Introdução
A síndrome da veia cava superior (SVCS) compreende um conjunto de sinais e sintomas secundários à obstrução mecânica do fluxo sanguíneo através da veia cava superior (VCS).1 Estes incluem edema da face, pescoço e extremidades superiores, tosse, dispneia, raramente edema da laringe com eventual compromisso da via aérea, tonturas, alterações visuais ou edema cerebral, causando confusão e coma.1-3 A obstrução do fluxo pode ser causada por qualquer condição que resulte em compressão extrínseca, invasão direta ou trombose da VCS.4 As neoplasias malignas são a causa mais comum desta síndrome, representando 60 a 85% dos casos.1,4,3 Destas, o cancro do pulmão representa 90% dos casos5. O desenvolvimento desta síndrome no contexto de um carcinoma espinho-celular representa uma manifestação atípica no que respeita tanto à etiologia da SVCS como à forma de apresentação deste tipo de neoplasia.
Caso Clínico
Mulher de 79 anos, reformada (previamente costureira), residente em meio rural, que recorreu ao Serviço de Urgência por síncopes de repetição, sem pródromos. Tinha antecedentes de diabetes tipo 2 insulinotratada, hipertensão arterial essencial e pacemaker por doença do nó sinusal implantado 4 anos antes. Ao exame objetivo, apresentava-se hemodinamicamente estável e apirética, com uma tumefação axilar direita palpável, dura, dolorosa e aderente aos planos profundos, associada a edema cervical, do membro superior e da mama direita (mama esquerda sem alterações). Adicionalmente, apresentava uma lesão cutânea papulosa, dura, no dorso da mão direita, com cerca de 2 anos de evolução. Analiticamente, apresentava leucocitose (17.3 10^9L), sem blastos no esfregaço de sangue e elevação de D-dímeros (21242 ng/mL). Tinha ECG em ritmo sinusal e radiografia do tórax sem alterações. A angio-TC do tórax permitiu caracterizar um conglomerado adenopático axilar (Figs. 1 e 2)e identificar trombose da veia subclávia direita com extensão à jugular interna e VCS e embolia pulmonar nos ramos segmentares do lobo superior direito. A TC crânio-encefálica não mostravalesões. A doente foi submetida a terapêutica com enoxaparina 1mg/kg, de12/12h ,e realizou biópsia ganglionar axilar e cervical com identificação de metástases de carcinoma epidermoide(Figs. 3 e 4). A biópsia da lesão cutânea revelou tratar-se de um carcinoma espinho-celular moderadamente diferenciado (Figs. 5 e 6). Ao 22º dia de internamento, apresentou uma alteração súbita do estado de consciência, tendo sido diagnosticado um AVC isquémico com transformação hemorrágica, acabando por falecer.
Discussão
A etiologia da SVCS descrita neste caso pode ser atribuível a uma combinação de vários fatores. A trombose intramural da VCS associada ao efeito compressivo local de um conglomerado adenopático axilar poderá explicar esta síndrome clínica. A trombose da VCS, tanto idiopática como secundária a outras condições está descrita como causa da SVCS,5 Poderá conjeturar-se que, neste caso, esta será secundária a um estado pró-trombótico característico de doentes com neoplasias malignas ativas.6 Adicionalmente, atendendo à sua estrutura anatómica (parede fina) e fluxo sanguíneo de baixa pressão, a VCS é vulnerável a compressão extrínseca. Metástases de carcinomas estão descritas como causa rara de SVCS (cerca de 5% dos casos).7 Neste caso, as adenopatias metastáticas, axilares e cervicais, passíveis de compressão, poderão ter contribuído para a obstrução de uma veia já parcialmente preenchida por um trombo.2,3
Além da complexidade etiológica da SVCS no caso explicitado, outra particularidade que o torna menos habitual é o facto de consistir numa forma rara de evolução do carcinoma espinho-celular cutâneo. Segundo a literatura, esta neoplasia representa 20% dos cancros de pele, sendo o segundo tipo mais comum de cancro cutâneo.9,10 A maioria dos doentes apresenta doença localizada, verificando-se, em cerca de 2 a 4% dos casos, metastização para gânglios linfáticos regionais ou metástases distais.11
O principal fator de risco para o desenvolvimento de cancro cutâneo é a exposição solar9. O facto de a doente residir em meio rural, que se associa a atividades com grande exposição solar como a agricultura, poderá explicar a etiologia desta neoplasia, tendo em conta a idade avançada e a incidência cumulativa de horas de exposição solar. A desvalorização da lesão cutânea associada a ausência de sintomas associados durante cerca de 2 anos, poderá relacionar-se com o atraso no diagnóstico.
O diagnóstico da SVCS é clínico, com base num conjunto de sinais e sintomas hemodinâmicos, respiratórios e/ou neurológicos. As apresentações podem variar desde sinais e sintomas ligeiros, como edema da cabeça e pescoço, a manifestações severas e ameaçadoras de vida, como edema cerebral, laríngeo ou compromisso hemodinâmico, ou mesmo fatais, como acidente vascular cerebral.8 A gravidade dos sintomas depende do tempo de instalação da obstrução da VCS e do grau de estreitamento luminal, embora uma trombose aguda possa ocorrer e provocar exacerbação de sintomas.8 Em 2008, foi proposto um esquema de classificação da SVCS, estratificando esta síndrome em 6 categorias (assintomática, ligeira, moderada, severa, ameaçadora de vida ou fatal), com o objetivo de servir de base a um algoritmo terapêutico que determina a urgência e o tipo de intervenção terapêutica a seguir.8 O caso descrito caracterizou-se por um início insidioso ao longo de vários meses, com edema progressivo do membro superior e mama direitos, com extensão cervical e à face, associado posteriormente a síncopes de repetição. À admissão no SU, no caso descrito, a SVCS classificar-se-ia como severa (categoria 3).8
O tratamento da SVCS visa a necessidade de alívio sintomático e a resolução da doença de base e varia consoante a urgência do alívio sintomático e a etiologia desta obstrução. Em caso de neoplasias com compromisso da via aérea, edema cerebral significativo ou compromisso hemodinâmico, o tratamento deve ser emergente.4,8 Dada a estabilidade clínica e hemodinâmica da doente, com evidência de trombose da subclávia, jugular, VCS e embolia pulmonar, optou-se por terapêutica anticoagulante inicial. A introdução de stents endovasculares para alívio da estenose seria uma opção viável, sendo altamente eficaz no alívio sintomático imediato, mas não sendo isenta de complicações graves.1,3 Em caso de neoplasias que comprimem extrinsecamente a VCS, as opções terapêuticas incluem radioterapia ou quimioterapia com o objetivo de redução do tamanho tumoral e restaurar o fluxo sanguíneo.1 Após o diagnóstico histológico, as opções terapêuticas para o carcinoma espinho-celular metastizado incluem cirurgia, radioterapia e quimioterapia.11 Tal como descrito, os carcinomas espinho-celulares metastizados estão associados a mau prognóstico, tendo sido referidas taxas de mortalidade superiores a 70%.10 O desfecho abrupto deste caso não permitiu continuar a implementação de cuidados terapêuticos, alertando para a necessidade de uma abordagem rápida destes casos e confirmando o mau prognóstico geral da SVCS (sobrevida inferior a um ano em 50% dos casos3) e dos carcinomas espinho-celulares metastizados.
Figura I

Angio-TC de Tórax - Volumosas formações nodulares apresentando continuidade entre as várias locas na topografia axilar, basi-cervical e supraclavicular direitas com densidades líquidas e fina captação periférica de contraste, a maior com eixo-longo de 8,6 cm e eixo-curto de 6,7 cm (Plano coronal).
Figura II

Angio-TC de Tórax - Volumosas formações nodulares apresentando continuidade entre as várias locas na topografia axilar, basi-cervical e supraclavicular direitas, com densidades líquidas e fina captação periférica de contraste, a maior com eixo-longo de 8,6 cm e eixo-curto de 6,7 cm (Plano transversal).
Figura III

Gânglio cervical - Metástase ganglionar de carcinoma epidermoide (Coloração Hematoxilina Eosina - HE 200x).
Figura IV

Positividade nuclear forte e difusa das células neoplásicas para p63, na metástase ganglionar (p63 200x).
Figura V

Pele - Carcinoma epidermoide moderadamente diferenciado, predominantemente intradérmico (HE, ampliação 40x).
Figura VI

Carcinoma epidermoide moderadamente diferenciado e focalmente acantolítico, constituído por células de citoplasma eosinófilo abundante e núcleos pleomórficos com cromatina variável e nucléolos proeminentes, por vezes evidenciando figuras de mitose e de apoptose. Há infiltrado inflamatório de predomínio mononuclear em redor da neoplasia (HE, 100x).
BIBLIOGRAFIA
1) Gwozdz AM, Silickas J, Smith A, Saha P, Black SA., Endovascular Therapy for Central Venous Thrombosis, Methodist Debakey Cardiovasc J. 2018 Jul-Sep;14(3):214-8;
2) Xiaoling Zhang el al, Vascular spinal cord obstruction associated with superior vena cava syndrome: A case report and literature review, Medicine, 2017, 96(51):e9196
3) Kaiwen Sun, BS et al, Transesophageal Echocardiogram-Guided Stent Placement in Superior Vena Cava Syndrome Secondary to Granulomatous Lung Disease: A Case Series and Literature Review, Vascular and Endovascular Surgery, 2017, 51(8):562-6
4) Skovira V. et al., Superior vena cava syndrome in conjunction with pulmonary vasculature compromise, American Journal Case Report, 2018; 19:1237-40
5) Lianos GD, et al., Superior vena cava syndrome due to central port catheter thrombosis: a real life-threatening condition. Il Giornale di Chirurgia, 2018, 39(2):101-06
6) Falanga A, Russo L, Milesi V, Vignoli A., Mechanisms and risk factors of thrombosis incancer, Critical Reviews in Oncology/Hematology, 2017;118:79-83
7) Talapatra K, Panda S, Goyle S, et al. Superior vena cava syndrome: a radiation oncologist’s perspective. J Cancer Res Ther 2016;12:2 515–9.
8) James B. Yu, Lynn D. Wilson, Frank C. Detterbeck, Superior Vena Cava Syndrom - A Proposed Classification System and Algorithm for Management, Journal of Thoracic Oncology, Volume 3, Issue 8, 2008, Pages 811-4
9) Pandey A, Liaukovich M, Joshi K, Avezbakiyev BI, O´Donnell JE, UncommonPresentationof MetastaticSquamous Cell Carcinomaof the Skin and Treatment Challenges, American Journal Case Report, 2019, 20:294-9
10) Burton KA, Ashack KA, Khachemoune A., Cutaneous Squamous Cell Carcinoma: A Review of High-Risk and Metastatic Disease, American Journal of Clinical Dermatology. 2016, 17(5):491-508
11) Amoils M et al, Node-positive cutaneous squamous cell carcinoma of the head and neck: Survival, high-risk features, and adjuvant chemoradiotherapy outcomes., Head Neck, 2017, 39(5):881-5