Introdução:A endometriose é uma doença ginecológica, dependente de estrogénio, que resulta da presença de tecido endometrial ectópico e pode apresentar várias localizações. A endometriose torácica surge quando há tecido endometrial ectópico a nível da cavidade torácica (pleura ou parênquima pulmonar). Para confirmação desta entidade é necessária a identificação histológica obtida através de toracotomia ou broncoscopia, sendo a abordagem diagnóstica simultânea à terapêutica. A manifestação mais comum da endometriose torácica é o pneumotórax catamenial (70-73%).1
Caso Clínico: Mulher de 36 anos. Caucasiana. Menarca aos 13 anos. Ciclos menstruais regulares de 28 dias. Data da última menstruação: 30 dias antes. Gesta 0 Para 0. Com diagnóstico de endometriose pélvica aos 28 anos e défice de proteína C aos 29 anos. Acresce história de infertilidade desde os 25 anos. Sem medicação habitual.
Avaliada no Serviço de Urgência por dor torácica de características pleuríticas à direita e pico febril, com um dia de evolução. Nega história de traumatismo ou outras queixas respiratórias.
No exame objetivo destacava-se a diminuição dos sons respiratórios no hemitórax direito. Apresentava no estudo elevação de parâmetros inflamatórios sistémicos; pneumotórax direito e derrame pleural ipsilateral de médio volume com colapso completo do lobo inferior, médio e de parte do superior (Fig. 1). Líquido pleural sero-hemático, exsudado com 4440 células, predomínio de outras células, ADA normal e pH 7,26. Colocado dreno torácico com drenagem do pneumotórax e de 800 ml de líquido pleural. Tomografia Computorizada a demonstrar ascite e formação hipodensa de 5/3,7 cm na região anexial direita, suspeita de corresponder a quisto ovárico complexo. Avaliação ginecológica: cataménio em curso e tumefação anexial direita com 5 cm. Marcadores tumorais negativos. Ressonância magnética abdominal com suspeita de neoformação primitiva ovárica. Um mês depois, durante o cataménio teve recidiva de hidropneumotórax direito. Estudo de líquido pleural sobreponível. No terceiro mês consecutivo, recidiva de hidropneumotórax direito durante o cataménio, não drenado. Assumido hidropneumotórax catamenial, em provável contexto de endometriose torácica. Foi realizada resseção pulmonar atípica e abrasão pleural. O exame anatomo-patológico confirmou a presença de “bolhas enfisematosas associadas a endometriose pleural”. Seguimento durante 1 ano em consulta sem recidivas. Mantém programa de cinesioterapia respiratória e supressão hormonal.
Discussão: A endometriose torácica pode abranger o parênquima pulmonar, brônquios, pleura e diafragma. Ocorre, sobretudo, em mulheres jovens em idade reprodutiva.2 A etiopatogenia é desconhecida, no entanto, existem teorias que tentam explicar a etiologia da doença e que são partilhadas com a endometriose pélvica, tais como: a teoria de Sampson do autotransplante de endométrio via menstruação retrógrada (há movimento retrógrado do endométrio através das trompas de Falópio, levando ao auto-transplante de células endometriais nas cavidades peritoneal e torácica, esta última através de fenestrações a nível do diafragama,3,9 a microembolização4 (disseminação metastática do tecido endometrial através do sistema venoso e/ou linfático para os pulmões) e metaplasia celómica5 (transformação de células pluripotentes em endométrio diferenciado). Nenhuma das três teorias explica a 100% a origem da endometriose torácica, principalmente a questão do pneumotórax catamenial associado à endometriose ocorrer predominantemente à direita (85-95%).4,6,8 O pneumotórax catamenial, ou seja, que ocorre simultaneamente à menstruação, ocorre pela presença de elevados níveis de prostaglandinas no tecido endometrial ectópico, que causam vasoconstrição em vasos pulmonares, e podem induzir rutura alveolar,7 principalmente em bolhas pré-existentes. Outra hipótese é que, durante a menstruação, passa ar atmosférico da vagina para o útero através do colo uterino, e posteriormente, através das trompas de Falópio para o peritoneu, e depois para o espaço pleural pelos defeitos diafragmáticos.4,6,9 Contudo, estas duas hipóteses não explicam todos os casos de pneumotórax catamenial, já que há recorrências de pneumotórax após resseção diafragmática ou após histerectomia.10,11
O diagnóstico baseia-se na clínica e implica uma elevada presunção. Neste caso, o desafio diagnóstico baseou-se no reconhecimento da simultaneidade entre a presença de pneumotorax catamenial e a menstruação, que ocorreu após o segundo episódio de pneumotórax consecutivo. Inicialmente, considerou-se a hipótese de Síndrome de Meigs, uma vez que a doente apresentava uma massa ovárica associada a hidrotórax direito e ascite, o que não explicava a ocorrência simultânea de pneumotórax, que acabou por ser a chave diagnóstica. Este tipo de pneumotórax surge em repouso, nas primeiras 24 a 72 horas de cataménio, e não obrigatoriamente em ciclos consecutivos, ao contrário do que ocorreu no caso relatado, e pode ceder à amenorreia induzida.8 O estudo do quisto ovárico revelou tratar-se de endometriose pélvica severa com endometriomas ováricos bilaterais e nódulo retovaginal, que foram removidos por via laparoscópica.
O tratamento da endometriose torácica baseia-se na drenagem do pneumotórax e na prevenção secundária da recorrência. Esta última divide-se em tratamento cirúrgico (blebectomia, pleurodese, reparação dos defeitos do diafragama e resseção de implantes endometriais) e terapêutica supressora hormonal. A supressão do tecido endometrial ectópico faz-se através de contraceção oral. As mulheres com pneumotórax catamenial devem realizar um ciclo de supressão hormonal de 6 a 12 meses. Se não houver recorrência ou os efeitos adversos forem toleráveis ou não surgirem, a terapêutica de supressão hormonal deverá ser prolongada para atingir a regressão da doença. Caso contrário dever-se-á prosseguir para o tratamento cirúrgico. Neste caso a equipa multidisciplinar optou pela resseção pulmonar atípica e abrasão pleural associadamente à supressão hormonal.
Uma das consequências da endometriose é a infertilidade. Ocorre sobretudo quando há envolvimento pélvico e na endometriose torácica quando associada à pélvica. É devida às modificações anatómicas no aparelho reprodutor feminino que ocorrem pela presença de doença avançada.12 Nem sempre a terapêutica da doença irá reverter a infertilidade, nomeadamente a terapêutica de supressão hormonal. No entanto o tratamento cirúrgico associado a técnicas de reprodução assistida são uma alternativa que melhora a fecundidade nas mulheres inférteis, mas somente nas que possuem o grau leve ou moderado de endometriose.
Conclusão: A endometriose torácica é uma patologia inflamatória, rara e complexa. Pode ter várias apresentações clínicas. Devemos suspeitar de endometriose torácica em mulheres em idade reprodutiva com pneumotórax e/ou hemotórax catamenial, principalmente se houver antecedentes de endometriose pélvica.
A associação dos antecedentes de endometriose pélvica e da sintomatologia à simultaneidade temporal com o cataménio, foram a chave do diagnóstico.
Figura I

Hidropneumotórax direito
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11- Leong AC, Coonar AS, Lang-Lazdunski L. Catamenial pneumothorax: surgical repair of the diaphragm and hormone treatment. Ann R Coll Surg Engl. 2006;88(6):547-9. Doi:10.1308/003588406X130732
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