INTRODUÇÃO
O Eritema pigmentado fixo (EPF) é uma patologia cutânea fundamentalmente de etiologia medicamentosa, caracterizada geralmente pela presença de placas eritematovioláceas ovaladas e bem delimitadas, deixando lugar a uma hiperpigmentação residual (1). Pode associar-se a sintomatologia de prurido e ardor.
A nível epidemiológico, a sua incidência não está bem esclarecida mas sabe-se que pode ocorrer em todas as idades. A prevalência dos agentes etiológicos do EPF apresenta variabilidade geográfica, presumivelmente devido aos padrões de consumo local e/ou susceptibilidade da população. Estas diferenças geográficas podem em parte ser explicadas por uma possível predisposição genética, ainda que pouco investigada (14).
Os antibióticos (nomeadamente da classe das sulfamidas, beta-lactâmicos, quinolonas, macrólidos, tetraciclinas), anti-inflamatórios não esteróides, paracetamol e hipnóticos são os medicamentos mais frequentemente associados ao EPF (1-3).
Caso nenhuma etiologia medicamentosa tenha sido encontrada, a causa alimentar terá de ser descartada.
O EPF tem várias formas de apresentação: não bolhosa/ bolhosa, mucosa e não pigmentada (4).O EPF bolhoso generalizado apresenta uma taxa de mortalidade de 22% na Europa, estando diretamente correlacionada com a percentagem de descolamento cutâneo (7).
O EPF segue um modelo de hipersensibilidade retardada mediada por linfócitos T (CD8) (5-6) e tem uma evolução específica: em caso de reexposição as lesões desenvolvem-se entre 30 minutos a 8 horas (podendo aparecer até 2 semanas) após a administração do fármaco, recidivando no mesmo local e desaparecendo espontaneamente em 7 a 10 dias, deixando lugar a uma hiperpigmentação residual.
Em termos de exames complementares diagnósticos, a realização de patch tests pode ser útil na identificação do medicamento responsável, quando a história não é clara ou vários medicamentos são suspeitos (5-6). Os mesmos devem ser realizados nas zonas de pele previamente afetadas pelo EPF. É importante destacar que a sensibilidade dos patch tests não é muito elevada, logo a negatividade do teste não permite excluir a imputabilidade/ responsabilidade de um medicamento (6, 13). O estudo histológico da lesão identifica classicamente uma necrose dos queratinócitos, levando ao descolamento epidérmico, e os testes de imunofluorescência direta e indireta são negativos.
Os principais diagnósticos diferenciais nas formas mais simples são a infecção por herpes simples e a picada de insecto. Nas formas bolhosas auto-imunes, os diagnósticos alternativos são o eritema polimorfo e a necrólise epidérmica tóxica (1).
O tratamento passa essencialmente pela evicção do medicamento e pelo uso de dermocorticóides (de classe 1 a 3) em caso de lesão única ou de um pequeno número de lesões, associando-se anti-histamínicos. Nos pacientes com EPF generalizado ou EPF bolhoso, e principalmente naqueles com sintomas sistémicos, um ciclo curto de corticosteróides pode ser benéfico.
CASO CLÍNICO
Doente do sexo feminino com 70 anos de idade, recorreu ao Serviço de Urgência por úlceras orais e vaginais com 4 meses de evolução.
Já tinha recorrido previamente ao seu Médico Assistente e Estomatologista, tendo sido colocada a hipótese diagnóstica de candidíase pseudomembranosa aguda, motivando a realização de uma biópsia da língua. A nível histológico, destacava-se uma: ”lesão inflamatória de predomínio epitelial e da interface, que levantava a possibilidade de lesão vesiculo-bolhosa imunomediada, cujos aspectos morfológicos não eram típicos”.Foi medicada inicialmente com nistatina 100.000 UI/ml (suspensão oral, 5 ml a cada 12/12H) e albendazol 400 mg dose única. No entanto, por apresentar agravamento das lesões, o tratamento foi suspenso e substituído por betametasona (solução oral, 10 gotas 3x/dia), diclofenac 0.074% (solução bucal, após as principais refeições) e fluconazol 100 mg12/12h.
A doente não referia melhoria com a medicação, mencionando ainda odinofagia e ardor retroesternal. Negava outro tipo de sintomatologia.
Tinha como principais antecedentes pessoais: depressão, dislipidémia e osteoartrite, encontrando-se medicada com sertralina 50 mg, quetiapina 50 mg, atorvastatina 20 mg e etoricoxib 90 mg em SOS (que andaria a tomar nos últimos meses). Negava alergias alimentares e medicamentosas, assim como hábitos sexuais de risco.
Ao exame objectivo destacavam-se placas eritematovioláceas ovaladas com menos de 1 cm de diâmetro nos membros superior e inferior, bem delimitadas, dando lugar ao aparecimento de bolhas à posteriori (Figura 1). Passados dois dias, somaram-se às lesões cutâneas, placas esbranquiçadas na mucosa oral (Figura 2), erosões dolorosas nos lábios e na mucosa peri-anal e vaginal.
Analiticamente não se identificavam alterações hematológicas ou bioquímicas de relevo. A pesquisa de anticorpos anti-desmogleína 1 e 3, e anticorpo anti-penfigóide bolhoso revelou-se negativa. As serologias virais para o VIH, VHB e VHC, CMV IgM foram negativas, bem como a pesquisa de toxoplasmose e treponema pallidum. Realizou uma endoscopia digestiva alta que objectivou uma hérnia do hiato e efectuou uma biópsia cutânea das lesões, que identificou: “epiderme com necrólise confluente e destacamento parcial e relativa preservação da camada córnea; leve a moderado infiltrado inflamatório mononuclear e ocasionais eosinófilos perivasculares superficiais na derme”.
Perante a toma intermitente de etoricoxib relacionada com o reaparecimento das lesões, assumiu-se o diagnóstico de EPF.
Foi medicada com metilprednisolona 30 mg durante uma semana e suspenso o agente causal. As lesões desapareceram ao fim de 5 dias, ostentando apenas hiperpigmentação residual, sem nova recorrência até à data.
DISCUSSÃO
O aumento do consumo de fármacos, a polimedicação, bem como a automedicação levaram a um aumento da incidência de reacções medicamentosas.As reações cutâneas adversas ao etoricoxib são bastante raras. Alguns casos de indução ou agravamento da urticária e do angioedema foram descritos, assim como casos esporádicos de eritema polimorfo, síndrome de Stevens-Johnson e pustulose exantematosa generalizada aguda (8-12).O diagnóstico de EPF é essencialmente clínico, e neste caso a recidiva local das lesões associada à reintrodução do fármaco, bem como o resultado histológico sugestivo permitiu o diagnóstico. Apesar da clínica e evolução características, o EPF permanece subdiagnosticado.
Figura I

placa eritematoviolácea bem delimitada, com aparecimento posterior de bolha na região central no membro superior
Figura II

placas esbranquiçadas na mucosa oral resultantes da toma de etoricoxib
BIBLIOGRAFIA
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