Introdução
A linfangioleiomiomatose (LAM) é uma doença rara, com uma prevalência de aproximadamente 5 por milhão, sistémica e progressiva, que afeta predominantemente mulheres jovens e é caracterizada por destruição quística pulmonar, acumulação de líquido quiloso e tumores abdominais, incluindo angiomiolipomas e linfangioleiomiomas.1-2
Em geral, a LAM ocorre esporadicamente (S-LAM); contudo, em 40% dos casos, afeta mulheres com complexo de esclerose tuberosa (TSC-LAM), síndrome hereditário associado a convulsões, comprometimento cognitivo e formação de tumores em múltiplos órgãos.1-2 As manifestações clínicas mais frequentes são pneumotoraces recorrentes, dispneia progressiva, tosse, dor torácica e hemoptises3-4. Histologicamente, a LAM é caracterizada pela proliferação imatura das células de músculo liso, comummente conhecidas como “células LAM”.2,5 A proliferação leva à ativação inapropriada da via de sinalização intracelular de mamíferos da rapamicina (mTOR), responsável pelo ciclo de regulação das células.5 Sirolimus (rapamicina), um inibidor da mTOR, é atualmente o tratamento recomendado, melhorando a função pulmonar (FVC e FEV1), desempenho funcional, a qualidade de vida e reduzindo o tamanho dos angiomiolipomas, linfangioleiomiomas e acumulação quilosa.1,5
Reportamos o caso de uma senhora de 40 anos de idade com o diagnóstico de TSC-LAM, cuja primeira manifestação clínica foi um pneumotórax espontâneo e atualmente se encontra a realizar tratamento com sirolimus.
Caso clínico
Doente do género feminino, 40 anos, costureira, ex-fumadora desde há 1 ano (7,6 unidades-maço-ano) com antecedentes de esclerose tuberosa diagnosticada aos 30 anos, angiomiolipomas renais com seguimento em consulta de transplante renal e toma regular de anticoncetivos orais, recorre ao serviço de urgência por quadro clínico com cerca de 1 mês de evolução, caracterizado por dispneia rapidamente progressiva, tosse produtiva de expetoração mucosa e, nos dois dias precedentes ao internamento, toracalgia esquerda de características pleuríticas.
Na avaliação clínica inicial, encontrava-se subfebril, taquicárdica, polipneica com tiragem intercostal, à auscultação pulmonar apresentava diminuição do murmúrio vesicular no hemitórax esquerdo e sibilância difusa. Gasimetricamente revelava insuficiência respiratória parcial e alcalose respiratória (pH 7,48; PCO2: 27mmHg; PO2: 53mmHg) e, analiticamente, apenas ligeira elevação da Proteina-C-Reativa (PCR) de 2,87 mg/dl.
A radiografia de tórax à entrada apresentava padrão intersticial bilateral de predomínio basal e hipertransparência no andar inferior do campo pulmonar esquerdo, compatível com pneumotórax espontâneo (Fig. 1).
A doente, admitida no serviço de Pneumologia, foi submetida a toracostomia com drenagem subaquática, oxigenoterapia e iniciou antibioterapia com levofloxacina, apresentando melhoria clínica e resolução do pneumotórax.
A tomografia computorizada de tórax de alta resolução (TCAR) identificou inúmeras cavidades quísticas aéreas de parede fina e distribuição difusa bilateral (Fig. 2) e a abdomino-pélvica vários angiomiolipomas renais o maior de 18mm de diâmetro. A TC e RMN craneoencefálica revelaram calcificações justa-ventriculares e subependimárias sugestivas de esclerose tuberosa (Fig. 3) O restante estudo analítico revelou hipercolesterolémia e hipertrigliceridémia, sendo medicada com estatina, fenofibrato e dieta hipolipídica. O vascular endotelial growth factor-D (VEGF-D) encontrava-se normal (6pg/mg).
O estudo funcional ventilatório revelou uma síndrome obstrutiva moderada (FEV1: 55,9%. FVC: 80,7% FEV1/FVC:59,5% do valor previsto) com resposta positiva à broncodilatação e uma capacidade de difusão muito diminuída (DLCO:32,6%). Na prova de marcha de 6 minutos, percorreu 429 metros (55% do previsto) apresentando dessaturação até aos 81%.
Os achados encontrados são compatíveis com o diagnóstico de linfangioleiomiomatose com complexo de esclerose tuberosa. A doente iniciou terapêutica broncodilatadora com brometo de glicopirrónio (43 µg), indacaterol (85 µg), corticoterapia inalada (budesonida 400 µg), oxigenoterapia de deambulação 3L/min e terapêutica com Sirolimus 1mg/dia. O doseamento sérico de sirolimus foi realizado às 2 semanas após o início do tratamento e, posteriormente, de 3 em 3 meses, encontrando-se sempre dentro dos valores alvo desejados (1 a 5 µg/L).
Após o início do tratamento como efeitos secundários a registar pequena mucosite oral controlada com corticóoide tópico e diarreia ligeira autolimitada nos primeiros dias de tratamento.
A doente apresentou melhoria progressiva da dispneia, com capacidade para realizar as suas atividades diárias e laborais e o estudo funcional ventilatório, repetido aos 3 e 6 meses após início de terapêutica, apresentou estabilidade da função pulmonar.
Oito meses após o início de tratamento, a doente apresentou novo pneumotórax espontâneo secundário, tendo sido submetida a pleurodesis cirúrgica por video-assisted thoracoscopic surgery (VATS). É, neste momento, candidata para transplantação pulmonar.
Discussão
A LAM é uma doença multissistémica caracterizada por lesões quísticas pulmonares e lesões extrapulmonares que consistem em angiomiolipomas renais e envolvimento linfático4.
E uma doença rara que ocorre quase exclusivamente em mulheres adultas em idade fértil, contudo homens adultos e crianças também podem ser afetados1-2 e tende a progredir mais rapidamente em jovens e pacientes pré-menopausa.6
Duas formas de LAM estão descritas: a forma esporádica (S-LAM), que ocorre em 3.3-7.7 milhões de mulheres e a forma hereditária autossómica dominante que afeta mulheres com esclerose tuberosa (TSC-LAM).4
Perante o presente caso clínico, o diagnóstico de LAM associada ao complexo de esclerose tuberosa foi assumido pelas alterações quísticas características encontradas na TCAR de tórax e considerando os antecedentes já conhecidos de esclerose tuberosa e a presença de angiomiolipomas renais. Tal como descrito na literatura, o diagnóstico clínico de LAM é estabelecido por quistos redondos bem definidos de paredes finas, cujos tamanhos variam entre milímetros e dois centímetros na TCAR, acompanhado por qualquer das seguintes alterações clínicas: TSC, angiomiolipomas renais, ou derrames pleurais quilosos no tórax ou abdómen.1,7 TSC-LAM é causada pela perda de função de um dos dois genes TSC1 ou TSC2 e caracterizada por crescimentos tumorais tipo em vários órgãos, calcificações cerebrais (como no caso apresentado), convulsões e atraso mental.2,6
Doentes com TSC-LAM são diagnosticadas mais precocemente que as S-LAM e doentes com esclerose tuberosa devem ser rastreadas quanto à existência de LAM para prevenir a rápida deterioração pulmonar.7
A medição sérica de VEGF-D e a constatação da sua elevação superior ou igual 800pg/ml, em especial quando há envolvimento linfático, pode ajudar a estabelecer o diagnóstico de LAM em pacientes sem atingimento extra-pulmonar ou sem TSC e excluir pacientes com outras doenças pulmonares quísticas, evitando assim a necessidade de biópsia pulmonar.1,7 Contudo, valores séricos normais de VEGF-D, como no caso apresentado, não excluem a doença7, mas altos níveis séricos de VEGF-D estão associados a superiores melhorias da função pulmonar quando tratados com sirolimus.1
O pneumotórax ocorre em 50-60% dos pacientes e é mais comum em doentes que apresentem quistos de maior tamanho, podendo ser a manifestação clínica inicial, como no caso apresentado.1,7 Contudo, como se tratava deuma doente fumadora, foi considerada como hipóteseinicial outra doença bolhosa, nomeadamente enfisema secundário à exposição tabágica. Está definido que, logo após o primeiro pneumotórax, seja realizada pleurodesis para prevenir a recorrência.1 No presente caso, a pleurodesis não foi realizada no primeiro episódio, pois só após a resolução do mesmo e a realização de TCAR foi estabelecido o diagnóstico8.
Um padrão funcional ventilatório obstrutivo é mais comum em pacientes em S-LAM (61%) do que em TSC-LAM, mas no caso apresentado a doente evidenciava uma síndrome obstrutiva moderada com resposta positiva ao broncodilatador, o que ocorre em 25 a 30% dos casos, e uma DLCO diminuída, alteração frequente (57%) nestes pacientes.7 Não podemos contudo esquecer o facto de ser fumadora, o que contribui para os achados encontrados nas provas funcionais.
Tal como recomendado, a paciente iniciou terapêutica com sirolimus 1mg/dia.1 O tratamento com Sirolimus mostrou melhorar a função pulmonar e/ou impedir o seu declínio, melhorar o desempenho funcional, a qualidade de vida e reduzir o volume dos angiomiolipomas.1-3 O que verificámos no nosso caso foi uma estabilidade da função pulmonar (avaliada aos 3 e 6 meses após o inicio de terapêutica), uma melhoria da dispneia basal bem como da qualidade de vida, permitindo à paciente voltar à sua atividade laboral. Na maioria das vezes, o sirolimus é bem tolerado e os efeitos adversos são mínimos; contudo, tal como no caso apresentado, podem ocorrer mucosites ou diarreia.1
De referir que a hipercolesterolémia e a hipertrigliceridémia, também presentes na nossa doente, devem ser adequadamente tratadas pois aumentam a probabilidade de desenvolver quilotórax nestes doentes.2
O prognóstico desta patologia é mau e a mortalidade é associada a insuficiência respiratória.2 No momento do diagnóstico nenhum teste é preditivo do prognóstico,7 mas dados clínicos, patológicos e fisiológicos auxiliam na avaliação do prognóstico de pacientes recém-diagnosticadas com LAM.4
O transplante pulmonar é uma das opções terapêuticas para doentes com fim de vida pulmonar e a sobrevida foi considera comparável à dos que realizaram transplante por outras patologias pulmonares terminais.9 Apesar de relatos de que a LAM recorra em pulmões transplantados, consistente com o mecanismo metastático da doença, tal facto não compromete a elegibilidade para o transplante pulmonar até porque as células LAM apresentam características musculares lisas e aspeto histológico benigno.1
A descrição deste caso clínico torna-se pertinente pela raridade desta entidade e gravidade, imagiológica e funcional, representando um desafio no diagnóstico diferencial de doença bolhosa pulmonar em jovem fumadora. Para além disso, o tratamento com sirolimus tornou-se inovador, com estabilidade da função pulmonar, parcos efeitos adversos e melhoria clínica muito significativa na qualidade de vida da paciente.
Figura I

Fig1. Radiografia de tórax à entrada no serviço de urgência – presença de padrão intersticial bilateral de predomínio basal e hipertransparência no andar inferior do campo pulmonar esquerdo compatível com pneumotórax espontâneo (setas vermelhas).
Figura II

Fig2. TCAR - Inúmeras cavidades quísticas aéreas de parede fina com distribuição bilateral e difusa.
Figura III

Fig3. TC crânio-encefálica com presença de várias calcificações justa-ventriculares sugestivas de TSC.
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