Introdução:A síndrome de secreção inapropriada da hormona antidiurética (SIADH) é uma das principais causas de hiponatrémia, sendo responsável por 14-40% dos casos e constitui um diagnóstico de exclusão.1,2 É caracterizada por hiponatrémia com hipotonicidade plasmática, osmolalidade urinária desproporcionalmente aumentada e concentração de sódio urinário elevado, em doente euvolémico.2-4 Tratando-se de um diagnóstico de exclusão, é necessário excluir disfunção cardíaca, renal, adrenal, hepática e tiroideia. As causas mais frequentemente associadas são neoplasias (nomeadamente pulmonares), doença pulmonar estrutural, doença do sistema nervoso central e as causas farmacológicas.4,5 Dentro das classes de fármacos mais frequentemente implicadas no desenvolvimento de SIADH destacam-se os antiepiléticos nomeadamente a carbamazepina. Existem alguns casos descritos associando o consumo de ácido valpróico ao desenvolvimento de SIADH.6-9 O ácido valpróico, conhecido há vários anos, interfere nos níveis cerebrais de GABA inibindo a sua degradação, bem como no bloqueio dos canais de sódio dependentes de voltagem e, por isso, tem sido utilizado principalmente como antiepiléptico no controle de crises. É também usado no tratamento de doenças psiquiátricas como a perturbação de ansiedade e os distúrbios de personalidade. Mais recentemente tem sido também utilizado como terapêutica adjuvante em neoplasias, no tratamento do vírus da imunodeficiência humana (VIH) e em doenças neurodegenerativas.10
A hiponatrémia associada ao uso do ácido valpróico foi descrita pela primeira vez em 1998, nomeadamente a associação entre SIADH e o ácido valpróico, senda esta dose-dependente mesmo dentro dos limiares de dosagem considerados terapêuticos.9 O mecanismo fisiopatológico não se encontra bem esclarecido, mas é sugerido que haja um aumento de hormona antidiurética (ADH) em circulação, quer por aumento da sua libertação hipofisária e inibição da vasopressinase, aumentado a sua semi-vida, quer por poder interferir nos recetores osmolares hipotalâmicos tornando-os menos sensíveis aos valores circulantes. É ainda proposto que possa existir uma reação tubular renal na qual o ácido valpróico inibe a reabsorção tubular de sódio.6,8,9
Os autores apresentam um caso de SIADH associado a utilização de ácido valpróico em doses terapêuticas.
Caso clinico: Homem de 65 anos, autónomo, cognitivamente integro. Diagnóstico prévio de perturbação bipolar, sob terapêutica com ácido valpróico 500mg duas vezes por dia desde há 2 anos e em seguimento em consulta externa de Psiquiatria. Recorreu ao serviço de urgência por quadro de gonalgia direita com cerca de 15 dias de evolução, tendo sido medicado com anti inflamatórios não esteroides (AINEs) em dose terapêutica, sem qualquer alívio. Concomitantemente apresentava febre (máxima objetivada de 38,5ºC), sem outra sintomatologia de relevo. Ao exame objetivo apresentava-se vígil, orientado no tempo e no espaço, tensão arterial no membro superior direito de 118/64 mmHg, frequência cardíaca de 95 batimentos por minuto e em apirexia. Mucosas pálidas e desidratadas, sem alterações auscultatórias. Joelho direito edemaciado, com limitação à mobilização e dor à palpação da interlinha articular. Analiticamente de realçar hiponatrémia de 129 mmol/L, lesão renal aguda com creatinina de 1,5 mg/dL e ureia de 216 mg/dL, anemia normocítica e normocrómica aguda de 5,7 g/dL, síndrome de resposta inflamatória sistémica (SIRS) laboratorial com leucócitos de 36,95 x103/uL e proteína C-reativa (PCR) de 118 mg/L. Eletrocardiograma em ritmo sinusal. Imagiologicamente na radiografia torácica e na ecografia abdominal não havia qualquer alteração de relevo. Endoscopia digestiva alta a revelar gastropatia ulcero-erosiva, sem hemorragia ativa. Punção do joelho direito com saída de líquido sinovial de características purulentas. Assumido diagnostico de artrite séptica tenso sido abordada cirurgicamente no próprio dia e instituída antibioterapia com amoxicilina-ácido clavulânico e posteriormente ceftriaxone, com boa evolução clinica e analítica, resolvendo o SIRS. Lesão renal aguda resolvida nas primeiras 48 horas após fluidoterapia. Anemia aguda assumida em contexto de perdas gástricas, com boa rentabilidade transfusional, sem recidiva durante o internamento e sem perdas hemáticas objetivadas.
Apesar da resolução dos problemas acima referidos, manteve hiponatrémia euvolémica com oscilação entre 126-131mmol/L. Clinicamente de realçar mal-estar geral. Analiticamente, e abordando isoladamente o presente problema, de realçar: Osmolalidade sérica baixa (270 mOsmol/kg), Osmolalidade urinária desproporcionalmente elevada (257 mOsmol/kg) e Sódio urinário elevado (71 mmol). Assumiu-se o diagnóstico de SIADH. Investigando as suas principais causas: sem alterações na função tiroideia, sem sinais ou sintomas sugestivos de doença neoplásica, com radiografia, ecografia abdominal e Tomografia axial cerebral sem alterações suspeitas. A natremia normalizou com a progressiva diminuição da dose de ácido valpróico até 500 mg diários, bem como com restrição hídrica e instituição de dieta com aumento do aporte de sal. Alta com normonatrémia (135 mmol/L), sem evidencia de recidiva a posteriori, assintomático, mantendo controlo eficaz da doença psiquiátrica. Na tabela 1 apresenta-se esta evolução sistematizada.
Discussão: Os autores descrevem o caso de associação temporal entre a terapêutica com ácido valpróico e o SIADH. A favor de uma relação causal aponta-se a normalização da natremia apenas com a diminuição da dose de ácido valpróico, sendo reforçada pela avaliação retrospetiva com objetivação de normonatrémia em 2013 (Ainda sem terapêutica antiepilética) e hiponatrémia ligeira assintomática de 133 mmol/L em 2015 (Já sob ácido valpróico).6,7
No atual caso o consumo de AINEs e a LRA foram interpretados como fatores contributivos para o desenvolvimento de hiponatrémia. A manutenção da hiponatrémia após resolução clínica da LRA e a presença de critérios de SIADH são dados incomuns nos casos em que a LRA é fator causal.11,12 Por outro lado, o contexto infecioso poderá também associar-se a hiponatrémia, principalmente em doentes submetidos a cirurgias ortopédicas, no entanto, sem critérios de SIADH e geralmente com resolução após controlo infecioso, dado que não se verificou no presente caso.13,14 Pelo facto de apenas se ter verificado a resolução da mesma com a diminuição da dose farmacológica de ácido valpróico, em associação com restrição hídrica e dieta com aporte de sal, medidas estabelecidas e conhecidas como eficazes na gestão da hiponatrémia por SIADH, os autores assumem esta relação causal.2
Existem alguns casos reportados de associação entre o uso de ácido valpróico e SIADH, quer no seu uso em doses terapêuticas, quer em doses supra terapêuticas.6,7,9 Da informação disponível, são doentes com idade superior a 50 anos, medicados com ácido valpróico por epilepsia ou doença psiquiátrica, com dose a oscilar entre 300 a 2000mg 1 a 2 vezes por dia, medicados há pelo menos 2 anos, apresentando hiponatrémia por SIADH em contexto de doença aguda, sendo que alguns destes já apresentavam hiponatrémia ligeira assintomática previamente, dados estes também encontrados no presente caso. A gravidade do distúrbio metabólico é variável, bem como o surgimento de sintomas a esta associada, sendo que a resolução da mesma se baseou, em todos os casos, na diminuição da dose e/ou suspensão do fármaco em associação com as restantes medidas já descritas.6,8,9
A SIADH é um dos distúrbios iónicos mais comuns em doentes internados (com uma prevalência estimada entre 15 e 22 %) e está associada a um maior tempo de internamento e a uma maior mortalidade.15,16 A sua associação com este fármaco, apesar de descrita no resumo das características do medicamento (RCM), é rara e pouco descrita na literatura. Por outro lado, é também de destacar que muitos destes doentes são frequentemente tratados em ambulatório e, no caso da doença psiquiátrica, com raro controlo analítico. Por estes motivos, é possivelmente uma associação subdiagnosticada.
Assim sendo, a SIADH deve ser sempre considerada como hipótese etiológica na investigação desta alteração iónica nas situações em que existe a toma deste medicamento.
Figura I

Tabela 1 - Evolução analítica e marcha diagnóstica
BIBLIOGRAFIA
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