O diagnóstico diferencial dos tumores do retroperitoneu é vasto e complexo, dada a inacessibilidade desta localização1. Os sarcomas correspondem a 1/3 das neoplasias malignas dessa região1. A excisão cirúrgica ou biópsia permitem obter o diagnóstico definitivo, mas será sempre seguro proceder às mesmas?
Relatamos o caso de uma senhora de 75 anos com hipertensão arterial de longa data, medicada com 4 fármacos e fibrilhação auricular permanente. Foi internada para estudo de quadro de desconforto abdominal e dejeções líquidas intermitentes, tendo realizado tomografia computorizada (TC) com contraste e ressonância magnética (RM) abdominal que revelaram uma massa retroperitoneal de grandes dimensões (130 x 86 x 54 mm), sem evidência de invasão de estruturas. Analises sumárias sem alterações. Em reunião multidisciplinar admitiu-se como hipótese de diagnóstico mais provável um sarcoma/tumor mesenquimatoso, pelo que foi programada excisão tumoral cirúrgica. Contudo, dado ter-se objetivado em internamento labilidade do perfil tensional, foram doseadas as catecolaminas e metanefrinas plasmáticas e urinárias que se revelaram francamente aumentadas (plasma: adrenalina > 5 x normal (N), metanefrinas > 6x N, normetanefrinas > 13 x N; urina: adrenalina > 3 x N, normetanefrinas > 5 x N, metanefrinas > 43 x N). Estes achados condicionaram então uma alteração da abordagem cirúrgica programada, sendo a doente submetida a bloqueio alfa-adrenérgico com fenoxibenzamina no pré-operatório, e posteriormente realizada excisão da massa retroperitoneal, cuja histologia confirmou o diagnóstico de paraganglioma de origem simpática.
Os paragangliomas produtores de catecolaminas são tumores neuroendócrinos raros2,3, e é necessária uma elevada suspeição clínica. A TC e RM apresentam elevada sensibilidade mas baixa especificidade 3,4. Metanefrinas > 4x N aumentam a probabilidade do diagnóstico4. Este caso ilustra a importância do diagnóstico diferencial dos tumores do retroperitoneu. A realização de biópsia ou a abordagem cirúrgica sem bloqueio alfadrenergico poderiam ter tido consequências dramáticas para a doente2.
Agradecimentos: Dr.ª Ana Maria Cordeiro do Serviço de Radiologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central e ao Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Curry Cabral
Figura I

RM em T2, A -plano frontal, massa retroperitoneal de grandes dimensões (130 x 86 x 54 mm) (seta laranja) em relação com veia cava inferior. B - plano transversal, após captação de contraste e.v., massa retroperitoneal (seta laranja) com realce periférico, em relação anterior com antro gástrico e D1.
Figura II

Histologia, A - HE 100X, neoplasia constituída por células com citoplasma vasto e granular dispostas em ninhos e com padrão vascular proeminente. B - Cromogranina- células neoplásicas com marcação. C - PS100- células sustentaculares evidenciadas com PS00.
BIBLIOGRAFIA
1. Strauss DC, Hayes AJ, Thomas JM. Retroperitoneal tumours: review of management. Ann R Coll Surg Engl. 2011;93(4):275–80.
2. Ji X-K, Zheng X-W, Wu X-L, Yu Z-P, Shan Y-F, Zhang Q-Y, et al. Diagnosis and surgical treatment of retroperitoneal paraganglioma: A single-institution experience of 34 cases. Oncol Lett. 2017;14(2):2268–80.
3. Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | Mutação | Câncer [Internet]. Scribd. [cited 2020]. Available from: https://pt.scribd.com/document/418476119/e22-s331-Paragangliomas-Diagnosis-Treatment-and-Follow-Up-File
4. Phan AT, Öberg K, Choi J, Harrison LHJ, Hassan MM, Strosberg JR, et al. NANETS Consensus Guideline for the Diagnosis and Management of Neuroendocrine Tumors: Well-Differentiated Neuroendocrine Tumors of the Thorax (Includes Lung and Thymus). Pancreas. 2010;39(6):784–98.