Mulher de 81 anos, trabalhadora rural, previamente independente, sem antecedentes pessoais, medicação ou seguimento médico habituais.
Recorreu ao Serviço de Urgência por dispneia e palpitações de início súbito, com 3 horas de evolução. Negou dor torácica. À admissão apresentava-se normotensa, polipneica, sem outras alterações relevantes ao exame objetivo além da auscultação cardíaca com sons irregularmente irregulares e hipofonéticos ao nível dos focos esquerdos.
O eletrocardiograma (ECG) na admissão evidenciou fibrilhação auricular com ritmo ventricular rápido (142 bpm), pelo que a doente foi admitida no serviço de observação para controlo de ritmo, frequência e hipocoagulação, depois de estudo adequado. O ECG após estabilização da situação clínica (Figura 1) apresentou ausência de ondas P com ritmo irregularmente irregular, QRS e onda T negativos na derivação I, QRS positivo em aVR e progressão inversa da onda R ao longo do precórdio, com diminuição gradual da amplitude de V1 a V6. A Radiografia Tórax (Figura 2.A) mostrou sombra cardíaca projetada à direita da cavidade torácica. Radiografia abdómen com sombra hepática à esquerda (Figura 2.B), com transposição dos restantes órgãos confirmada por ecografia abdominal. Feito o diagnóstico de fibrilhação auricular de novo e dextrocardia com situs inversus.
A dextrocardia refere-se a localização aberrante do coração à direita do tórax com o eixo base-ápice com direção caudal e direita. Resulta de incorreta lateralização embriológica do tubo cardíaco primitivo e deve ser diferenciada de dextroposição em que o desvio é causado por causas extracardíacas como pneumectomia ou hérnia diafragmática.1 Em todas a suas possíveis apresentações, com situs inversus, situs solidus ou situs ambiguos, é uma anormalidade congénita rara, cuja incidência, não estando completamente esclarecida, rondará 1 em cada 8000 - 25000 nascimentos.2 O diagnóstico é rarissimamente feito na idade adulta, particularmente na terceira idade, devido à menor esperança média de vida e sintomatologia precoce resultantes de malformações cardiovasculares frequentes nesta população. 3
Figura I

Eletrocardiograma em ritmo de fibrilhação auricular com QRS e onda T negativos na derivação I, QRS positivo em aVR e progressão inversa da onda R ao longo do precórdio.
Figura II

2.A Radiografia de Tórax com sombra cardíaca projetada à direita da cavidade torácica. 2.B Radiografia do Abdómen com sombra hepática à esquerda.
BIBLIOGRAFIA
1 Maldjian et al. Aproach to dextrocardia in Adults: Review. American Journal of Roentgenology. 2007;188: S39-S49.
2 Casey B. Two rights make a wrong: human left–right malformations. Human Molecular Genetics 1998;1565–71.
3 Sophie Offen et al. Dextrocardia in Adults with Congenital Heart Disease. Heart Lung and Circulation, Volume 25, Issue 4, 352 - 357