Mulher, 82 anos, observada no Serviço de Urgência por alteração do comportamento e confusão mental com 3 dias de evolução. Apresentava antecedentes de diabetes
mellitus, hipertensão arterial, dislipidemia e insuficiência cardíaca e encontrava-se medicada de forma crónica com vildagliptina+metformina 50+1000mg bid, losartan 50mg id, fenofibrato 25mg id e bisoprolol 2,5mg id. Objetivamente estava prostrada apenas reativa a estímulos dolorosos, hipotensa, febril (38ºC), com rigidez da nuca e edemas maleolares ligeiros, sem lesões cutâneas. Analiticamente refere-se anemia normocítica normocrómica, leucócitos 16,29x10^9/L com 80,9% de neutrófilos e proteína-C-reativa 8,25mg/dl. Apresentava radiografia do tórax e tomografia computorizada craneoencefálica normais. Foi tentada punção lombar sem sucesso e iniciada antibioterapia empírica para meningite bacteriana com ceftriaxona 2g 2id e ampicilina 1g 6id. Após dois dias houve melhoria do estado de consciência, mantendo no entanto temperaturas subfebris. Ao 3º dia de internamento verificou-se aparecimento de lesões cutâneas purpúricas no lobo da orelha direita e lábios, e ao 7º dia, formação de extensa lesão purpúrica em toalha na mama e coxa à direita, com evolução para lesões bolhosas e necrose. A biópsia cutânea confirmou vasculite cutânea de pequenos vasos (VCPV) com características histológicas compatíveis com hipersensibilidade a fármacos. Após suspensão de fármacos constatou-se reepitilização centrípeta e cicatrização completa das lesões em cerca de 3 semanas. A VCPV corresponde ao subgrupo de vasculite que atinge vasos de menor calibre, histologicamente com inflamação leucocitoclástica. A etiologia é variada e inclui hipersensibilidade a fármacos, nomeadamente a cefalosporinas e ampicilina.
1 Manifesta-se geralmente por púrpura palpável, podendo evoluir para lesões vesiculares, bolhosas ou necrose cutânea. Em alguns casos pode ocorrer envolvimento sistémico, na maioria das vezes ligeiro e com resolução após descontinuação do fármaco.
1,2Figura I

Fig. 1. A/B. D3, lesões purpúricas no lobo da orelha direita (A) e labiais (B). C/D. D7, lesões purpúrica em tolha na mama direita (C) e coxa direita (D). E. D1 . Evolução da necrose cutânea para bolhas com rutura espontânea e reepitilização centrípeta. F. Fase de cicatrização em D25 de internamento.
Figura II

Fig. 2. A. Coloração HE, ampliação 4x. Extravasão hemática extensa na derme. B. Coloração HE, ampliação 20x. Vasos com alteração estrutural, deposição de fragmentos nucleares, necrose fibrinóide e agregados tromboembólicos no interior, característicos de inflamação leucocitoclástica.
BIBLIOGRAFIA
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