O ecocardiograma transtorácico (Figura 3) evidenciou fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 68% e com alterações da motilidade segmentar no segmento basal do septo interventricular e parede inferior. Evolução clínica no internamento em Killip-Kimball I, sem intercorrências, nomeadamente sem recorrência de dor torácica ou arritmias. Sem necessidade anti-histamínicos ou outro tratamento dirigido à causa alérgica. Teve alta após 4 dias, medicado com dupla anti-agregação, estatina, inibidor da enzima conversora da angiotensina e beta-bloqueante; e referenciado para Consulta de Cardiologia. Atualmente ainda sem seguimento em Consulta de Imunoalergologia.
Discussão: Estamos perante um caso raro de síndrome de Kounis tipo II após uma reação alérgica a uma picada de insecto. Este tipo é causado pela libertação de mediadores inflamatórios que induzem vasospasmo coronário juntamente com erosão ou rotura de placa aterosclerótica. O SK tipo II deve ser tratado de acordo com as orientações para a abordagem de uma síndrome coronária aguda, podendo também ser necessário administrar corticoides e anti-histamínicos. Esta abordagem dupla do SK tipo II poderá ser feita em simultâneo em casos de reações alérgicas graves5, apesar disso, nos casos de reações alérgicas ligeiras não está claramente definida qual terapêutica necessária. A correta identificação desta síndrome é de vital importância pois a abordagem terapêutica poderá ser diferente. O SK tipo I pode ser tratado apenas com corticoides e anti-histamínicos. Os beta-bloqueantes podem agravar o vasospasmo em qualquer dos tipos. Estes devem ser evitados na fase hiperaguda/aguda do enfarte do miocárdico6, mas a sua reintrodução deverá ser ponderada pois os seus benefícios na morbi-morbilidade do enfarte do miocárdio suplantam os riscos, a altura da reintrodução não está definida7. Salienta-se a relevância da realização de uma história clínica completa que inclua a história de alergias medicamentosas e não medicamentosas, assim como um elevado índice de suspeição para esta síndrome. Embora existam vários casos descritos na literatura, este caso chama a atenção para o evento de causalidade entre reação alérgica e síndrome coronário agudo algo não equacionado habitualmente no Serviço de Urgência.
Figura I

Electrocardiograma
Figura II

Coronariografia
Figura III

Ecocardiograma transtorácico
BIBLIOGRAFIA
1) Abdelghany M, Subedi R, Saha S, Kozman H. Kounis syndrome: A review article on epidemiology, diagnostic findings, management and complications of allergic acutecoronary syndrome. Int J Cardiol. 2017; 232: 1–4.
2) Renda F, Landoni G, Trotta F, Piras D, Finco G, Felicetti P, et al. Kounis Syndrome: An analysis of spontaneous reports from international pharmacovigilance database. Int J Cardiol. 2016; 203: 217 – 220.
3) Kounis NG, Mazarakis A, Tsigkas G, Giannopoulos S, Goudevenos J. Kounis syndrome: a new twist on an old disease. Future Cardiol. 2011; 7(6): 805–824.
4) Orion K, Mack J, Kullak-Ublick GA, Weiler S. Kounis syndrome: A retrospective analysis of individual case safety reports from the international WHO database in pharmacovigilance. Int J Clin Pharmacol Ther. 2019; 57 (5): 240 – 248.
5)Fassio F, et al, Kounis syndrome: A concise review with focus on management, Eur J Intern Med (2015), 30: 7-10.
6) Kounis, NG. Coronary Hypersensitivity Disorder: The Kounis Syndrome. Clinical Therapeutics. 2013; 5: 563 – 571.
7) TenBrook JA, Wolf MP, Hoffman SN, Rosenwasser LJ, Konstan Ma, et al. Should β-blockers be given to patients with heart disease and peanut-induced anaphylaxis? A decision analysis. J Allergy Clin Immunol 2004;113:977–82